Xi Jinping e o ‘mandato do céu’
Ambicioso governante do país desde 2012, Xi incorpora o ímpeto de desenvolver a China para recuperar e ampliar o poder e o prestígio que o país perdeu, buscando atualizar, consolidar e equilibrar a indústria nacional, transformando-a numa potência global. Para embaixador, apesar de enfrentar protestos, seu foco em desenvolvimento para o país ajuda a conquistar a aprovação da população
Ambicioso governante do país desde 2012, Xi incorpora o ímpeto de desenvolver a China para recuperar e ampliar o poder e o prestígio que o país perdeu, buscando atualizar, consolidar e equilibrar a indústria nacional, transformando-a numa potência global. Para embaixador, apesar de enfrentar protestos, seu foco em desenvolvimento para o país ajuda a conquistar a aprovação da população
Por Fausto Godoy*
Polemizando…
No dia 23 de outubro os cerca de 2.000 representantes dos 96,7 milhões de membros do Partido Comunista Chinês (PCC) reconduziram o secretário-geral e presidente do Partido, Xi Jinping, para mais um mandato de cinco anos. Ao seu final, ele terá cumprido 15 anos no poder absoluto do Partido, e da República Popular da China. Anteriormente, somente Mao Zedong teve tamanho protagonismo na vida dos chineses.
Xi rompeu a tradição do compartilhamento do poder, em uníssono, entre a cúpula política, em que os líderes mantinham perfil discreto, evitando o protagonismo pessoal. Este era entregue ao Partido como um todo. A República Popular avocava, então, o status de “país em desenvolvimento”, pelo qual foi admitida – com os benefícios decorrentes – na Organização Mundial do Comércio, em 2001.
Muita água passou embaixo da ponte da vida política e econômica da China desde então, e muito é devido ao protagonismo de Xi no processo recente. Em seu discurso de quase duas horas, ele deixou claro que o desenvolvimento é “prioridade máxima” para o PCC e ressaltou o foco contínuo no “crescimento com alta qualidade”. A plateia endossou a posição da liderança e aprovou mudanças na Constituição que endossam a visão política de Xi como central para o futuro da China, inclusive a sua reeleição para um terceiro (?…) mandato. Estaríamos diante de uma República Popular decididamente mais assertiva… para alguns, mais belicosa…
Vamos contextualizar…. O primeiro roteiro a seguir é olhar para a história pessoal do novo líder. Quem é Xi Jinping? Ele é filho de ninguém menos que Xi Zhongxun, líder revolucionário e parte da primeira geração da liderança comunista, companheiro de Mao na “Grande Marcha” e que desempenhou um papel importante no processo de abertura econômica que Deng Xiaoping deslanchou no final da década de 70 do século passado. Foi ele quem propôs a Deng a criação das Zonas Econômicas Especiais /ZPE´s, que abriram o país para o mundo. A esposa de Xi, Peng Liyuan, é uma cantora muito popular de músicas folclóricas e militares; e a filha deles está estudando atualmente em Harvard sob um pseudônimo, segundo rumores. Portanto, Xi Jinping é um homem “moderno” para os padrões chineses…
À frente do Congresso e da China desde 2012, ele tem uma boa aprovação da população, apesar de seu governo ter recentemente enfrentado protestos em razão da política de lockdown e Covid-zero, que deixou o país isolado e prejudicou a economia. Este bom conceito não impede que Xi tenha antagonistas dentro do próprio partido, de quem busca se desvencilhar através de uma campanha anticorrupção, que seus antagonistas consideram como uma verdadeira “caça aos opositores”, gerando a preocupação de o país voltar a ser o que era antes de 1970, quando Mao Zedong liderava absoluto. Diante deste cenário, alguns especialistas apontam que os próximos cinco anos de Xi tendem a ser de incertezas e instabilidades.
E o que leva a população a dar-lhe um apoio tão amplo?
Vários fatores, a meu ver. O primeiro a ser lembrado é o que os livros de história – e o PCC – qualificam como o resgate ao “século das humilhações”, ou seja, o século XIX, quando a orgulhosa dinastia Qing (1644 / 1912), que reinara absoluta sobre o país que até então fora a maior economia mundial, viu-se retalhada pelos colonialistas ocidentais, com os ingleses à frente, que lhe impuseram o consumo do ópio para contrabalançar uma balança de comércio deficitária para eles e que, na esteira da derrota na I Guerra do Ópio (1839-1842), lhe sequestraram Hong Kong, pelo Tratado de Nanquim. Este trauma perdura desde então na psique social dos chineses e foi, inclusive, um dos fatores importantes para a ascensão dos comunistas ao poder em Pequim, em 1949. Ora, a China de hoje, cada vez mais afluente, vive o ímpeto de recuperar – e ampliar para a região adjacente, e além – o poder e o prestígio que perdeu. Xi cita este tema em quase todos os seus discursos.
Nesta senda, ele tem por “livro de cabeceira”, The China Dream escrito por um professor da Academia de Defesa da China, Liu Mingfu, que logo no primeiro parágrafo do seu primeiro capítulo alinha o que é este sonho: tornar a China na líder da economia mundial moderna (… “as China rises to the status of a great power in the 21st century, it´s aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”…). Xi repete as frases deste livro em quase todos os seus discursos. Ambicioso, certamente…? Ingênuo, também?…
Encaixa-se neste sonho retraçar a antiga Rota da Seda através do projeto Belt and Road Initiative, interligando através da tecnologia três continentes, Ásia, Europa e África, revivendo e dinamizando, desta forma, a rota que fez a glória e a fortuna da China ao longo dos séculos. Para tanto, em maio de 2016, o Conselho de Estado anunciou o plano “Made in China 2025”, também chamado de “China Manufactured 2025”, destinado a atualizar, consolidar e equilibrar a indústria nacional, transformando-a numa potência global capaz de influenciar padrões, cadeias de suprimento e impulsionar a inovação em nível planetário, com base na convicção de que o mundo está passando pela quarta revolução industrial e que cabe a ela liderar este processo. Novamente, ambicioso… e também ingênuo…?
Todas estas aspirações (…devaneios?…) encontram seu lastro civilizacional numa teoria/filosofia política de fundo confucionista que foi cunhada pela dinastia Zhou (séc. IX/X AEC), que incorpora a ordem natural à vontade do universo, que concede o mandato ao governante justo, o “Filho do Céu”. Este princípio norteou a ascensão e a queda de todas as dinastias chinesas, e ainda é a pedra angular da convivência entre a liderança e a população na China contemporânea. Ora, esta última nunca teve tão alta qualidade de vida, para os seus padrões. Basta dizer que no ano passado o governo anunciou ter erradicado a miséria absoluta no país, feito extraordinário, diante de uma população de 1,4 bilhão de indivíduos! Ou seja, ainda que haja dissidências e críticas contra a liderança de Pequim, e de seu líder supremo, fato é que a população em sua enorme maioria está satisfeita com seus governantes. Ou seja, Xi e o Partido Comunista Chinês desfrutam, por ora, do “mandato do céu”. Valores – liberdade, direitos humanos western style, etc. – que são tão caros para nós, no Ocidente, relativizam-se no caso dos chineses, pragmáticos e com uma memória histórica infinitamente maior. O que nos parece um anátema é para eles – por ora, pelo menos – um degrau a ser atingido quando a afluência que ora desfrutam lhes pareça insuficiente para gozar a vida em sua plenitude. Quando será?…
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional