O imprevisível resultado das eleições presidenciais nos EUA
Até as vésperas do pleito não há uma perspectiva clara de quem será o vencedor, a vice-presidente Kamala Harris, que concorre pelo Partido Democrata, ou o ex-presidente Donald Trump, pelo Republicano
Por Luiz Roberto Serrano*
No próximo dia 5 de novembro, ocorrem as eleições para a Presidência dos Estados Unidos, pleito cuja repercussão vai muito além das fronteiras do país, com decisiva influência nos rumos do mundo. Até o momento em que escrevo, não há uma perspectiva clara de quem será o vencedor, a vice-presidente Kamala Harris, que concorre pelo Partido Democrata, ou o ex-presidente Donald Trump, pelo Republicano.
A pesquisa eleitoral realizada pelo consórcio The New York Times / Sienna College, publicado pelo jornal nesta sexta (25), mostrava um incrível empate com 48% dos votos para cada candidato. As demais pesquisas têm mostrado ou Kamala ou Trump na frente da corrida, por uma margem de um a dois por cento. No entanto, vale lembrar que se trata de uma disputa que, além da votação popular, é decidida pelo Colégio Eleitoral, um anacronismo que os EUA mantêm desde sua independência no século 18.
Por essa regra, um presidente é eleito se obtiver 270 dos possíveis 538 votos no Colégio Eleitoral. Cada Estado tem um certo número de votos, e quem vence a disputa do voto direto na urna leva todos os votos dessa unidade da federação para o Colégio Eleitoral. Apenas em Maine e no Nebraska os delegados são proporcionais à votação de cada partido.
Anacronismo histórico
Graças a esse anacronismo histórico, criado em uma época em que as dificuldades de comunicação no país eram enormes, até hoje permanentemente debatido e criticado mas não superado, Trump derrotou Hillary Clinton, que havia vencido no voto popular em 2016 por três milhões de votos. Os estados da Pensilvânia, Wisconsin e Michigan, que eram tradicionalmente democratas e, por isso, neles Clinton não fez campanha, viraram o fio… Foram favorecidos por esse critério, também, John Quincy Adams em 1824, Rutherford B. Hayes em 1876 e Benjamim Harrison em 1888.
Pensilvânia, Wisconsin e Michigan continuam na lista dos estados pêndulos cujo resultado eleitoral está indefinido na atual disputa presidencial, aos quais se somam Nevada, Arizona, Nebraska, Geórgia e Carolina do Norte. Será nesses estados que se definirá esta eleição presidencial e, por isso, neles estão concentradas as campanhas eleitorais dos dois candidatos, especialmente na Pensilvânia, que dispõe de apetitosos nove votos no Colégio Eleitoral. Mal se leem notícias na imprensa sobre comícios nos estados nos quais a preferência partidária aparentemente já está definida, como na Califórnia, a favor dos democratas, e na Flórida, dos republicanos.
Milhões em doações
A performance nas pesquisas da atual vice-presidente Kamala Harris disparou assim que o presidente Joe Biden anunciou, tardiamente, sua desistência da disputa, na qual afundara após péssima performance em debate eleitoral. Desde então, Kamala, que sofria de um certo desconhecimento no eleitorado, atraiu milhões em doações para sua campanha (hoje, o valor que amealhou ultrapassa o de Trump) e lidera as intenções de voto em várias pesquisas e perde em outras.
Já Trump, que conta com a fidelidade do eleitorado republicano, partido que transformou em seu, obscurecendo eventuais adversários internos, faz uma campanha errática, fazendo discursos sem nexo em vários comícios, mas que não abalam as intenções de votos na sua candidatura. A preferência por seu nome é forte nos estados do centro e parte do sudeste do país, nos quais seus eleitores manifestam boas lembranças sobre o comportamento da economia durante o seu mandato. Seu negacionismo durante a crise do coronavírus, que fez inúmeras vítimas no país, parece não impactar seu fiel eleitorado. Apesar desse imobilismo, uma minoria de republicanos, com exposição pública, manifesta horror à sua candidatura e aderiu à de Kamala Harris, juntando-se à sua campanha. Farão diferença?
Queda não percebida da inflação
James Carville, que já foi o papa das pesquisas eleitorais nos EUA, e responsável pela vitoriosa campanha do democrata Bill Clinton, está apostando na vitória de Kamala Harris, conforme escreveu no The New York Times. Na época daquela campanha, ele criou, entre outros, o slogan It’s the economy stupid, alertando para os problemas da economia norte-americana de então. Pois um dos desafios que a campanha de Harris enfrenta, no momento, é o contrário: convencer os norte-americanos que a economia do país vai bem, sob o atual governo de Joe Biden, o que, diz a imprensa, não seria percebido pela maioria dos eleitores. Outra, é que a inflação está recuando, tendendo a baixar para o patamar de 2,5% ao ano, depois de um pico em que bateu nos 9%. Clarear esse panorama para os eleitores é um dos desafios da campanha de Kamala nesta reta final.
Em dados das últimas pesquisas, divulgados entre 21 e 25 de setembro, Kamala tem demonstrado forte presença entre mulheres, negros e jovens.
• Tem 58% das preferências entre as mulheres, enquanto Trump tem 37%.
• Entre os negros, apresenta 57% das escolhas, sendo que Trump limita-se a 20%.
• Entre os eleitores de menos de 35 anos, Harris lidera com 52% das preferências e Trump com apenas 40%.
• Já o ex-presidente Trump apresenta 57% das intenções dos votos masculinos, contra 39% de Harris.
São números que podem sofrer modificações até o dia do pleito e compõem o atual empate entre os candidatos nas principais pesquisas eleitorais. É da mistura dessas preferências, manifestadas no dia das eleições e nas votações antecipadas que já estão em curso, temperadas pelos anacrônicos critérios do Colégio Eleitoral, que sairá o vencedor da disputa no pleito de 5 de novembro próximo.
Haverá contestações?
E nada garante que seu resultado será imediatamente aceito pelos contendores. Nas últimas eleições, em que Joe Biden venceu, o derrotado Donald Trump estimulou milhares de adeptos a invadir o Congresso, em Washington, para barrar o anúncio do resultado do pleito, o que resultou num violento confronto físico com forças de segurança da Casa. Em todas as recentes entrevistas Trump e seu vice J. D. Vance têm se negado a responder se a mesma tentativa de contestar o resultado do pleito se repetirá, caso sua chapa perca a eleição.
Serão importantes, também, para o eleito na disputa presidencial, os resultados das escolhas para o Congresso, nas quais serão renovados os mandatos de todos os membros da Câmara dos Representantes, que é de dois anos, e de um terço dos senadores, que ocupam cadeiras na Casa por oito anos. Da composição do Congresso eleito, se será mais democrata ou republicano, dependerá o sucesso do mandato do presidente ou presidenta escolhido pelos norte-americanos.
*Luiz Roberto Serrano é jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP
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