11 março 2024

O estado comportamental do eleitor e a influência da desinformação no processo: desafios das eleições 2024

Por Diego Leonardo de Souza Fonseca* O Brasil está em plena ebulição política, e isso não é algo recente. Desde o período colonial, nós convivemos com os dissabores das notícias falsas, seja em nosso contexto social, seja em nosso contexto político. Isso é parte da nossa história como sociedade, que se desenvolveu a passos curtos […]

Consumir muita informação de baixa qualidade nas redes sociais pode comprometer a capacidade de distinguir verdade e mentira. Pesquisadores chamam fenômeno de ‘obesidade mental’. Terreno fértil para desinformação política. O que pode se agravar com AI. Arte: Emily Curbani/CMC, CC BY

Por Diego Leonardo de Souza Fonseca*

O Brasil está em plena ebulição política, e isso não é algo recente. Desde o período colonial, nós convivemos com os dissabores das notícias falsas, seja em nosso contexto social, seja em nosso contexto político. Isso é parte da nossa história como sociedade, que se desenvolveu a passos curtos até a democracia. Isso tem nos custado caro.

Afinal, o que é a desinformação? Existem muitas definições para esse termo, mas atentaremos para o que a Infopedia da Língua Portuguesa apresenta: “1. ato ou efeito de desinformar, de informar de forma errada ou enganadora e 2. utilização das técnicas de informação para induzir em erro ou esconder certo(s) facto(s)”.

A palavra foi popularizada a partir de outro termo: fake news, que na tradução literal do inglês significa “notícias falsas”. Essa expressão ganhou a internet em meados de 2019 para 2020 nas eleições estadunidenses pelas falas do então candidato republicano Donald Trump.

No Brasil, o ponto de ebulição foi ultrapassado em decorrência da massificação da desinformação nas redes sociais, a qual repercutiu na conjuntura política e social. Em um artigo publicado em 2021, intitulado “O processo de desinformação e o comportamento informacional – uma análise sobre a escolha de voto nas eleições municipais de 2020”, foi apresentado um breve panorama comportamental sobre a escolha de voto nas eleições municipais de 2020 de mais de 100 eleitores da cidade de Manaus (AM).

A análise teórico-metodológica fundamentou-se na Teoria da Ação Política, e a pesquisa concentrou suas análises na compreensão dos fatores de influência diretos e indiretos na decisão do voto. Foi possível identificar como a informação de baixa qualidade – aquela desprovida de fontes confiáveis e de autoridade – dominou a influência dos eleitores na escolha entre os candidatos A e B.

Comportamento do eleitor: estamos consumindo a informação de baixa qualidade?

O consumo da informação está cada vez mais atrelado a algo rápido, direto e de baixa qualidade. Alguns pesquisadores, como Clara Borges, denominam esse fenômeno como a fast-foodização da informação”. Em outras palavras, essa tipologia de informação tem dominado a cibercultura e moldado o perfil de consumo dos consumidores de conteúdos da internet, refletindo diretamente no seu estado comportamental.

A relação desse processo com a política é estreita, haja vista que as redes sociais se transformaram em um verdadeiro palco, ou microfone, para emitirmos a nossa opinião e propagarmos aquilo que acreditamos para o nosso círculo social-digital.

Consumir excessivamente informações de baixa qualidade pode comprometer a capacidade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso, ou seja, é um processo que limita a percepção cognitiva de captar um conteúdo fidedigno.

Pesquisadores já denominam esse excesso de informação produzida na internet como obesidade mental, termo que explica a capacidade exacerbada que o nosso cérebro tem de consumir conteúdo, de forma desenfreada, muita das vezes sem filtro ou qualquer controle.

Esse processo tem corroborado para a construção de um estado comportamental difuso, complexo e mutável, nos quais as pessoas constroem as suas percepções de escolha com base no consumo da informação, seja a escolha de uma compra, de um produto, de um serviço ou mesmo do voto.

Estudar o comportamento do eleitor frente à desinformação envolve, sobretudo, o entendimento das nuances e dos fatores de influência que o levou a consumir a informação de baixa qualidade. Elis Radmann discutiu em sua dissertação de mestrado sobre as teorias do comportamento do eleitor brasileiro, contextualizando os diferentes tipos de eleitores (intuitivo, não racional, ideológico, sofisticado, etc.), e apresentou como cada um construiu, ao longo dos anos, o que ela denominou de estado comportamental do eleitor.

Apesar de a pesquisa ter sido realizada em 2001, em um contexto onde as redes sociais ainda não haviam se popularizado, é possível notar que os perfis elencados pela autora exemplificam claramente a pluralidade comportamental de eleitores que observamos hoje no ambiente digital.

