30 abril 2025

Quarto Fórum da ONU marca transição para a 2ª Década Internacional dos Afrodescendentes

Fórum da ONU reforça a luta global por justiça racial e reparações históricas, marca a transição para a Segunda Década Internacional dos Afrodescendentes e destaca o papel da sociedade civil e de lideranças afrodescendentes nas demandas por reconhecimento, igualdade e desenvolvimento

coral Sing Harlem se apresenta durante a 1ª reunião plenária da quarta sessão do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes (Foto: © ONU/Manuel Elías)

A 4ª edição do Fórum Permanente sobre Pessoas Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas (ONU) aconteceu entre 14 e 17 de abril de 2025, em Nova York.

Com o tema África e Pessoas Afrodescendentes: Unidos pela Justiça Restaurativa na Era da Inteligência Artificial, o encontro abarcou algumas questões como: a participação de diferentes atores na construção e promoção de uma agenda de justiça restaurativa; a promoção dos direitos humanos de meninas e mulheres afrodescendentes; e a situação do Haiti após 200 anos de independência.

‘O fórum é uma plataforma para melhorar a segurança, a qualidade de vida e os meios de subsistência de pessoas afrodescendentes em todo o mundo’

O Fórum Permanente, estabelecido em 2021 pela Assembleia Geral como órgão consultivo do sistema ONU e do Conselho de Direitos Humanos, é uma plataforma para melhorar a segurança, a qualidade de vida e os meios de subsistência de pessoas afrodescendentes em todo o mundo.

Criado durante a Década Internacional das Pessoas Afrodescendentes (2015-2024) – lançada em dezembro de 2013 pela resolução 68/237 das Nações Unidas –, seu mandato inclui fornecer aconselhamento especializado sobre o combate ao racismo, contribuir para um projeto de declaração da ONU sobre os direitos das pessoas afrodescendentes e monitorar o progresso alcançado durante a Década Internacional.

‘Em novembro de 2024, foi proclamada a Segunda Década Internacional das Pessoas Afrodescendentes’

Em novembro de 2024, foi proclamada a Segunda Década Internacional das Pessoas Afrodescendentes (2025-2034), visando “assegurar esforços contínuos na promoção do respeito, da proteção e do cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais dos afrodescendentes”. 

Dando continuidade ao tema da década anterior, Pessoas Afrodescendentes: Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento, o início do novo ciclo foi marcado com o quarto encontro do Fórum Permanente. Desde a sua criação, o Fórum teve sua primeira sessão em Genebra, em 2022. A segunda sessão foi em Nova York, em 2023, e a terceira em Genebra, em 2024.

Diálogos em Nova York (2023) e Genebra (2024)

A 2ª Sessão do Fórum, em Nova York, foi marcada pela mensagem gravada pelo presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva e pela participação da ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco. O presidente Lula reafirmou seu compromisso com o combate ao racismo em âmbito nacional e internacional, e também afirmou que o Brasil poderia sediar a próxima reunião do Fórum, o que não ocorreu.

O resultado da sessão foi a declaração final sobre a promoção, a proteção e o pleno respeito aos direitos humanos dos afrodescendentes. Mesmo falando sobre racismo e temas transversais, foi observada a exclusão de movimentos da sociedade civil das sessões. Alguns grupos, mesmo inscritos, não puderam entrar nas sessões aguardando sua aprovação; outros esperaram o dia todo para obter a permissão. Além disso, quando obtiveram a permissão, observaram que camisetas de movimentos não eram permitidas para entrar na sede da ONU.

Já a 3ª Sessão do Fórum, em Genebra, teve como tema A Segunda Década Internacional dos Afrodescendentes: Enfrentando o Racismo Sistêmico, a Justiça Reparadora e o Desenvolvimento Sustentável. Volker Türk, Coordenador da Década Internacional dos Afrodescendentes, afirmou que, com uma nova década dos afrodescendentes, “[…] podemos construir sobre os ganhos alcançados até agora e enfrentar os muitos desafios atuais”.

