21 março 2025

Ideologia na política externa

Governo da Venezuela entregou 180 mil hectares ao MST para um projeto de agroecologia, e o Itamaraty acertou cooperação técnica com a área de agricultura e alimentação do país, mas o governo brasileiro não tem conseguido avançar na negociação para libertar exilados na embaixada da Argentina no país

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, apresenta o projeto Patria Grande del Sur (Foto: governo da Venezuela)

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, inaugurou na semana passada o projeto Pátria Grande do Sul, no estado Bolívar, no sul do país, na fronteira com Roraima. Foram entregues 180 mil hectares de terra ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que fará um trabalho em conjunto com o governo venezuelano para ampliar a produção de alimentos seguindo o viés da agroecologia. 

De acordo com Maduro, serão produzidos 30 mil hectares de feijão, além de frutas, mamão, cana-de-açúcar, inhame, frango, carne de porco, carne bovina e seus derivados, vegetais, milho e galinhas. O MST também prepara a produção de um banco de sementes nativas tradicionais e um viveiro de mudas para reflorestamento.

‘O projeto é um modelo de produção agroecológico, com formação política e técnica, e demonstra o compromisso do movimento com a revolução bolivariana’

A coordenadora da brigada do MST na Venezuela, Rosana Fernandes, afirmou que o projeto é um modelo de produção agroecológico, com formação política e técnica. De acordo com ela, o projeto demonstra o compromisso do movimento com a revolução bolivariana. O MST atua no país há quase 20 anos em parceria com as comunas venezuelanas, ajudando em projetos de agroecologia, além de formação técnica e a produção de alimentos orgânicos.

Além da cooperação do MST com o governo venezuelano, no último dia 12, o Diário Oficial da União publicou memorando de entendimento estabelecendo as bases de cooperação técnica entre o Itamaraty e três ministérios venezuelanos da área de agricultura e alimentação e com comunidades e movimentos sociais. As atividades de cooperação deverão ser implementadas pelos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, pela Conab e pela Embrapa. 

Não houve qualquer manifestação oficial do governo brasileiro sobre o assunto.

‘Depois das sucessivas controvérsias criadas pelo apoio de Lula a Maduro, o governo brasileiro conduz o relacionamento bilateral de maneira discreta’

Depois das sucessivas controvérsias criadas pelo apoio de Luiz Inácio Lula da Silva a Maduro na contestada eleição presidencial e de ataques públicos de Maduro a Lula, o governo brasileiro conduz o relacionamento bilateral de maneira discreta. A negociação desses acordos e a participação do MST no projeto Pátria Grande do Sul foi feita com a intermediação do governo brasileiro, por meio do Itamaraty.

Enquanto esses acordos estavam sendo negociados e assinados, o Brasil, que representa os interesses da Argentina na Venezuela, não consegue convencer Maduro a autorizar a saída da embaixada da Argentina de cinco venezuelanos exilados e submetidos a toda sorte de restrições. O apoio do Brasil a esses acordos na área agrícola teria sido uma oportunidade para, em troca, obter a concordância de Maduro para a saída dos exilados.

‘Do ponto de vista da credibilidade do Itamaraty, seria importante que o pedido da Argentina, intermediado pelo Brasil, fosse atendido para evitar que surjam interpretações segundo as quais o Brasil não está se empenhando para resolver a questão’

Dada a maneira como a política externa em relação à Venezuela está sendo tratada – avanço com toda a discrição para evitar a repercussão negativa interna – poderemos ter novas surpresas nas próximas semanas e meses. Do ponto de vista da credibilidade do Itamaraty, seria importante que o pedido da Argentina, intermediado pelo Brasil, fosse atendido para evitar que surjam interpretações segundo as quais o Brasil não está se empenhando para resolver a questão para não constranger a Venezuela e que está mostrando pouca disposição para ajudar a Argentina.

Enquanto isso, como parte da “Jornada de Luta das Mulheres sem Terra”, o MST promoveu mais de 70 ações de protestos e invasões entre os dias 11 e 14 de março, em todas as regiões do Brasil. 

As manifestações reivindicam mais apoio à reforma agrária e criticam o agronegócio. Essas ações antecedem o “Abril Vermelho” do movimento, anual calendário de invasões do grupo. O governo Lula remanejou cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2025 para aliados e programas petistas, incluindo o MST, contemplado em duas frentes, que somam R$ 750 milhões.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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