12 setembro 2025

O encontro virtual dos Brics

Reunião convocada pelo Brasil para tentar formar uma frente ampla contra as medidas comerciais implementadas pelo governo dos EUA serviu mais para fins de política interna 

Videoconferência com países membros dos Brics (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

O Brasil, na presidência dos Brics, convocou reunião virtual para tentar formar uma frente ampla contra as medidas comerciais implementadas pelo governo dos EUA e a favor de ampliar o intercâmbio comercial entre os países membros. 

Participaram da cúpula virtual, no início desta semana, os líderes de China, Egito, Indonésia, Irã, Rússia, África do Sul, além do príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, do chanceler da Índia e do vice-ministro das Relações Exteriores da Etiópia.

O noticiário sobre a reunião, contudo, limitou-se a reproduzir trechos do discurso do presidente Lula, sem informar a reação dos demais participantes, com exceção de breve menção de apoio ao Brasil, por parte do presidente chines, Xi Jinping.

Em sua apresentação, o presidente Lula, entre outros temas, destacou:

O protecionismo norte-americano

“A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas. A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições. Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos. Dividir para conquistar é a estratégia do unilateralismo”. “O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo”. 

A crise de governança e o reforço do multilateralismo

“o grupo de potências do Sul Global tem a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento”.

O presidente da China, Xi Jinping, também falou sobre a criação da Iniciativa de Governança Global (IGG), possível embrião de uma nova ordem mundial, proposta divulgada durante encontro no início do mês em Pequim durante a celebração dos 80 anos da vitória sobre o Japão, na segunda grande guerra. 

O fracasso mundial na solução de conflitos

“Quando o princípio da igualdade soberana dos Estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum. A solução pacífica de controvérsias dá lugar a condutas belicosas”. No mesmo contexto, criticou a presença de submarino e navios militares dos Estados Unidos no Caribe, na costa da Venezuela, sob argumento do combate ao narcotráfico. “Tanto o terrorismo quanto os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam são fenômenos distintos e que “não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional”. “A América Latina e o Caribe fizeram a opção, desde 1968, por se tornar livres de armas nucleares. Há quase 40 anos somos uma Zona de Paz e Cooperação. A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região”.

COP30

Convite aos líderes para participar da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém, em novembro próximo e sugeriu a criação de um Conselho de Mudança do Clima da ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje “se encontram fragmentados”. “O impacto do unilateralismo também é grave na esfera ambiental. Os países em desenvolvimento são os mais impactados pela mudança do clima. A COP30, em Belém, será o momento da verdade e da ciência. Além de trabalhar pela descarbonização planejada da economia global, podemos utilizar os combustíveis fósseis para financiar a transição ecológica. Precisamos de uma governança climática mais forte, capaz de exercer supervisão efetiva”.

Assembleia Geral das Nações Unidas

Defesa na Assembleia Geral de “um multilateralismo revigorado” e  da arquitetura multilateral no âmbito digital. “Sem uma governança democrática, projetos de dominação centrado em poucas empresas de alguns países vão se perpetuar. Sem soberania digital, seremos vulneráveis à manipulação estrangeira. Isso não significa fomentar um ambiente de isolacionismo tecnológico, mas fomentar a cooperação a partir de ecossistemas de base nacional, independentes e regulados”.

O encontro virtual do Brics, assim, serviu mais para fins de política interna do que para demonstrar apoio à formação de uma frente única contra o tarifaço de Trump. 

Essa atitude era previsível em vista do envolvimento da maioria dos países membros em negociação com Washington para tentar reduzir o efeito negativo das tarifas sobre as respectivas economias e setores privados. 

Em um momento em que cada país cuida de seus próprios interesses, seria difícil a manifestação de um apoio explícito a uma política de confrontação com os EUA por parte dos países membros do Brics.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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