Em seu discurso, Türk reconheceu a necessidade de políticas de reparação, mencionando que “séculos de escravidão, tráfico e opressão colonial de pessoas de ascendência africana moldaram e alimentaram o racismo sistêmico e a discriminação racial atuais. Outras formas de opressão também estão enraizadas neste terrível legado”. Outras questões discutidas durante a III Sessão foram a inclusão de um país africano como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU); a necessidade de cessar o poder de veto dos membros permanentes e a possibilidade de um encontro sobre religiões afro em Salvador (Brasil).

‘Abordar o legado da escravidão e da exploração colonial é fundamental para nossa Agenda rumo a uma mudança transformadora em prol da justiça e igualdade racial, em seu apelo aos Estados para realizarem justiça reparadora’ – Volker Türk

A quarta edição do Fórum

Com quatro paineis e um evento de encerramento, a 4ª edição do Fórum Permanente também foi marcada pela participação brasileira por meio de organizações da sociedade civil e da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Em seu discurso, a ministra destacou a importância de unir esforços na luta contra o racismo e a busca por justiça climática para as populações afrodescendentes.

Com o marco dos 200 anos do reconhecimento da independência do Haiti, primeira república negra do mundo, o evento de encerramento abordou a necessidade de reconhecimento, reparação e restituição ao povo haitiano por ter sido obrigado a pagar à França pela sua independência. Apesar do presidente francês reconhecer as injustiças causadas ao Haiti, Macron criou uma comissão franco-haitiana para analisar os impactos da relação colonial entre os dois países, mas sem citar reparações financeiras.

‘Apesar de haver uma mobilização na busca por reparações, os países europeus se opõem às iniciativas, alegando que os Estados e as instituições contemporâneas não devem ser responsabilizados por seu passado’

Além disso, a Comissão de Reparações da Comunidade do Caribe (CARICOM) enfatizou a necessidade de ações efetivas em relação às reparações: “Chega de conversa, hora de resultados concretos”. No mesmo sentido, a vice-presidente da Colômbia Francia Marquez incitou a necessidade das antigas potências coloniais a assumirem a responsabilidade por seus erros do passado colonial e sugeriu um fundo global de reparações. Apesar de haver uma mobilização na busca por reparações, os países europeus se opõem às iniciativas, alegando que os Estados e as instituições contemporâneas não devem ser responsabilizados por seu passado – então quem deve ser responsabilizado por cerca de 12,5 milhões de africanos sequestrados, transportados à força por navios europeus e vendidos como escravizados?

É muito cômodo e cínico que os países europeus, que continuam enriquecendo às custas de outras regiões e povos, não arquem com as responsabilidades que os posicionam no topo da Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Além de se beneficiarem pela exploração colonial, a criação europeia de uma estrutura racista, machista e patriarcal persiste em marginalizar as regiões colonizadas, reafimando o seu suposto lugar nas dinâmicas capitalistas internacionais. 

Com isso, é necessário o esforço em termos de transferências tecnológicas, investimentos em saúde e educação, e demais áreas afetadas pela exploração desenfreada e desumanização das populações locais pelo processo de colonização. 

Discursos e ações que fortalecem a diplomacia negra, como as parcerias entre a Comissão de Reparações da CARICOM e a União Africana, além da participação da sociedade civil, pressionam o mundo a começar a movimentar as estruturas para, de fato, haver transformações no sistema internacional.

Camila Andrade é colunista da Interesse Nacional, pesquisadora do Pan-African Thought and Conversation (IPATC), na Universidade de Joanesburgo, e do pós-doutorado na UFPB. Doutora em ciência política pela UFRGS e pesquisadora do Grupo Áfricas: sociedade, política e cultura. É também mestre em relações internacionais pela UFSC. Suas principais linhas de pesquisa são estudos africanos e do Sul Global, Ruanda e feminismos negros. É criadora do @camilaafrika, uma comunidade de democratização dos Estudos Africanos.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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