09 outubro 2025

Objetivos e ambições da Rússia no cenário mundial

Para Getúlio Almeida, estudioso de relações internacionais e pesquisador especializado, conflito com a Ucrânia é parte de um movimento mais amplo do governo russo para que o país volte a ser visto como protagonista no palco da política mundial.

Foto: Agência Brasil

Por Marianna Montenegro

Em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início ao maior conflito militar no continente europeu desde o fim da Segunda Guerra. A expectativa era que a campanha se desenrolasse rapidamente, resultando em uma vitória russa e numa mudança de governo na nação atacada.

Três anos e meio depois, o quadro é de um front paralisado, porém violento, em que nenhum dos dois lados parecer ter condições de superar o outro no curto prazo.

Ao longo deste tempo, a Rússia tem sido forçada a suportar, além do desgaste em vidas humanas e recursos, uma série de sanções diplomáticas e econômicas que vem minando sua capacidade de interagir com as demais economias do mundo, e isolaram o país e seu líder, Vladmir Putin, da comunidade internacional.

Apesar de enfrentar circunstâncias tão adversas, a Rússia mantém uma postura pouco ativa em relação aos esforços que surgiram de diversos lados (inclusive o Brasil) para o estabelecimento de um acordo de paz. No Ocidente, multiplicam-se as versões sobre os reais objetivos e interesses russos para iniciar e sustentar o conflito. E as autoridades russas não parecem muito interessadas em esclarecer quais, afinal, são seus objetivos.

Para conversar sobre o atual momento vivido pela Rússia e a Guerra da Ucrânia, entrevistamos Getúlio Alves de Almeida Neto, que é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, uma parceria entre Unesp, Unicamp e USP. Há cerca de uma década, Almeida Neto vem pesquisando a história e os movimentos políticos e diplomáticos das grande potência da Europa Oriental, com destaque para a política que o país vem desenhando para o Ártico.

O pesquisador diz que as raízes do atual conflito remontam ao fim da URSS, e a maneira como a antiga superpotência foi tratada pelas demais nações centrais após o fim do período da Guerra Fria.

“A realidade imposta à Rússia no sistema internacional foi a de ser relegada a um lugar de menor importância em relação aos Estados Unidos e à Europa. Tornou-se um país sem um lugar à mesa na discussão, sem ter uma possibilidade de fato pautar os seus interesses”, diz.

É sob esta perspectiva, diz ele, que se deve compreender o primeiro conflito entre Rússia e Ucrânia, em 2014, que culminou com a ocupação da Criméia, bem como o atual. “É uma questão fundamental para a Rússia, e para o regime vigente, reescrever as relações com o Ocidente e recolocar o país em papel preponderante no sistema internacional”, analisa.

O conflito de 2014 se encerrou rapidamente, ao contrário da atual guerra travada na parte oriental da Ucrânia, mas que chegou a transbordar para território russo por algum tempo. Ao analisar a longa duração do enfrentamento, Almeida Neto pondera que o processo de conduzir uma campanha militar em outro país é mais complexo hoje do que era no século 20.

E é preciso levar em conta que as forças armadas russas aparentemente ainda não empregaram suas armas mais avançadas e destrutivas, como seus mísseis supersônicos. “A Rússia, até o momento, não dispôs de toda a sua capacidade militar. Parece estar apresentando uma tática muito mais de guerra de atrito, de tentar vencer a Ucrânia pela exaustão, pelo cansaço, do que de fato ter que lançar a mão de todo o seu arsenal”, diz.

E também o país se mostra resiliente às adversidades na economia originadas pelo bloco ocidental. “Apesar de todas as sanções econômicas impostas à Rússia, de todo esse esforço nos três anos e meio de conflito, ela continua alimentando a sua máquina de guerra. Inclusive, houve crescimento econômico”, diz. O pesquisador cita relatório de 2024 do FMI que diz que a Rússia se tornou a quarta maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra (PPC). “Isso possibilita que o conflito se mantenha por mais alguns anos”, diz.

Ao optar pela guerra, a Rússia abriu mão de uma próspera e bem-azeitada parceria com as nações ocidentais para o fornecimento de energia barata que remontava há anos. Almeida Neto avalia que, no contexto de promoção das energias renováveis que se consolidou na Europa ocidental e na União Europeia, é possível que a importância desse mercado desaparecesse naturalmente. “A longo prazo, a Rússia dependeria menos da Europa e investiria em um mercado que está em contínua expansão, até por motivos demográficos, que é a Índia e a China. Se a gente analisar, a Rússia não perdeu nada”, diz.

Ao analisar a perspectiva que os russos possuem do Brics, o pesquisador sugere que a potência da Europa oriental pode atribui ao bloco menos relevância do que a diplomacia brasileira. “Isso é mais um motivo para que o Brasil não se torne refém de nenhum dos polos internacionais de poder”, diz.

Este texto é uma reprodução livre de artigo publicado pelo Jornal da Unesp - https://jornal.unesp.br/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Tags:

Geopolítica 🞌 Rússia 🞌

Cadastre-se para receber nossa Newsletter