28 março 2025

O mundo pós-Trump, ou o ‘Trump trade’

Novo governo americano deve anunciar tarifas a mais de dez países, o que pode afetar também as relações comerciais com o Brasil com os Estados Unidos

(Foto: Casa Branca)

No próximo dia 2 de abril, o Dia da Libertação, segundo Donald Trump, o mundo acordará com o anúncio de reciprocidade tarifária imposta pelo governo de Washington a cerca de dez a 15 países com maiores superávits comerciais com os EUA ou que aplicam tarifas ou barreiras não-tarifárias maiores contra produtos norte-americanos.

O Brasil poderá estar entre esses países (não pelo superávit, mas por medidas restritivas, não-tarifárias), ao lado da União Europeia, China, Canadá, México, Índia, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Vietnã, entre outros. México e Canadá estão preparando retaliações que afetarão Estados governados por republicanos, a União Europeia e a China já deixaram saber que vão retaliar de forma proporcional. O Brasil, sem cacife, preferiu acertadamente negociar.

‘O Brasil, sem cacife, preferiu acertadamente negociar’

Em vista da reação interna dos setores industriais e agrícolas, Trump anunciou algumas qualificações ao tarifaço da semana próxima. Para ajudar a indústria, anunciou novas tarifas de importação sobre automóveis, madeiras, produtos farmacêuticos e semicondutores. Caso a UE retalie com tarifas sobre o whisky norte-americano, Trump mencionou que irá redobrar tarifas ao vinho e ao champanhe europeu. Por outro lado, o presidente sinalizou que alguns parceiros comerciais poderão receber isenções ou reduções. “Posso dar descontos a muitos países, cujas tarifas sinto vergonha de copiar”.

Nos últimos dias, Trump anunciou 25% de tarifa sobre todos os automóveis importados pelos EUA e, surpreendentemente, anunciou a imposição de “tarifa secundária” sobre países que importam petróleo ou gás da Venezuela, “país muito hostil aos EUA”, o que afetaria, em especial, a China e o Irã. Curiosamente, os EUA são o segundo maior importador da Venezuela, depois da China, com a importação de cerca de 2.3 milhões de barris de petróleo.

‘Em outra medida com profundo impacto sobre o comércio internacional, Trump anunciou que vai impor taxas pesadas aos navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país’

Em outra medida com profundo impacto sobre o comércio internacional, Trump anunciou que vai impor taxas pesadas aos navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país, para reduzir o domínio chinês no transporte marítimo. A China hoje é o maior construtor de navios no mundo com quase 60% do mercado e transporta cerca de 35% da tonelagem de peso bruto. Caso efetivamente implementada, essa taxação teria um efeito dramático sobre o comércio global pelo aumento no preço do frete e no custo final dos produtos transportados para o mercado norte-americano.

No meio das crescentes incertezas quanto às medidas protecionistas dos EUA, O Brasil iniciou os contatos oficiais para tratar das tarifas sobre o aço e o alumínio, mas não abriu canais diretos de comunicação com o governo de Washington para tomar conhecimento com antecipação do impacto das medidas anunciadas sobre os produtos nacionais. 

‘O governo brasileiro observou que, no caso de as tarifas recíprocas atingirem o Brasil de maneira ampla, as medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro poderão afetar gravemente a relação comercial entre os dois países’

Enquanto isso, outros países como a Índia, o Japão e a União Europeia receberam missões norte-americanas para discutir os próximos passos na negociação comercial. Em documento oficial dirigido ao USTR, o governo brasileiro observou que, no caso de as tarifas recíprocas atingirem o Brasil de maneira ampla, as medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro poderão afetar gravemente a relação comercial entre os dois países.

Por outro lado, sem aguardar a divulgação das medidas em 2 de abril, o governo brasileiro está prestes a negar o pedido de licença da SpaceX, de Elon Musk, para aumentar de 4,4 mil para cerca de 7,5 satélites, e busca parcerias com empresas chinesas e canadenses. Além disso, em licitação do Exército, foi vetado o fornecimento de drones de empresas nacionais ou externas, submetidas à lei que dá ao Departamento de Estado dos EUA o poder de controlar a exportação de tecnologias militares de Defesa.

Talvez por isso, o governo, segundo se divulgou, vê risco de tarifaço amplo e linear de Trump sobre o Brasil.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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