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Interesse Nacional
13 maio 2024

O Brasil no centro do mundo – Uma nova projeção da autoimagem do país

Politicamente concebido para ser provocativo, o novo mapa divulgado pelo IBGE conseguiu gerar um debate público e assertivo sobre o lugar do Brasil no mundo

Novo mapa-múndi divulgado pelo IBGE coloca o Brasil no centro (Foto: Reprodução/IBGE)

Por Fabiana Mariutti e John Loomis

Virilizado nas mídias sociais e com presença na imprensa nacional, ver o Brasil como peça central em um mapa do mundo, não mais à esquerda, suscita possíveis ruídos, memes e ponderações atuais com manifestações tanto de apoio como de críticas à iniciativa. 

Apesar de a mídia internacional não ter publicado, até o momento, sobre o Brasil estar no centro do mapa mundial de edição brasileira, alguns veículos de comunicação já divulgaram a notícia na língua inglesa, como o The Brazilian Report e a própria agência IBGE de notícias. Afinal, a literatura embasa as aspirações internacionais do Brasil e como essa ambição de reconhecimento está enraizada na própria identidade do Estado (Buarque, 2023).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou um novo mapa-múndi, com mais de 200 mapas, lançados em um evento na Casa G20, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 9 de abril de 2024. Presente no atlas que é uma obra tradicionalmente produzida pelo IBGE e utilizada pelo público estudantil, sendo esta, a 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar

No mapa-múndi, há a indicação dos países que compõem o Grupo dos Vinte, principal fórum de cooperação econômica internacional, o G20 – como também os países com representação diplomática brasileira. 

Essa divulgação acontece previamente em que o Brasil está presidindo o G20 como oportunidade de mostrar uma forma particular do país ser visto em relação à geografia mundial. O documento apresenta as coordenadas geográficas das categorias de endereços do Censo 2022, sendo a primeira vez que o instituto coleta esse dado para todos os domicílios do país. Além dos dados sobre população e área do país, foram incluídos indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, com dados que retratam as desigualdades de gêneros, cor ou raça, grupos de idade, pessoas com deficiência e até as diferenças entre as regiões brasileiras. 

‘O Brasil emerge como um novo domínio mundial, à procura da expansão de sua própria influência global’

Parafraseando Marshall (2021), o Brasil emerge como um novo domínio mundial, à procura da expansão de sua própria influência global – cujo livro trata do poder da geografia como centro dos assuntos humanos, pautado em uma mistura imersiva de história, economia e análise política. Questão que reforça a fala da coordenadora-geral adjunta do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), Maria do Carmo Bueno, sobre as ferramentas e novidades da 9ª. edição do Atlas Geográfico Escolar. “Colocamos uma visão socioeconômica do mundo e do Brasil. O Atlas apresenta muitos indicadores e dados textuais de cartografia, sensoriamento remoto, bandeiras dos países e estados, tudo aquilo que pode auxiliar os estudantes, e, além da versão impressa, temos a versão digital, atualizada de maneira mais rápida”. Afinal, houve demandas e venda virtual aconteceu em formato A3 (42 x 29 cm), cuja versão impressa custará R$ 10 mais o valor do frete (IBGE, 2024) e esgotou em menos de 24 horas (Urbim, 2024).

Na cartografia, o mapa-múndi significa a representação gráfica, por meio de projeção retratada do exterior da Terra em uma superfície plana. “Quem mapeia quem? Para quê se mapeia?” são exemplos de questionamentos recursivos no debate sobre cartografia crítica social (Acselrad, 2013, p.5). 

“A Geografia atual é um mosaico, construído pelo indivíduo e pelo grupo social” (Santos, 1982), ainda hoje, sendo estabelecido cientificamente e criticamente por pesquisadores e estudiosos. E os mapas mundiais mostram características políticas, como fronteiras de países e características físicas das nações, além do desenho gráfico com limítrofe territorial. 

O Mapa do Mundo da Babilônia é o mapa mundial mais antigo conhecido, sendo destacados os primeiros mapas com textos cartográficos, também, sobre Mesopotâmia, Grécia, Egito e Roma (Clarke, 2013) com mais de 5.000 anos. Tentativas simbólicas ou perspectivas geográficas geram distorções, problema geométrico apontado pelo matemático alemão Carl Friedrich Gauss, no século 19: É impossível representar o globo fielmente numa folha plana (Vaiano, 2021).

‘Tal decisão nacional prioriza o Brasil como a nação ancorando, centralmente, seu auto posicionamento cartográfico no planeta terra’

Tal decisão nacional prioriza o Brasil como a nação ancorando, centralmente, seu auto posicionamento cartográfico no planeta terra – em busca do seu lugar de destaque no mundo (Buarque & Mariutti, 2022). Essa alteração visual diagramada e defendida mantém as coordenadas geográficas fixadas em 1884 ao fomentar uma perspectiva geopolítica e estratégica centrada no Brasil. 

