Reindustrializar sem inovação é contratar estagnação
A pandemia e novas dinâmicas internacionais recolocaram a necessidade de uma indústria forte e dinâmica no centro das políticas econômicas por todo o mundo. Para economista, o Brasil deve focar em uma estratégia de política econômica que permita que o país se posicione em uma economia crescentemente globalizada, competitiva e movida pela inovação
A pandemia e novas dinâmicas internacionais recolocaram a necessidade de uma indústria forte e dinâmica no centro das políticas econômicas por todo o mundo. Para economista, o Brasil deve focar em uma estratégia de política econômica que permita que o país se posicione em uma economia crescentemente globalizada, competitiva e movida pela inovação
Por Lidia Goldenstein*
Partindo da premissa de que fortalecer o setor industrial é fundamental para o país, a pergunta que se segue é: de que indústria estamos falando? Para então se pensar os instrumentos e mecanismos para fortalecê-la.
A premissa da importância do fortalecimento do setor industrial baseia-se, entre inúmeras outras razões, na constatação que, por mais avançado e competitivo que seja, o agronegócio não consegue sozinho garantir um crescimento sustentável no longo prazo e gerar empregos e renda suficientes para o Brasil enfrentar os problemas de grande parte da sua população.
A ilusão de que poderíamos prescindir da indústria foi sustentada, em parte, por uma leitura equivocada dos dados da participação setorial no PIB dos países desenvolvidos. O argumento mais usado era que o setor industrial encolhia nestes países dando lugar ao setor de serviços, o que revelaria um processo de amadurecimento destas economias que devia ser imitado pelo Brasil.
O grande equívoco foi, antes de mais nada, não entender de que setor de serviços estavam falando. Uma coisa é o papel de um setor de serviços “sofisticado”, inovador, portador de novas tecnologias e diretamente associado ao dinamismo do setor industrial. Outra é o inchaço de um setor de serviços de baixa qualidade, absorvedor de uma mão de obra desqualificada, mal preparada e que vem rapidamente sendo substituída por novas tecnologias importadas.
Mas, aparentemente, este é um debate que envelheceu.
Não só a pandemia e seus impactos nas cadeias globais de valor, como as novas dinâmicas internacionais pautadas por disputas acirradas entre as grandes potências ensejaram uma mudança radical nos discursos e práticas dos mais diferentes países, recolocando a necessidade de uma indústria forte e dinâmica no centro das políticas econômicas.
Ótimo. Podemos e devemos avançar defendendo o fortalecimento da indústria. O perigo reside em defender uma indústria “velha” dependente de proteção e subsídios permanentemente. Uma indústria que não tenha no seu DNA, no seu foco do dia a dia, a inovação é uma indústria fadada a perecer ou contribuir fortemente para a estagnação do país.
Um setor industrial que não seja inovador não sobrevive a uma economia aberta. Se isso já era verdade nos anos 1970 e 1980, hoje, com a velocidade das inovações e intensidade da globalização, é uma realidade que se impõe de forma muito mais intensa e rápida. Traduzindo, é uma indústria que depende do fechamento da economia por não suportar competição, o que inexoravelmente ensejaria um processo inflacionário nos moldes que tínhamos nos anos 1980.
O foco, portanto, tem que ser em criar mecanismos e processos que fomentem a inovação.
Falar em reindustrializar ou em política industrial sem propor a construção de um ecossistema de inovação é ressuscitar um projeto obsoleto cujo custo foi extremamente elevado para o Brasil: hiperinflação e anos de estagnação.
Precisamos nos focar em uma estratégia de política econômica que permita o Brasil se posicionar em uma economia crescentemente globalizada, competitiva e movida pela inovação. Não são projetos pontuais, mas projetos articulados que mudem nossa cultura empresarial e acadêmica, que criem dinâmicas transversais adequadas às novas necessidades do capitalismo do século XXI.
O foco no fomento à inovação, em todas as suas mais diferentes facetas, tecnológicas e não tecnológicas, é o grande diferencial competitivo dos países e, consequentemente, das políticas públicas modernas. A crescente “corrida tecnológica” entre países e empresas vem resultando em significativa ampliação dos dispêndios de P&D nos países avançados. Mas não só os gastos em P&D crescem como mudam os processos através dos quais as empresas inovam, as universidades pesquisam e os governos fomentam a inovação.
*Lidia Goldenstein é colunista da Interesse Nacional. Economista formada pela USP e doutora pela Unicamp, foi assessora econômica da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, assessora da presidência do BNDES, analista do Seade, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Lidia Goldenstein é doutora em economia, foi professora da Unicamp, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia nas TV Cultura e TV Manchete. Exerceu os cargos de assessora da presidência do BNDES, assessora econômica da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo e da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro.
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