Nós e a Ásia
A dinâmica do mundo mudou e é imprescindível ao Ocidente conviver com o paradigma de que a Ásia se tornou fator decisivo na economia e política globalizadas. Para diplomata com ampla experiência no continente, momento evidencia o despreparo desta parte do planeta para lidar com uma realidade complexa, que escapa aos seus valores arraigados, e é preciso compreender e conviver com a alteridade
A dinâmica do mundo mudou e é imprescindível ao Ocidente conviver com o paradigma de que a Ásia se tornou fator decisivo na economia e política globalizadas. Para diplomata com ampla experiência no continente, momento evidencia o despreparo desta parte do planeta para lidar com uma realidade complexa, que escapa aos seus valores arraigados, e é preciso compreender e conviver com a alteridade
Por Fausto Godoy*
Foi com grande prazer e interesse que aceitei a proposta honrosa do embaixador Rubens Barbosa e do editor Daniel Buarque para escrever quinzenalmente sobre a Ásia neste portal. Explico-me: hoje aposentado da carreira diplomática e professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing, tenho podido ao longo dos anos desenvolver o sonho antigo – e entranhado – de, na medida do meu possível, buscar aproximar o público brasileiro do continente ao qual dediquei voluntariamente a maior parte da minha carreira no serviço exterior brasileiro.
Ao todo, servi, por maior ou menor tempo, em 11 países asiáticos. A lista é ampla e diversa: abrange desde grandes vetores civilizacionais – Índia e China – até países que somente agora passam a assumir maior relevância no cenário internacional – Bangladesh, Myanmar e Cazaquistão, por exemplo. Da mesma forma, convivi com as grandes religiões do continente – hinduísmo, budismo, zoroastrismo, jainismo, xintoísmo, taoísmo, etc. Atendo-me somente ao islã, tive experiências muito profundas com a religião em seis países onde atuei, por maior ou menor tempo.
E o que foi que aprendi?
Está sendo muito complexa a aceitação pelo Ocidente de que a dinâmica do mundo mudou e que é imprescindível conviver com paradigmas novos e distintos nas relações internacionais: a Ásia tornou-se fator decisivo na economia/política globalizadas, e sua presença, crescente e irreversível, instiga sentimentos ambíguos: de um lado, respeito pelo despertar de um gigante de história muito antiga e, de outro, temor das consequências que este protagonismo crescente possa causar. Mais que tudo, evidencia o despreparo desta parte do planeta para lidar com uma realidade complexa, que escapa aos seus valores arraigados.
Acostumado a exportar e a impor seus conceitos civilizatórios como verdade absoluta e perene sobre essa mais da metade da raça humana, o Ocidente não tem sabido lidar com um novo fenômeno: que não serão mais possíveis situações como as Guerras do Ópio, promovidas em meados do século XIX pelos ingleses para impor à China o consumo da droga a fim de equilibrar uma balança comercial deficitária para a corte de Londres; a abertura forçada do Japão Tokugawa às potências ocidentais; ou, ainda, o fim melancólico do Raj britânico e a independência de forma atabalhoada da Índia e do Paquistão e as sequelas que deslanchou, que se prolongam até hoje (e mais além). Ou, até mesmo, o “dilema” afegão…Tentar impor indiscriminadamente uma ordem “a la Ocidental” a um Oriente cada vez mais assertivo da sua identidade e crescente poder está-se revelando não somente contraproducente senão também postura nefasta, para o que o noticiário internacional nos alerta diariamente.
De sua parte, antes de emergirem como elemento maior nas relações internacionais, os países asiáticos, assim como as ex-colônias europeias em todo o mundo, tiveram que absorver o impacto e administrar o legado da independência que tão traumaticamente alcançaram ao longo do século XX, sobretudo as fronteiras forjadas de forma artificial e arbitrária pelos colonizadores. O grande enigma – “decifra-me, desafiou a Esfinge a Édipo” – reside na busca da compreensão do “incompreensível” (?) e, sobretudo, na generosidade de conviver com a alteridade e o “diferente”. O quanto estamos preparados para este exercício que nos impõe, a meu ver, a globalização irreversível das economias e das culturas?
Sobre isto – minhas “experiências de campo” – tenciono tratar com os leitores em postagens quinzenais. A temática será variada, mas o foco será o continente que ocupou grande parte da minha carreira – e da minha vida. Espero que seja de interesse para todos.
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
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