20 maio 2024

Morte do presidente deixa Irã de luto pela perda de líder leal ao regime

Morte pode tomar a forma de maior repressão estatal e manipulação eleitoral na política interna. Internacionalmente, isso poderia significar a formação de laços mais fortes com aliados emergentes e a busca de uma confrontação calculada contra adversários tradicionais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra com o presidente iraniano Ebrahim Raisi na África do Sul em agosto de 2023 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Eric Lob*

O presidente iraniano Ebrahim Raisi, que morreu quando seu helicóptero caiu em 19 de maio de 2024, em uma região montanhosa na fronteira, era um lealista convicto, cuja morte é um golpe severo para a liderança conservadora do país.

A descoberta dos destroços e dos corpos ocorreu após uma operação de busca durante a noite, dificultada pelo clima e pelo terreno. O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, anunciou um período de luto público de cinco dias no país.

Como especialista em políticas interna e externa do Irã, acredito que a preocupação em Teerã pode se estender além da potencial tragédia humana do acidente. A mudança forçada por esse evento terá importantes implicações para um Estado iraniano consumido pelo caos interno e pela confrontação regional e internacional.

Quem era Ebrahim Raisi?

Desde a Revolução Iraniana de 1979, Raisi atuou como um assíduo apparatchik da República Islâmica e um protegido de Khamenei, que, como líder supremo, detém o poder máximo na República Islâmica.

Antes de se tornar presidente em 2021, Raisi ocupou vários cargos no Judiciário sob a supervisão do líder supremo. Como promotor, e no final da Guerra Irã-Iraque em 1988, ele participou do comitê que condenou milhares de prisioneiros políticos à morte.

As execuções lhe renderam o apelido de “carniceiro de Teerã” e posteriormente o sujeitaram a sanções pelos Estados Unidos e à condenação pelas Nações Unidas e organizações internacionais de direitos humanos.

Desde 2006, Raisi serviu na Assembleia de Peritos, um órgão que nomeia e supervisiona o líder supremo.

E, apesar de ser visto como alguém sem carisma e eloquência, acreditava-se que Raisi, de 63 anos, estava sendo preparado para suceder o aiatolá Khamenei, de 85 anos, como líder supremo.

Um histórico doméstico conturbado

Internamente, a presidência de Raisi foi tanto causa quanto consequência de uma crise de legitimidade e caos social para o regime.

Ele venceu de forma controversa a eleição presidencial de 2021 após um alto número de desqualificações de candidatos pelo Conselho Guardião, que avalia os candidatos, e uma participação eleitoral historicamente baixa de menos de 50%.

Para apaziguar sua base conservadora, Raisi e seu governo revitalizaram a polícia moral e impuseram restrições religiosas à sociedade. Essa política levou aos protestos “Mulher, Vida, Liberdade”, desencadeados pela morte sob custódia policial de Mahsa Amini em 2022.

As manifestações provaram ser as maiores e mais longas em quase 50 anos de história da República Islâmica. Elas também resultaram em repressão estatal sem precedentes, com mais de 500 manifestantes mortos e centenas mais feridos, desaparecidos e detidos. Durante os protestos, Raisi demonstrou sua lealdade ao líder supremo e às elites conservadoras ao intensificar as restrições e repressões.

Enquanto isso, sob Raisi, a economia do Irã continuou a sofrer devido a uma combinação de má gestão governamental e corrupção, juntamente com as sanções dos EUA que se intensificaram em resposta à repressão interna de Teerã e às provocações no exterior.

Confrontação em vez de reaproximação

O tumulto doméstico durante a presidência de Raisi foi acompanhado por mudanças no papel regional e internacional do Irã.

Como líder supremo, Khamenei tem a palavra final sobre a política externa. Mas Raisi presidiu um Estado que continuou no caminho da confrontação com seus adversários, notadamente os EUA e Israel.

E, seja por escolha ou percepção de necessidade, Teerã se afastou ainda mais da ideia de reaproximação com o Ocidente.

Diante do aumento das sanções dos EUA, o Irã sob Raisi foi relutante em reviver o acordo nuclear. Em vez disso, o Irã aumentou o enriquecimento de urânio, bloqueou inspetores internacionais e se tornou um Estado no limiar nuclear.

Raisi também continuou a política de “Olhar para o Oriente” de seu antecessor, Hassan Rouhani. Para esse fim, ele e seu governo buscaram uma maior aproximação com a China.

Pequim, por sua vez, ofereceu uma tábua de salvação econômica ao importar petróleo iraniano e mediar um acordo diplomático entre o Irã e a Arábia Saudita em março de 2023.

Enquanto isso, sob a presidência de Raisi, o Irã continuou a servir como aliado e financiador de conflitos anti-EUA e anti-Ocidente, entregando drones de combate à Rússia para uso na Ucrânia e fornecendo armas a vários proxies regionais no Oriente Médio.

Desde o início da guerra em Gaza em 7 de outubro de 2023, o Irã sob Khamenei e Raisi manteve um equilíbrio delicado entre capacitar seus proxies regionais para combater Israel e os Estados Unidos enquanto evitava um confronto direto com ambos os países, que são adversários convencionalmente superiores.

Esse equilíbrio foi momentaneamente interrompido quando a República Islâmica atacou diretamente Israel com drones e mísseis pela primeira vez na história em abril, em retaliação a um ataque ao consulado do Irã em Damasco.

Raisi – embora não diretamente responsável pela política externa – foi um defensor chave das tentativas do regime iraniano de se distanciar ainda mais da ordem internacional estabelecida e buscar alianças com países igualmente antagonistas em relação ao Ocidente.

No momento do acidente de helicóptero, Raisi e seus colegas estavam retornando de uma cerimônia de inauguração de uma barragem realizada no vizinho Azerbaijão. A cerimônia foi presumivelmente destinada a fazer o Irã se aproximar do Azerbaijão, tendo anteriormente adotado uma posição ambígua, senão adversária, no conflito de Nagorno-Karabakh – que terminou em uma vitória convincente do Azerbaijão no final de 2023.

O que uma mudança de presidente pode significar

Em Raisi, o líder supremo Khamenei tinha um leal de longa data, um insider do regime e um sucessor em potencial.

Sob a Constituição iraniana, qualquer morte de um presidente resulta no primeiro vice-presidente servindo como presidente interino. Nesse caso, isso significa Mohammad Mokhber, que é um político muito semelhante a Raisi e que tem sido um membro proeminente da equipe do Irã que negocia acordos de armas com Moscou.

O Irã também terá que realizar eleições presidenciais dentro de 50 dias. Resta saber a quem o líder supremo dará o aval como futuro presidente e sucessor em potencial.

Mas é praticamente certo que os conservadores em Teerã continuarão a se unir, dada a pressão interna e externa que enfrentam.

Internamente, isso pode tomar a forma de maior repressão estatal e manipulação eleitoral. Regional e internacionalmente, acredito que isso poderia significar a formação de laços mais fortes com aliados emergentes e a busca de uma confrontação calculada contra adversários tradicionais.


Eric Lob é professor de poítica e relações internacionais na Florida International University

Leia o artigo original em inglês

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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