22 maio 2024

Mandados de prisão do TPI na guerra entre Israel e Hamas colocam à prova os limites da justiça internacional

Em um contexto tão politicamente carregado, é justo descrever esse esforço como um teste do compromisso da comunidade internacional com o objetivo de acabar com a impunidade dos crimes internacionais

Veículo da ONU passa por área destruída na cidade de Gaza (Foto: Unocha)

Por Amy Maguire*

A solicitação de Karim Khan, promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), de mandados de prisão para líderes israelenses e do Hamas é um passo significativo no esforço de levar justiça às vítimas de crimes internacionais em Israel e na Palestina.

Khan solicitou aos juízes do TPI que emitissem mandados sob a acusação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra contra Yahya Sinwar (chefe do Hamas em Gaza), Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri (também conhecido como Mohammed Deif, comandante da ala militar do Hamas) e Ismail Haniyeh (chefe do escritório político do Hamas, sediado no Qatar).

Eles são supostamente responsáveis por crimes internacionais em território israelense e palestino pelo menos desde 7 de outubro de 2023.

Khan também solicitou mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Yoav Gallant, novamente por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Eles são supostamente responsáveis por crimes na Faixa de Gaza desde 8 de outubro de 2023.

Do que eles foram acusados?

Sinwar, Al-Masri e Haniyeh são acusados em relação aos ataques contra civis israelenses em 7 de outubro, nos quais cerca de 1.200 civis israelenses foram mortos e pelo menos 245 foram feitos reféns.

Além disso, os líderes do Hamas são acusados de outros crimes no contexto do conflito em curso em Gaza. Esses crimes incluem:

Khan disse em sua declaração:

“Vi as cenas devastadoras desses ataques e o profundo impacto dos crimes inescrupulosos acusados nos pedidos apresentados hoje. Conversando com sobreviventes, ouvi como o amor dentro de uma família, os laços mais profundos entre um pai e um filho, foram distorcidos para infligir uma dor insondável por meio de crueldade calculada e extrema insensibilidade. Esses atos exigem responsabilização.”

Khan observou que seu escritório conduziu investigações extensas, incluindo visitas ao local e entrevistas com vítimas sobreviventes, e se baseou em provas relacionadas às condições em que os reféns israelenses foram mantidos em Gaza.

Netanyahu e Gallant são supostamente responsáveis criminalmente por vários crimes internacionais desde que Israel lançou sua ação militar contra o Hamas em Gaza em 8 de outubro, incluindo:

O promotor disse que os supostos crimes:

“… foram cometidos como parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil palestina de acordo com a política do Estado. Esses crimes, em nossa avaliação, continuam até hoje.”

Observando o terrível sofrimento dos civis em Gaza, incluindo dezenas de milhares de vítimas e fome catastrófica, Khan alegou que os meios que Netanyahu e Gallant escolheram para perseguir os objetivos militares de Israel em Gaza…

“…ou seja, causar intencionalmente a morte, a fome, grande sofrimento e lesões graves ao corpo ou à saúde da população civil – são criminosos.”

O que isso significa na prática?

A próxima etapa desse processo é que três juízes da câmara de pré-julgamento do TPI decidam se há motivos razoáveis para acreditar que foram cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em caso afirmativo, eles emitirão mandados de prisão. Pode levar meses para que os juízes façam essa avaliação.

No entanto, se os mandados de prisão forem emitidos, é muito improvável que sejam executados. E se nenhum dos acusados puder ser preso, então não haverá julgamento porque o TPI não julga pessoas à revelia.

Então, por que é improvável que o acusado seja preso? Há vários motivos.

Primeiro, nenhum dos acusados se entregará para ser processado. Netanyahu ficou indignado com a decisão de Khan, chamando-a de “um ultraje moral de proporções históricas” e acusando-o de antissemitismo.

O Hamas emitiu uma declaração denunciando veementemente a emissão de mandados de prisão contra seus líderes, alegando que isso iguala “a vítima ao carrasco”.

Em segundo lugar, é provável que nenhum dos acusados se coloque em posição de ser preso e entregue ao TPI. Israel não é signatário do Estatuto de Roma que estabeleceu o TPI. Seu principal aliado, os Estados Unidos, também não é membro. Isso garantiria que Netanyahu e Gallant pudessem viajar para os EUA sem medo de serem presos.

Enquanto isso, Haniyeh está baseado no Qatar, que também não é um estado membro do TPI. É possível que ele precise restringir suas viagens a outros países para evitar o risco de ser preso. Acredita-se que os outros dois líderes acusados do Hamas estejam escondidos em Gaza – eles parecem correr mais risco de serem mortos pelas forças israelenses do que de serem presos.

Entretanto, a Palestina é um Estado membro do TPI, portanto, tecnicamente, é obrigada a cooperar com o tribunal. Na prática, porém, é difícil ver como isso ocorrerá.

Terceiro, o TPI depende de seus estados-membros para fazer cumprir suas ações. Não possui força policial independente ou capacidade de executar mandados de prisão.

O TPI tem 124 estados-partes, enquanto as Nações Unidas têm 193 estados-membros. Essa disparidade deixa clara a lacuna entre o que o TPI busca alcançar – ou seja, a responsabilização universal para crimes internacionais – e o que ele pode alcançar na prática quando não tem o apoio de países implicados ou não alinhados.

O que isso significa para o TPI?

A ação de Khan não tem precedentes em um aspecto. É a primeira vez que o escritório do promotor apresenta acusações contra um chefe de estado que é apoiado por nações ocidentais.

A medida provocou uma resposta previsível dos EUA. O presidente Joe Biden chamou o fato de “ultrajante” e acrescentou:

“[…] não há equivalência – nenhuma – entre Israel e o Hamas. Sempre estaremos ao lado de Israel contra as ameaças à sua segurança.”

Mas Khan enfatizou a importância da independência e imparcialidade do TPI, bem como a aplicação igualitária da lei.

“Nenhum soldado raso, nenhum comandante, nenhum líder civil – ninguém – pode agir com impunidade.”

O TPI já confirmou sua jurisdição sobre os crimes supostamente cometidos pelos cinco líderes nesta semana. O promotor deve estar confiante de que a câmara de pré-julgamento emitirá os mandados de prisão, com base na natureza altamente visível dos supostos crimes e no volume de provas disponíveis para demonstrar motivos razoáveis para a acusação.

A solicitação de mandados de prisão, sem dúvida, complica as relações entre Israel e seus aliados que são estados membros do TPI. Em um contexto tão politicamente carregado, é justo descrever esse esforço como um teste do compromisso da comunidade internacional com o objetivo de acabar com a impunidade dos crimes internacionais.


*Amy Maguire é professora de direitos humanos e direito internacional na University of Newcastle

Leia o artigo original.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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