03 fevereiro 2023

Fundo para a Amazônia: o retorno de uma iniciativa enterrada há dez anos

O fortalecimento da esquerda sul-americana abre uma nova página na geopolítica do clima. Com a proposta de um fundo multilateral para a Amazônia, renasce um princípio que oferece conteúdo efetivo à ideia de justiça climática. Para cientista político, tal abordagem diplomática provavelmente dará ainda mais credibilidade às propostas feitas nesta área a partir do Sul global

O fortalecimento da esquerda sul-americana abre uma nova página na geopolítica do clima. Com a proposta de um fundo multilateral para a Amazônia, renasce um princípio que oferece conteúdo efetivo à ideia de justiça climática. Para cientista político, tal abordagem diplomática provavelmente dará ainda mais credibilidade às propostas feitas nesta área a partir do Sul global 

forêt au bord du fleuve Amazonie
Paisagem da Amaônia a oeste de Manaus (foto: LecomteB/Wikimedia, CC BY-NC-SA)

Por Pierre-Yves Cadalen*

Em 23 de janeiro de 2023, a nova ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, declarou que a situação ambiental de seu país era “muito pior” do que ela imaginava e garantiu que o combate ao desmatamento estaria no topo de suas prioridades após quatro anos devastadores para a Amazônia sob Jair Bolsonaro.

A maior floresta tropical é um símbolo ecológico global há décadas, tanto por sua excepcional biodiversidade e sua contribuição para a regulação do clima sul-americano quanto por seu papel na mitigação das mudanças climáticas. Essa contribuição para a mitigação também está condicionada a que a Amazônia não se torne, risco identificado pelos cientistas, uma savana, uma zona emissora líquida de carbono.

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E a questão de sua preservação há muito é considerada global –o que em 2019 gerou um momento de tensão diplomática entre Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro. Enquanto o presidente francês defendia a consideração da Amazônia como um bem comum internacional, aquele que ainda estava à frente do Brasil se opunha pelo princípio da soberania.

Como parte dos preparativos para a conferência das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o presidente colombiano, Gustavo Petro, propôs ir além, criando um fundo multilateral para financiar a proteção da Amazônia. Estabelece a meta de arrecadar US$ 400 milhões por ano durante 20 anos, com a Colômbia contribuindo com metade disso.

Não oponha a soberania ao bem comum

O interesse dessa formulação é que ela tenta superar essa rígida oposição entre bem comum e soberania. Os defensores da noção de bens comuns podem ter a seu lado todos os argumentos legítimos sobre a necessidade de proteção ecológica deste ou daquele espaço, o respeito ao princípio da soberania continua sendo a pedra angular do sistema internacional, e a esquerda sul-americana, marcada pela interferência dos EUA, também está ligada a ele.

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No compromisso proposto por Gustavo Petro, os métodos de proteção dos bens comuns, aqui a Amazônia, devem ser determinados principalmente pelos países que, muitas vezes no Sul, os têm em seu território. Isso é o que podemos chamar de multilateralismo soberano.

A Venezuela e o Brasil, agora presidido por Lula Inácio da Silva, aderiram à iniciativa. Lula e Petro declararam assim que querem fazer “um grande pacto para salvar a Floresta Amazônica em benefício de toda a humanidade”. Uma cúpula de países amazônicos acaba de ser anunciada em Davos para maio de 2023 para estruturar a proposta diplomática que está sendo formada.

O precedente equatoriano

Mas o presidente colombiano não é o primeiro a fazer uma proposta nesse sentido, que gostaríamos de relembrar aqui. A ideia de um fundo complementado a cada ano durante 20 anos é, sem dúvida, inspirada na proposta equatoriana abortada há dez anos, a iniciativa Yasuní ITT. As semelhanças são de fato numerosas.

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Vindo das fileiras da esquerda sul-americana, no governo de Rafael Correa, este também sugeriu um fundo multilateral para compensar a ausência de exploração de petróleo em parte das áreas de exploração do parque natural Yasuní e território indígena. O Equador também queria igualar o fundo pela metade, porque a iniciativa se baseava na valorização da não exploração do petróleo: tratava-se então de igualar um fundo por 13 anos a uma taxa de aproximadamente US$ 540 milhões por ano. Essa promoção da ausência de exploração de petróleo foi apresentada pela diplomacia equatoriana como necessária para proteger a Amazônia.

O mesmo espírito pode ser encontrado no discurso de Gustavo Petro na COP do Egito:

“É hora de desvalorizar a economia dos hidrocarbonetos com base nas datas definidas para o seu fim e valorizar os ramos da economia livre de carbono. A solução é um mundo sem petróleo e sem carvão”.

Diferentes estratégias internacionais

Em ambos os casos, essas diplomacias destacam a responsabilidade das estruturas econômicas capitalistas no atual desastre ecológico: “a descarbonização é uma mudança real e profunda no sistema econômico que domina. É hora da humanidade, não dos mercados.”

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A diferença substancial está na estratégia implementada no nível internacional. O Equador fez a ousada escolha de se dirigir imediatamente ao mundo inteiro pedindo que os países do Norte e suas empresas transnacionais sejam os primeiros a contribuir para a não exploração do petróleo na Amazônia. A estratégia da Colômbia parece ser um foguete de duas etapas: primeiro construir uma aliança multilateral entre os países amazônicos, depois fortalecer essa demanda internacional.

Cabe destacar que a Colômbia já conquistou uma forma de liderança regional neste tema, como sugere a obtenção por este país de US$ 73,5 milhões pagos pelo Banco Internacional de Desenvolvimento para a proteção da Amazônia e a transição energética.

A importância geopolítica da proposta

No marco de uma diplomacia multilateral bastante lenta sobre clima e biodiversidade, dada a imensidão dos desafios colocados pela mudança climática e a sexta extinção em massa de espécies, o movimento operado pela Colômbia no cenário internacional deve ser seguido de perto.

No nível regional, a América do Sul pode liderar um conceito de justiça climática já contido na fracassada iniciativa equatoriana em 2013. A França, que é um dos territórios amazônicos, da Guiana Francesa, teria todo o interesse em participar desse renascimento sul-americano da diplomacia climática.

No início do ano, a Noruega, que havia suspendido o pagamento de 500 milhões de euros ao Brasil durante o mandato de Jair Bolsonaro, o restabeleceu, como parte do Fundo Amazônico. O fortalecimento da esquerda sul-americana abre uma nova página na geopolítica do clima.

Com a proposta colombiana de um fundo multilateral para a Amazônia, renasce um princípio que oferece conteúdo efetivo à ideia de justiça climática. Tal abordagem diplomática provavelmente dará ainda mais credibilidade às propostas feitas nesta área a partir desta parte do globo. Esperemos que sejam ouvidos, discutidos e levados a sério.


*Pierre-Yves Cadalen é doutor em ciência política e relações internacionais pela Sciences Po.

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Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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