11 dezembro 2025

Jaroslaw Kuisz – Hoje fragmentado, o Ocidente sempre foi um campo de disputa política

Críticos falam em “declínio do Ocidente” ou “Westlessness”, enquanto adversários geopolíticos – especialmente a Rússia – continuam a se referir ao “Ocidente” como inimigo coletivo. Essa permanência retórica demonstra a força simbólica do conceito

Imagem criada por IA (Foto: ChatGPT)

Por Sofia Lima*

A ideia de que o Ocidente se fragmentou ideologicamente nas últimas décadas tem se tornado cada vez mais consolidada na discussão sobre geopolítica. Países que antes seguiam um modelo claro de ocidentalização agora enfrentam escolhas entre diferentes versões do Ocidente: a dos EUA sob Trump, a das democracias liberais europeias ou modelos mistos. Isso mostra que o Ocidente nunca foi uma categoria fixa, e sim um campo de disputa política.

Este é um dos pontos discutidos por Jaroslaw Kuisz no texto What is the West?, publicado pela revista Foreign Policy. Associado ao programa de Estudos Russos e da Europa Oriental da School of Global and Area Studies da Universidade de Oxford, ao analisar o livro The West: The History of an Idea, de Georgios Varouxakis. A obra investiga como o conceito de “Ocidente” surgiu, se transformou e continua sendo disputado no mundo contemporâneo.

O texto abre com a história de dois meninos que fogem da Polônia comunista acreditando que o “céu” ficava no Ocidente. Esse episódio exemplifica como, durante a Guerra Fria, a ideia de Ocidente estruturava a forma como as pessoas compreendiam a realidade: um espaço associado à liberdade, prosperidade e estabilidade em contraste com o bloco soviético.

Com o fim do comunismo, essa definição rígida começou a ruir. Pesquisadores passaram a perguntar o que exatamente significava “Ocidente”. Seriam apenas EUA e Europa? Incluiria também Japão, Coréia do Sul e Austrália? À medida que a democracia se expandiu e o mundo se globalizou, o termo passou a carregar sentidos civilizacionais, não apenas geográficos.

Varouxakis reconstrói essa história desde a Antiguidade. A noção de uma “parte civilizada” do mundo transitou da Grécia para Roma, depois para Bizâncio e o Império Carolíngio, até chegar à Europa moderna. Conceitos como “Europa” e “Cristandade” foram os pilares dos termos que mais tarde se consolidaram como Ocidente. O autor também ressalta a importância de Auguste Comte na formulação do Ocidente como uma comunidade sociopolítica de valores e instituições compartilhados.

Kuisz observa que muitos estudiosos contemporâneos consideram o termo vago ou ideologicamente carregado. Mesmo assim, permanece central nos debates políticos. 

Críticos falam em “declínio do Ocidente” ou “Westlessness”, enquanto adversários geopolíticos – especialmente a Rússia – continuam a se referir ao “Ocidente” como inimigo coletivo. Essa permanência retórica demonstra a força simbólica do conceito.

Varouxakis tenta preencher esse termo com conteúdo histórico amplo, mas o texto aponta que o livro carece de uma estrutura classificatória que facilite ao leitor navegar pela complexidade do tema. Ainda assim, sua análise evidencia como países como a Grécia, Portugal e Espanha, ao superarem ditaduras, passaram a enxergar a adesão ao Ocidente como garantidora de estabilidade e liberdade.

Kuisz argumenta que Varouxakis defende que os valores centrais do Ocidente, como democracia liberal, estado de Direito e pluralismo, continuam sendo o principal ponto de referência, mesmo diante de tentativas populistas de redefinir o significado do termo.

Por fim, o texto conclui que o Ocidente permanece politicamente vital porque combina profundidade emocional e importância prática. Em especial, sociedades da periferia ocidental compreendem que pertencer ao Ocidente significa resistir a forças autoritárias internas e externas, motivo pelo qual esse conceito, apesar de contestado, continua vivo.


*Sofia Lima é estagiária do Irice

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Geopolítica 🞌

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