Política externa em foco
Em uma semana de grande evidência para a política externa brasileira, ficou evidente o isolamento do Itamaraty no processo de tomada de decisão do Palácio do Planalto a respeito de temas internacionais

A semana foi pródiga em acontecimentos que colocaram em xeque e em questionamento a condução da política externa brasileira.
O fato de maior repercussão foi a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas celebrações do Dia da Vitória pela Rússia na Grande Guerra Patriótica, como é conhecida a Segunda Guerra Mundial na terra de Tolstói. Muitos questionaram a ida de Lula, ao lado de autocratas da África, da América Latina e da Ásia Central, e da China, para comemorar com a Rússia em guerra com a Ucrânia e se isso não significaria um apoio à ação bélica russa.
‘A visita de Lula a Putin parte de uma premissa equivocada de que o Brasil tem condições de interferir para acelerar o fim da guerra’
A visita de Lula a Putin parte de uma premissa equivocada de que o Brasil tem condições de interferir para acelerar o fim da guerra. Equivocado porque o Brasil não tem excedente de poder para influir no processo de paz na guerra da Ucrânia, nem de outros conflitos em curso.
A viagem não é uma sinalização de apoio a Putin, mas tem sido assim percebida por muitos (o que agora pode também ser visto positivamente pelos EUA…), quando na realidade a posição do governo brasileiro foi contra a invasão e ocupação do território ucraniano por desrespeitar a Carta das Nações Unidas.
‘Existe a percepção que o Brasil está apoiando a Rússia’
De qualquer forma, existe a percepção que o Brasil está apoiando a Rússia, como demonstrado pela recusa de Zelensky em responder a chamada de Lula e pedir para ele nao ir a Moscou e pela recusa de autorização de voo do avião precursor da Presidência da República que também conduzia a mulher de Lula a Moscou por parte da Letônia e Estônia. Por outro lado, fica o contraste com o convite feito por Tony Blair e aceito por FHC em 2000 para celebrar o Dia da Vitória em Londres.
Em mais um exemplo de esvaziamento do Itamaraty, depois de meses de tentativa frustrada de convencer Nicolás Maduro a liberar cinco venezuelanos exilados na embaixada argentina, sob a guarda brasileira, os EUA, em operação de resgate bem-sucedida, retiraram os venezuelanos, que foram transportados para território norte-americano. Isso colocou a política externa brasileira em xeque e ressaltou o isolamento do governo brasileiro na região.
‘O Brasil não ter sido informado sobre a operação representou uma decisão deliberada de afastá-lo da operação’
Era natural que a Venezuela não tivesse sido informada, e sua soberania tivesse sido afetada, mas o Brasil não ter sido informado sobre a operação representou uma decisão deliberada de afastá-lo da operação, apesar de ser o país responsável pela embaixada da Argentina.
Em nota oficial, o governo brasileiro informou, sem outros detalhes, ter tomado conhecimento da saída dos venezuelanos que estavam exilados na embaixada argentina e que o Brasil gestionou inúmeras vezes, no mais alto nível, para que fossem concedidos os salvos-condutos para permitir a saída dos exilados sem que os pedidos tivessem sido atendidos. O episódio mostra o isolamento do Brasil na região e reduzida influência do Itamaraty no trato de assunto de tanta relevância.
‘O Itamaraty ficou de fora de várias dessas conversações durante a visita de missão dos EUA para discutir a questão do crime organizado’
Finalmente, a visita de missão dos EUA para discutir a questão do crime organizado e a caracterização do PCC e outros grupos criminosos como organizações terroristas e também a questão de minérios estratégicos. O Itamaraty ficou de fora de várias dessas conversações cujos desdobramentos poderão ter impacto sobre o Brasil em virtude de medidas restritivas tomadas pelo governo de Washington.
A desconexão de muitas decisões do Palácio do Planalto com as posições do Itamaraty não ocorre somente agora. Desde o governo Bolsonaro ocorre essa situação que coloca em dúvida as linhas gerais da política externa governamental. O importante é que, apesar de tudo, a visão do Itamaraty acaba prevalecendo.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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