Mercado de carbono na pauta do Congresso
Brasil tem todas as condições de exportar “carbono”, como exporta tantos outros produtos da natureza. Projeto de lei marcará o início de um mercado brasileiro cujos créditos podem ser aceitos em todo o mundo
Encontra-se novamente no Senado o projeto de lei (PL) que regula o mercado de carbono no Brasil. A versão original do PL já foi apreciada pela Casa (com relatoria da senadora Leila Barros) e enviada à Câmara, onde sofreu relevantes alterações (com relatoria do deputado Aliel Machado).
Resta saber se a casa de origem vai aprová-las ou não e se mudanças que forem introduzidas voltarão ainda para a apreciação final da Câmara.
Tudo indica que haverá um acordo entre as duas casas, pelo qual os eventuais ajustes do Senado serão feitos de acordo com a Câmara, por meio dos respectivos relatores, permitindo a ida diretamente à sanção presidencial. Esse fast track permitiria a promulgação ainda em junho, antes do recesso e a salvo do conturbado período eleitoral, que adiaria o projeto para o final do ano. Ainda que pretensiosa, a meta seria aprovar em junho, mês que abriga o dia mundial do meio ambiente, comemorado no dia 5.
A nova lei daria ao ativo crédito de carbono brasileiro integridade e aos seus compradores, situados no exterior (União Europeia, Oriente Médio, Asia, Canadá e Estados Unidos) a tão necessária segurança jurídica.
O projeto atual cria um registro de emissões a ser reportado por toda entidade produtiva que emita mais do que 10 mil toneladas de gases de efeito estufa por ano em suas atividades e concomitantemente uma proposta de mitigação dessas emissões ao longo do tempo.
Essas informações deverão ser objeto de controle e regulação por uma autoridade nacional não definida no projeto e que deverá ser criada por lei para dar consistência e continuidade à sua ação, ainda que tal competência possa ser absorvida pela administração direta, caso em que bastaria um decreto regulamentador.
Com isso estar-se-ia positivando o que vem sendo chamado de “transição energética” inserindo o Brasil em um ambiente de negócios internacional com credibilidade e consistência.
O cumprimento das metas de mitigação será premiado com a emissão e venda dos créditos de carbono equivalentes, o que constitui receita adicional. A seu turno, o descumprimento das metas obrigaria a compra de créditos de carbono equivalentes ao percentual descumprido, o que implica em custo para a entidade inadimplente.
A negociação desses créditos de carbono será feita em mercado, quer em negociações bilaterais e diretas entre os participantes desse universo de entidades reguladas ou no mercado financeiro e de capitais, quando referidos créditos serão equiparados a valores mobiliários, sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários.
Caso não haja créditos suficientes para os que têm de adquiri-los nesse mercado regulado, podem eles ser adquiridos no mercado voluntário de quaisquer terceiros que tenham seus ativos certificados pela mesma autoridade nacional controladora do mercado regulado.
No mercado voluntário encontram-se os créditos de carbono florestais, de retenção, estoque e conservação de carbono no solo e incremento da biodiversidade, os provenientes de recuperação de áreas degradadas e de manejo sustentável e os decorrentes de queima de resíduos urbanos, restauração de nascentes, existentes nos manguezais e nos oceanos. O Brasil é um celeiro desse ativo dadas as suas características geográficas.
Esse bem engendrado sistema, desde que complementado por decretos e portarias regulamentadoras, marcará o início de um mercado brasileiro de carbono, cujos créditos podem ser aceitos em todo o mundo. O Brasil tem todas as condições de exportar “carbono”, como exporta tantos outros produtos da natureza.
O agronegócio, em virtude de uma negociação política, estará fora desse mercado, o que constitui um erro estratégico, a meu ver. A alegação foi a de que não há ainda metodologias internacionalmente aceitas para cálculo de suas emissões e sobretudo de suas reinjeções de carbono de volta no solo, fruto de técnicas de produção.
Quanto antes o agro participar tanto mais o nosso carbono poderá abastecer a cadeia mundial e o mercado poderá ganhar pujança.
Vários outros aspectos do projeto merecem consideração e comentários, especialmente os conceitos básicos que possibilitam às partes saber o que estão comprando e vendendo, mas isso será comentado quando eles se tornarem lei.
O que importa repisar é que o Brasil poderá vir a ser um grande produtor desse ativo “intangível” que é o carbono.
Fernando Antônio Albino de Oliveira, advogado pela USP, mestre pela NYU e doutor pela USP. Foi diretor da CVM. Atua em direito empresarial, com ênfase em projetos de infraestrutura e mercado de carbono.
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