08 julho 2024

Eleições francesas: aliança das esquerdas impede partido de Le Pen de avançar

Por David Lees* E assim não aconteceu. Apesar de toda a expectativa – e, sim, do medo de alguns na França e no mundo todo – a extrema-direita fracassou em sua tentativa de obter a maioria na Assembleia Nacional Francesa (a câmara baixa do Parlamento da França). O Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen […]

O presidente da França, Emmanuel Macron, vota nas eleições legislativas do país (Foto: Emmanuel Macron/Divulgação)

Por David Lees*

E assim não aconteceu. Apesar de toda a expectativa – e, sim, do medo de alguns na França e no mundo todo – a extrema-direita fracassou em sua tentativa de obter a maioria na Assembleia Nacional Francesa (a câmara baixa do Parlamento da França).

O Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen e seus aliados ficaram em primeiro lugar no primeiro turno da eleição legislativa francesa convocada às pressas. Mas no segundo turno, o partido simplesmente não conseguiu superar a chamada “frente republicana”, a prática de os candidatos se retirarem para evitar a divisão dos votos contra a extrema direita. E assim, o RN não conseguiu produzir o primeiro governo de extrema direita na França desde a Segunda Guerra Mundial.

Em vez disso, a Nova Frente Popular, formada por partidos de esquerda e verdes, parecia destinada a ganhar o maior número de cadeiras com 182. A aliança centrista Ensemble, de Emmanuel Macron, ficou em segundo lugar, com 168 cadeiras. O RN e seus aliados foram empurrados para o terceiro lugar geral, com 143 cadeiras.

Com 289 assentos necessários para uma maioria geral, é provável que Macron procure fazer uma aliança com o grupo de esquerda para governar como uma ampla coalizão. O primeiro-ministro, Gabriel Attal, disse que apresentaria sua renúncia, mas espera-se que ele permaneça no cargo enquanto ocorrem as negociações para a formação de um novo governo.

Esse foi um resultado ruim para o RN. Ele levanta mais perguntas do que dá respostas antes das eleições presidenciais de 2027, nas quais Le Pen será mais uma vez candidata.

A especulação da mídia de que Le Pen levaria um governo populista de extrema direita ao poder na França provou ser um grande erro. O eleitorado optou, em números mais significativos do que o esperado, por um candidato centrista ou de esquerda, quando estes apareceram na cédula eleitoral contra o RN.

No entanto, há muito a ser digerido com base nesses resultados. Em primeiro lugar, o sistema de votação em dois turnos da França provou mais uma vez que é difícil para os partidos extremos assumirem o poder em qualquer nível significativo.

As eleições europeias usam um voto único em um sistema de representação proporcional. Mas o sistema francês de dois turnos força o eleitorado a enfrentar uma escolha difícil no segundo turno: apoiar um partido nos extremos ou um candidato mais moderado.

Em segundo lugar, a lendária frente republicana francesa parece ter sido reacendida quando a ameaça da tomada do poder pelo RN se tornou palpável. Essa é uma coalizão ampla e, sem dúvida, surpreendeu a liderança do RN – assim como parece ter surpreendido Macron – a rapidez com que a esquerda e o centro puderam deixar de lado as principais diferenças em uma série de questões para reunir um conjunto de candidatos dispostos a se retirar quando necessário.

O partido socialista moderado já foi o partido do governo, mas agora é uma casca de si mesmo desde o fim da presidência de François Hollande em 2017. O fato de poder entrar em coalizão com o partido de extrema esquerda France Unsoumisse – La France Insoumise (LFI) – sugere uma disposição de trabalhar em conjunto quando for importante, o que pode ter implicações em eleições futuras.

Em terceiro lugar, esse foi um resultado muito melhor para Macron e seu movimento do que o previsto antes da votação. A aliança do Ensemble parecia estar à beira do esquecimento. Em vez disso, o segundo lugar é um bom resultado, dadas as circunstâncias. Ele pode muito bem permitir que Macron e seus aliados trabalhem com a esquerda a fim de proporcionar a qualquer futuro candidato centrista em 2027 um sólido histórico no governo.

Em quarto lugar, o Partido Republicano, de centro-direita, parece agora irrelevante. Seu polêmico líder, Éric Ciotti, alegou que estava preparado para desempenhar o papel de “kingmaker” caso o RN ficasse aquém dos 289 assentos necessários para a maioria. Mas isso agora parece ter sido excessivamente otimista.

Ciotti foi alvo de escárnio generalizado dentro de seu partido por afirmar que havia firmado um pacto eleitoral com Le Pen. O partido provavelmente será assolado por brigas internas e indisciplina nos próximos anos. Com entre 60 e 70 assentos na Assembleia Nacional, a centro-direita pode se ver amplamente marginalizada.

Fracasso da extrema-direita

E o que dizer do RN? Claramente, esses são resultados decepcionantes para Marine Le Pen e seu braço direito, Jordan Bardella. Bardella deixou claro que não assumiria o poder a menos que seu partido obtivesse uma maioria geral e, em vez disso, procuraria ser forense na oposição à coalizão de centro-esquerda. No entanto, o RN está privado de uma chance de demonstrar competência em nível nacional.

Essa situação é uma faca de dois gumes tanto para Le Pen quanto para Bardella. Por um lado, Le Pen pode participar da eleição presidencial de 2027 sem nenhum registro de governo. Por outro lado, essa contínua falta de experiência pode muito bem contar contra ela se tiver que concorrer com um candidato de dentro do governo de coalizão.

As recriminações da campanha, sem dúvida, continuarão nos próximos dias. No entanto, para a esquerda, essa parece ter sido uma noite inesperadamente excelente. E para a extrema direita, uma noite de oportunidades perdidas.


*David Lees é pesquisador de estudos franceses na University of Warwick

Leia o artigo original.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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