Ao, brevemente, rever estudos anteriores sobre a imagem do Brasil no exterior, a questão econômica das nações emergentes navega como relevante papel na arena geopolítica internacional – sob o conceito de imagem do país por meio do prisma da marca-país, é digno de nota reconhecer a gestão da marca ao compreender as associações multifacetadas a ponderar, como geografia, recursos naturais, atrações turísticas, produtos locais, características dos residentes, sociedades, variedade cultural e infraestrutura (Mariutti & Giraldi, 2019).

Adicionalmente, as relações exteriores do Brasil, estabelecendo que o país tem uma aspiração histórica de maior envolvimento ativo nas relações internacionais, de adquirir um status mais elevado e de ser reconhecido como um ator importante na arena global, até mesmo como uma grande potência (Buarque, 2023).

Entre os meridianos e paralelos se cruzam formando ângulos de 90°, indicando que o novo mapa mundial oficial que posiciona o Brasil no centro, destacando sua importância geográfica e enfatizando sua proeminência no cenário global. Ainda, satirizando sua zona periférica para uma central planetária.

‘As escolhas por trás do mapa destacam a natureza política da cartografia e a natureza mutável da geopolítica mundial, particularmente a ascensão do Sul Global’

Portanto, ao repensar impactos de uma geografia nova a partir da crítica da geografia em termos de uma geografia crítica (Santos, 2022), as escolhas por trás do mapa destacam a natureza política da cartografia e a natureza mutável da geopolítica mundial, particularmente a ascensão do Sul Global. Deve-se notar que o IBGE já fez isso antes e que outros países como a China e o Japão também produzem mapas com seus países no centro. 

A ocorrência do G20 no Brasil este ano e o restabelecimento de um Brasil mais independente (dos países ocidentais) nos assuntos mundiais sob o governo Lula estão refletidos neste mapa. Desse modo, este é apenas o último exemplo em que o Brasil, sob o mandato do presidente Lula, procura estabelecer-se como líder do Sul Global, após instâncias anteriores, como comentários feitos pelo presidente sobre as guerras na Ucrânia e em Gaza. 

Politicamente concebido para ser provocativo, o mapa conseguiu gerar um debate público e assertivo sobre o lugar do Brasil no mundo, mesmo que esse discurso público tenha envolvido muita zombaria e indignação por parte dos próprios brasileiros. Talvez o mesmo aconteça perante alguns estrangeiros atentos aos acontecimentos recentes. Ainda assim, vale considerar que é sempre favorável refletir sobre essas questões pontuais previstas no arcabouço do patriotismo e do etnocentrismo – e como essa “comunicação” de alteridade contemporânea e autoposicionamento nacional pode atribuir significados e implicações para a imagem do Brasil.


Referências:

Acselrad, H. (2014). Cartografia social, terra e território. RB Estudos Urbanos e Regionais16(1), 223-227.

Atlas Geográfico Escolar (2024). Mapas. Disponível em  https://atlasescolar.ibge.gov.br/

Novo Mapa (2024). Cartum Bennet. Disponível emhttps://cartum.folha.uol.com.br/charges/2024/04/16/benett.shtml

Buarque, D. (2023). Brazil’s Status Ambition. In Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power (pp. 19-59). Palgrave Macmillan, Cham.

Buarque, D., & Mariutti, F. G. (2022). iii-Brasil: O lugar do país no mundo, segundo a mídia internacional. Interesse Nacional12.

Clarke, K. C. (2013). What is the world’s oldest map?. The Cartographic Journal50(2), 136-143.

IBGE (2024). Mapa-múndi IBGE – G2.  Disponível em: https://loja.ibge.gov.br/mapa-mundi-ibge-g20.html

Mariutti, F. G, & Giraldi, J. de M. E. (2020). Country brand personality of Brazil: a hindsight of Aaker’s theory. Place Branding and Public Diplomacy16, 251-264.

Marshall, T. (2021). The power of geography: Ten maps that reveal the future of our world (Vol. 4). Simon and Schuster.

Santos, M. (1982). Novos rumos da geografia brasileira (pp. 131-139). Editora Hucitec.

Santos, M. (2022). Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica (Vol. 2). EdUSP.

Vaiano, B. (2021). Todos os mapas-múndi estão (mais ou menos) errados. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/todos-os-mapas-mundi-estao-errados  https://super.abril.com.br/historia/todos-os-mapas-mundi-estao-errados

Urbim, E. (2024). Repercussão de mapa-múndi do IBGE com Brasil no centro mostra ‘poder da cartografia’, diz especialista. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/04/21/repercussao-de-mapa-mundi-do-ibge-com-brasil-no-centro-mostra-poder-da-cartografia-diz-especialista.ghtml>. 


*John Loomis é pesquisador de pós-doutorado na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Sua pesquisa analisa a sustentabilidade de cadeias globais de valor ancoradas na Amazônia.

Fabiana Gondim Mariutti atua como pesquisadora, professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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