22 maio 2023

O Japão e a Índia – Uma parceria indispensável?

Premiê japonês propõe plano de integração da região do Indo-Pacífico com liderança dos dois países como um contraponto à força da China na região. Para diplomata, é questionável o possível apoio de uma Índia cada vez mais poderosa a uma influência japonesa sobre o Sul Global

Premiê japonês propõe plano de integração da região do Indo-Pacífico com liderança dos dois países como um contraponto à força da China na região. Para diplomata, é questionável o possível apoio de uma Índia cada vez mais poderosa a uma influência japonesa sobre o Sul Global

Os primeiros-ministros do Japão, Fumio Kishida, e da Índia, Narendra Modi durante encontro (Foto: Japan Forward)

Por Fausto Godoy*

No dia 20 de março, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, realizou uma visita oficial à Índia. Em Nova Delhi ele fez uma palestra no influente Indian Council for World Affairs, intitulado O Futuro do Indo-Pacífico – Novo Plano do Japão para um Indo-Pacífico Livre e Aberto” junto com a Índia: uma Parceira Indispensável. Foi quando anunciou um plano abrangente para a região intitulado Indo-Pacífico Livre e Aberto/FOIP. 

Ele relembrou que este projeto, que visa interligar política e economicamente os oceanos Pacífico e Índico, havia sido proposto por ele em 2015 perante a mesma audiência, seguindo a visão do então primeiro-ministro Shinzo Abe, de quem era ministro das Relações Exteriores. Para este último, o Japão e a Índia deveriam liderar conjuntamente a região, e o mundo, na “Era do Indo-Pacífico”. Kishida afirmou que, nos sete anos que se passaram desde então, a comunidade internacional viveu eventos definitórios, que podem ser qualificados como uma mudança de paradigma; entre eles, a pandemia da Covid-19 e a agressão da Rússia à Ucrânia.

Contextualizando, ele afirmou que “esta agressão nos obriga a enfrentar o desafio mais fundamental: a defesa da paz”, aos quais agregou o que chamou de desafios relacionados aos “bens comuns globais”, como clima e meio ambiente, saúde e ciberespaço, que se tornaram muito mais iminentes e sérios. Segundo Kishida, “a comunidade internacional está num ponto de inflexão da história: o equilíbrio de poder está mudando drasticamente no seio da comunidade internacional. A notável ascensão da Índia é um desses exemplos”.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/fausto-godoy-para-onde-vao-a-china-e-a-india/

Ele afirmou, também, que à medida que o chamado Sul Global cresce, e o mundo se torna mais diverso, é necessário se ter uma boa compreensão dessa formação histórica e cultural, uma vez que o compartilhamento da governança global tornou-se cada vez mais complexo: uma característica desse ponto de inflexão é a falta de perspectiva orientadora que seja aceitável para todos sobre o que deve ser a ordem internacional, contemporânea e futura. 

Segundo ele, isso teria ficado claramente demonstrado pelas notórias discrepâncias de atitude de vários países com relação à agressão da Rússia à Ucrânia. Ele considera isso como a evidência de que uma forte força centrífuga está operando no seio da comunidade internacional. Para enfrentar este novo cenário, o Japão expandirá sua presença e cooperação com a região, enfatizou.

Em que termos? Segundo suas próprias palavras: “É simples. Vamos melhorar a conectividade da região do Indo-Pacífico, alavancar a região a um patamar que valoriza a liberdade, o Estado de Direito, livre de força ou coerção e torná-la próspera. Com este pano de fundo, devemos reafirmar e compartilhar o entendimento de que na raiz do plano Indo-Pacífico Livre e Aberto/FOIP está a defesa da liberdade e do Estado de Direito. 

Em outras palavras, os países vulneráveis são os que mais precisam de um Estado em que os princípios da Carta das Nações Unidas, como o respeito à soberania e à integridade territorial, a solução pacífica de litígios e o não uso da força sejam respeitados… Outro princípio igualmente importante para o FOIP é o respeito à “diversidade”, “inclusão” e “abertura”. Ou seja, não excluímos ninguém, e não impomos valores” (sic).

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/fausto-godoy-a-india-na-encruzilhada/

Para o primeiro-ministro japonês “…este plano necessita ser implementado em conjunto com vários países e partes interessadas. O Japão reforçará a coordenação com os Estados Unidos, a Austrália, o Reino Unido, o Canadá, a Europa e outros países. Claro que a Índia é indispensável. Expandiremos as redes entre os países que compartilham esta visão, incluindo a Asean e os países insulares do Pacífico, o Oriente Médio, a África, a América Latina e o Caribe, e direcionaremos esforços no espírito de “co-criação”… ”também cooperaremos na materialização de cidades inteligentes, utilizando tecnologia digital; a este respeito, acreditamos que há um grande potencial para a utilização da tecnologia japonesa e a força da Índia no campo de TI”.

Discurso à parte, o que motivou o governo japonês, tão “tímido” em sua política externa, a querer agora tomar uma atitude tão pró-ativa no cenário internacional e voltar-se para o Sul Global? Não é nada difícil responder: é a República Popular da China de Xi Jinping, é claro, que para os japoneses (e não somente eles) constitui uma ameaça –histórica–, e que já “aliciou” a Rússia e criou um macrocosmo de poder respeitável na região (e mais além). Tanto é assim que neste mesmo discurso Kishida afirmou peremptoriamente que o “Japão condena com veemência (“strongly”) a agressão da Rússia contra a Ucrânia e nunca a reconhecerá” (“will never recognize it”). 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/fausto-godoy-japao-com-licenca-o-robo-vai-passar/

A pergunta seguinte, que não quer igualmente se calar, é: interessaria à Índia de Narendra Modi, que também tem veleidades expansionistas com a política do Act East, pela qual deseja diversificar sua influência na região vizinha? Neste contexto, no caso específico do universo asiático, aceitaria ela uma aliança que crie qualquer compartilhamento de protagonismo com outra potência regional, sobretudo sabendo-se que os japoneses se comprometeram a disponibilizar recursos técnicos, humanos e –sobretudo– financeiros da Assistência Oficial para o Desenvolvimento/ODA, o órgão governamental que se encarrega da política de cooperação com o exterior, que é poderoso –e influente– em razão do volume de recursos de que dispõe para suas atividades? Certamente a Índia não teria nem recursos e nem interesse maior em participar de um “Sul Global Japanese style”. Mas posso estar errado. 

E será que ela, assim como os outros países da região, compartilha(m) os mesmos conceitos e valores?

Entendo que não é o propósito dos japoneses criar “xerifes” do processo, mas esta é, parece-me, a realidade que o mundo “pós-westfaliano” está enfrentando: uma “dança das cadeiras” geopolítico/geoeconômica que ainda apresentará grandes surpresas. Como a da Índia superpotência”, como comentei anteriormente…

Enquanto isto, la nave va


*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/shinzo-abe-o-legado-disputado-de-um-politico-que-dominou-a-vida-publica-no-japao-apos-a-segunda-guerra-mundial/

Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.

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