16 outubro 2025

Energia, defesa e tecnologia – O novo horizonte da cooperação Brasil-Arábia Saudita

O fortalecimento das relações entre Brasil e Arábia Saudita marca uma nova fase de cooperação estratégica, que vai além do comércio de commodities e avança sobre áreas como energia, defesa e tecnologia. Investimentos bilionários, corredores digitais e projetos em inovação e transição energética reforçam a aproximação entre Riade e Brasília no novo eixo geopolítico Sul-Sul.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante viagem à Arábia Saudita (Foto: PR)

As relações diplomáticas entre Brasil e Arábia Saudita, iniciadas em 1968, têm se desenvolvido com o objetivo de diversificar parceiros estratégicos em diferentes contextos regionais e globais. A abertura das embaixadas em 1973 e a transferência da missão brasileira para Riade, em 1986, consolidaram a presença diplomática no epicentro político saudita. 

Do ponto de vista econômico, o Reino consolidou-se como o principal parceiro do Brasil no Oriente Médio e Norte da África. Em 2024, o comércio bilateral totalizou US$ 6,2 bilhões, com equilíbrio entre exportações e importações, embora inferior ao ano anterior. Esses intercâmbios refletem complementaridades estruturais: o Brasil fornece produtos alimentícios estratégicos, como açúcar, carnes e grãos, enquanto importa petróleo e fertilizantes, insumos essenciais para sua matriz energética e agrícola. 

‘Interdependência aponta para um potencial de expansão baseado na segurança alimentar e energética’

Essa interdependência aponta para um potencial de expansão baseado na segurança alimentar e energética, dois pilares de crescente relevância geopolítica.

Em termos de investimento, a atuação destacada do Fundo Público de Investimento Saudita (PIF), com contribuições superiores a US$ 3,5 bilhões no Brasil, reflete a busca do Reino por diversificação econômica no âmbito da Visão 2030. 

Sua presença em setores como energia, logística, mineração e agronegócio reforça o Brasil como destino estratégico para o capital saudita e alinha a parceria às dinâmicas globais de reconfiguração das cadeias de produção e infraestrutura. 

A dimensão da defesa emerge como um novo vetor estratégico. O acordo assinado em 2024 e o envolvimento de empresas brasileiras do setor como, Avibras e Condor, indicam não apenas o interesse saudita em diversificar fornecedores, mas também a oportunidade para o Brasil projetar sua base industrial de defesa em um mercado de alto valor, em um momento em que Riade busca autonomia tecnológica e fortalecimento militar regional.

‘Enquanto as relações no passado eram fortemente centradas no comércio de commodities, atualmente há uma diversificação estratégica baseada em três pilares principais: energia e transição energética; segurança alimentar e agronegócio; e mineração e inovação tecnológica’

Como observado, ambos atores expandiram significativamente seus laços bilaterais nos últimos anos. Enquanto as relações no passado eram fortemente centradas no comércio de commodities, como soja, carne e petróleo, atualmente há uma diversificação estratégica baseada em três pilares principais: energia e transição energética; segurança alimentar e agronegócio; e mineração e inovação tecnológica. 

Essa diversificação está alinhada à Visão 2030 da Arábia Saudita, agenda transformadora voltada à redução da dependência do petróleo e ao posicionamento do Reino como um hub global de tecnologia, inovação e sustentabilidade.

O recente anúncio de um plano de investimentos de US$ 15 bilhões sinaliza não apenas a crescente importância do Brasil nas estratégias sauditas, mas também o reconhecimento da América Latina como um eixo geoeconômico emergente. 

Esses investimentos abrangem áreas críticas, como energia renovável e petróleo, visando diversificar a matriz energética. Além do agronegócio e da segurança alimentar, em que o Brasil, como potência agroalimentar, é um parceiro vital para garantir a estabilidade do fornecimento para a Arábia Saudita e o Oriente Médio, os investimentos se estendem à mineração e à infraestrutura, fornecendo insumos estratégicos para a nova economia saudita, incluindo baterias e tecnologias limpas.

‘Um dos elementos mais inovadores é a criação de corredores digitais e tecnológicos, como a conexão entre os ecossistemas de inovação de São Paulo e Riade’

Um dos elementos mais inovadores é a criação de corredores digitais e tecnológicos, como a conexão entre os ecossistemas de inovação de São Paulo e Riade. Isso se alinha aos projetos sauditas em cidades inteligentes, inteligência artificial, soberania digital e cibersegurança, além de destacar o papel do Brasil como plataforma para startups e soluções digitais para mercados emergentes na América Latina, na região MENA e na África. 

Essa dinâmica posiciona a relação Brasil-Arábia Saudita além dos vínculos econômicos tradicionais, colocando-a no centro da geopolítica da inteligência artificial e da soberania digital. Essas relações também devem ser vistas dentro de um quadro mais amplo de cooperação Sul-Sul.

O fortalecimento das relações entre Brasil e Arábia Saudita tem repercussões que vão além do escopo bilateral. Na geopolítica energética, há maior coordenação entre exportadores e investidores estratégicos; na segurança alimentar, promove estabilidade nos fluxos globais de grãos e proteínas; e em tecnologia e inteligência artificial, o Sul Global se integra cada vez mais a cadeias de alto valor, tradicionalmente dominadas por potências ocidentais. Além disso, ambos os países começam a influenciar debates sobre governança internacional, sustentabilidade e inovação, contribuindo para a redefinição da liderança global.

‘Apesar desse dinamismo, desafios persistem, como a burocracia regulatória e limitações de infraestrutura no Brasil’

Apesar desse dinamismo, desafios persistem, como a burocracia regulatória e limitações de infraestrutura no Brasil, que podem retardar a absorção dos investimentos; diferenças culturais e institucionais, que exigem diplomacia econômica sofisticada; e um ambiente global volátil, marcado por conflitos regionais e disputas tecnológicas entre EUA e China, que podem afetar fluxos de capital e logística. 

No entanto, as oportunidades superam os riscos: o Brasil obtém acesso privilegiado a capital, tecnologia e mercados, enquanto a Arábia Saudita garante fornecimentos estratégicos e diversifica seus parceiros além das grandes potências. Logo, a relação Brasil-Arábia Saudita evolui de uma cooperação essencialmente comercial para uma parceria estratégica com múltiplas dimensões, política, econômica, energética e de defesa. Essa mudança reflete tanto a ambição da Arábia Saudita de expandir seu alcance global quanto a aspiração do Brasil de se reposicionar como um ator relevante no eixo Sul-Sul, engajando-se diretamente com potências regionais no Oriente Médio.

Amanda Marini é internacionalista e cientista militar. Professora de política internacional contemporânea da especialização em história contemporânea e relações internacionais da PUC-PR e do curso livre sobre guerra e geopolítica do Oriente Médio da FESPSP. Além de palestrante e escritora, também é autora do livro “Quando A Guerra Não Tem Fim”, que fala sobre os conflitos no Iraque

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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