O desafio de 2024: tendências da desinformação no processo eleitoral

O ano de 2024 tem tudo para ser um ponto de virada para os rumos do processo eleitoral no país, sobretudo pelos desafios impostos pelos avanços da desinformação nas estruturas sociais, econômicas e políticas. O Programa de Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao firmar, desde a sua criação, com mais de 150 instituições, uma parceria para combater a desinformação, demonstrou que existe uma preocupação latente sobre o panorama que nos encontramos.

Os tentáculos da desinformação são enormes, e só crescem. Não à toa são uma preocupação que envolve a mídia, o aparato do Estado, pesquisadores e agências de checagem para pensar em soluções que atenuem o seu impacto na esfera social.

Em meio a deepfakes, distorções da realidade, uso de Inteligência Artificial (IA) para deturpação de conteúdo e tantos outros mecanismos de aperfeiçoamento da desinformação, o que se vê é um fenômeno complexo de expansão dos seus tentáculos.

Esses mecanismos, projetados com a finalidade clara e objetiva de deturpação da veracidade, estão sendo aprimorados de maneira cada vez mais profissional, de modo articulado e financiado. Hoje, por exemplo, é possível localizar aplicativos gratuitos e pagos que possibilitam a criação de imagens alteradas por meio de recursos de IA sendo amplamente publicadas na internet.

Em um estudo publicado no 10º Congresso Compolítica, observou-se que o financiamento da desinformação, principalmente nos sistemas de publicidade nas redes sociais, aumentou em mais de 60% nos últimos 10 anos.

O impulsionamento de peças de publicidade passou a figurar como uma das principais alternativas das campanhas políticas nas últimas eleições, sem qualquer controle mais efetivo de regulação do alcance desse conteúdo por parte do TSE, que agora passou a considerar a criação de regras específicas para combater a desinformação por meio do uso da IA, já nas eleições municipais de 2024.

Devemos partir do princípio de que o eleitor de hoje não é o mesmo eleitor de 10, 15, 20 anos atrás. A internet, mais especificamente as redes sociais, possibilitou que o comportamento do votante altere de acordo com aspectos do seu cotidiano: redes de relacionamento, grupos sociais, nichos de conteúdo de interesse, etc.

Ao abrir a tela do celular, a informação está disponível de forma pronta, tendo a possibilidade de compartilhar em seus stories, status e feeds – e esse compartilhamento cresce à medida que as eleições chegam. Estudos do DataSenado observaram que o número de compartilhamento de informações sobre política no Brasil cresceu em até 79% durante as eleições de 2018, tendo influenciado, direta ou indiretamente, o voto de 45% da população.

Em 2022, o DataSenado realizou um estudo para o nível de influência dos canais de comunicação no cotidiano do brasileiro, e o resultado mostrou que os canais informais de comunicação (não convencionais) e as redes sociais apresentam-se como os principais hubs de compartilhamento de notícias falsas.

O aumento do quantitativo de veiculação de informações falsas na internet está diretamente relacionado com a mudança de comportamento das pessoas. No âmbito da política o comportamento do eleitor vem sendo moldado, cada vez mais, pelas suas concepções ideológicas e uma necessidade efusiva de propagar suas opiniões nas redes sociais.

Essa arena de embates encontra um território fértil para o surgimento de focos de desinformação, de modo que as paixões ideológicas permitem que uma informação, mesma que não seja verídica, seja indevidamente propagada para atender aos anseios e convicções pessoais.

É possível afirmar que a IA, em consonância com o crescimento das plataformas digitais de interação social, constituirá um dos principais pontos de inflexão na política mundial nos próximos anos. O contexto pós-pandemia de coronavírus (COVID-19) serviu como um alerta global sobre a necessidade urgente de fortalecer os mecanismos de enfrentamento da desinformação.

O crescente consumo de informação introjetado nas mídias sociais, sem qualquer controle efetivo, abre margens para o crescimento de bolhas de desinformação, ou seja, dos espaços informacionais amplamente propícios ao surgimento de teorias da conspiração e peças desinformativas.

Na esfera política, o reflexo das bolhas de informação tem impulsionado a propagação de recursos baseados em reengenharia social, elaborados com o intuito de distorcer a realidade (como no caso das deepfakes) e promover uma realidade paralela no debate político, visando beneficiar grupos ideológicos específicos.

É impossível prever com exatidão como o eleitorado brasileiro se comportará nos próximos 10 anos, mas é evidente que não será o mesmo de hoje, diante da mutabilidade promovida pelo contexto midiático do cenário digital e da influência das tecnologias em nossa vida social.

Um fato inegável é que as redes sociais ditam, há um bom tempo, os rumos da política brasileira.


*Diego Leonardo de Souza Fonseca é doutorando em ciência da informação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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