O Brasil contra a natureza – A tragédia no sul e o prestígio ambiental do país
Destruição causada pelas chuvas é vista dentro do contexto das políticas brasileiras para o meio ambiente, e tem impacto negativo. Governo deve aproveitar para mostrar ação, evitar piora da emergência climática e impulsionar seu status no mundo
A destruição causada pelas chuvas no sul do país colocou mais uma vez em evidência a relação direta entre a questão ambiental e o nível de prestígio do Brasil no mundo. Enquanto o aquecimento global se consolida como um tema fundamental do debate internacional, a política do país em relação à proteção da natureza é um dos caminhos para a construção de um status mais elevado — mas os problemas ecológicos também tendem a ter um efeito negativo sobre a imagem e a capacidade do país de ter um papel relevante no mundo.
A tragédia atual está chamando a atenção global e ampliou a visibilidade do país na imprensa estrangeira, conforme revelou o íii-Brasil mais recente. Tragédias naturais tradicionalmente são notícias que têm uma cobertura internacional de tom neutro, em que não costuma haver um juízo de valor ou uma responsabilização do país e população afetados, até mesmo por uma postura de solidariedade.
Ao contrário do que costuma acontecer em casos assim, entretanto, o desastre no sul do Brasil tem sido percebido como parte de um contexto mais amplo da política do país sobre o meio ambiente – com impacto negativo sobre seu prestígio. Ainda que isso nem sempre seja dito de forma direta, em muitos sentidos parece mesmo que o país é visto como se estivesse pagando um preço por seus próprios erros.
“O Brasil enfrenta a natureza”, diz o trecho do título de uma reportagem publicada pelo Channel 4, do Reino Unido. “No Brasil, as catástrofes ligadas ao aquecimento global se multiplicam”, indica o francês Le Monde. Não foram raros os momentos em que a percepção internacional sobre o caso atual se misturou a uma discussão sobre o que o país está fazendo em nome da defesa do meio ambiente – quase sempre com um tom mais crítico.
Este tipo de abordagem negativa sobre o país foi muito comum durante o governo de Jair Bolsonaro, quando a postura negacionista do presidente levou a um aumento da destruição da Amazônia – o que afetou diretamente o prestígio do Brasil. Antes mesmo que ele tomasse posse e durante os quatro anos em que ele esteve no poder, a cobertura sobre problemas ambientais no Brasil estiveram associadas diretamente ao desmatamento.
Com a vitória de Lula, o discurso sobre a “volta” do país ao cenário global foi muito marcado pela promessa de uma nova política ambiental, o que gerou otimismo e esperança nos observadores internacionais. Com o passar do tempo, entretanto, por mais que os índices de destruição da floresta tenham melhorado, há uma aparente decepção com a falta de uma ação mais incisiva do governo.
Isso tem aparecido no discurso internacional em coberturas sobre a situação dos povos indígenas, como ocorreu também em descrições sobre a recente seca na Amazônia. E as enchentes no sul parecem se encaixar neste contexto. “O Brasil está se tornando um dos países mais afetados pelas catástrofes naturais ligadas ao aquecimento global”, diz o jornal francês.
O discurso de Lula na ONU no ano passado indicou que o presidente tem plena noção do que está acontecendo no Brasil neste momento. “Hoje, a crise climática bate às nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos, sobretudo aos mais pobres”, disse. O presidente tem falado com frequência em um trabalho global para tentar evitar que a situação fique ainda pior.
Mas a tragédia no sul do Brasil deixa claro que está na hora de ir além do discurso. O Brasil está prestes a sediar encontros do G20 e da COP30, onde a luta contra o aquecimento global tende a ser tratada como uma prioridade. Os holofotes voltados para a destruição deixada pelas chuvas no país devem ser aproveitados para o governo agir com determinação para assumir este papel de liderança e incorporar de vez a proteção do meio ambiente como algo central na política nacional. Proteger o ambiente é uma ação de sobrevivência, e tem também como bônus a capacidade de projetar o país globalmente e ampliar seu status.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional