Astuto como uma raposa – Lula e a entrada do Brasil na Opep
Presidente se colocou em uma situação contraditória ao se promover como herói climático e continuar buscando explorar a riqueza do petróleo. Para professor, não é possível ser um líder mundial na crise climática e, ao mesmo tempo, prosseguir a todo vapor bombeando combustíveis fósseis para gerar lucro – mas o país ainda pode se beneficiar de projetos de reflorestamento da Amazônia
Presidente se colocou em uma situação contraditória ao se promover como herói climático e continuar buscando explorar a riqueza do petróleo. Para professor, não é possível ser um líder mundial na crise climática e, ao mesmo tempo, prosseguir a todo vapor bombeando combustíveis fósseis para gerar lucro – mas o país ainda pode se beneficiar de projetos de reflorestamento da Amazônia
Por Robert Toovey Walker*
Deixe-me ver se entendi certo: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo e anunciou o desejo de liderar o mundo nas questões climáticas. Onze meses depois, ele participou da COP-28 e anunciou a intenção do Brasil de ingressar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, conhecida como Opep.
Quando questionado sobre uma possível inconsistência entre liderar nas questões climáticas e ingressar na Opep, o presidente confidenciou que o Brasil não está realmente se juntando à Opep e participará apenas para “observar”.
Enquanto isso acontece, o CEO do conglomerado de petróleo do Brasil, a Petrobras, defende Lula elaborando sobre o que o Brasil fará ou não como membro da OPEP. Em particular, o Brasil não irá se envolver em qualquer tipo de limitação de produção porque as participações na Petrobras são negociadas publicamente.
Lula então adota uma postura elevada e diz ao mundo que, enquanto “observa” os membros da OPEP fazerem o que fazem, ele os lembrará de tempos em tempos de sua obrigação de ajudar os países pobres. Afinal, é pura sorte que as nações da OPEP (incluindo o Brasil como observador?) sejam absurdamente ricas.
OK, o que esse amálgama de declarações públicas significa? A única mensagem clara parece ser que os investidores no setor de energia do Brasil não precisam se preocupar com as implicações mais irritantes do Acordo de Paris sobre o Clima. A Petrobras não vai tolerar tal loucura como reduzir a produção de petróleo, talvez a maneira mais eficaz de reduzir nossa dependência global de combustíveis fósseis. Não importa que a Opep provavelmente nunca faria isso, dada sua evidente oposição a tal abordagem na COP-28. O interessante é que a Petrobras ofereceu as garantias de qualquer maneira.
Tenho que admitir que tenho dificuldade em entender como essas declarações não esboçam, em última análise, o contorno de uma contradição grande – muito grande. Especificamente, não vejo exatamente como você pode ser um líder mundial na crise climática e, ao mesmo tempo, prosseguir a todo vapor bombeando combustíveis fósseis para que os investidores no setor de energia do Brasil possam continuar lucrando muito, o que nos meteu em apuros em primeiro lugar.
É um pouco como se Joaquín “El Chapo” Guzmán afirmasse que foi mal interpretado, que seu real interesse reside em liderar o mundo na luta contra a dependência de drogas, razão pela qual ele criou o cartel de Sinaloa. Infelizmente, as autoridades o pegaram antes que tivesse a chance de mostrar ao mundo seu plano. E assim por diante.
Acreditaríamos em Chapo? Provavelmente não, devido à óbvia contradição entre traficar drogas e dizer às pessoas que não deveriam comprá-las. Na verdade, alguns estudiosos apontam para a semelhança entre nossa dependência societal de combustíveis fósseis e a dependência do viciado em opioides. Eles sugerem que a sociedade deveria se afastar do uso de combustíveis fósseis da mesma forma que os viciados deveriam se afastar da heroína e do fentanil. Os economistas não estavam brincando quando rotularam a Opep de cartel.
O Brasil é abençoado com combustíveis fósseis, e é bastante razoável que a nação queira explorá-los. O contexto histórico parece fornecer ampla cobertura aqui, dado que a crise climática se origina em grande parte pela emissão de gases de efeito estufa ao norte do Equador, não ao sul. Os Estados Unidos se beneficiaram muito explorando combustíveis fósseis, e grande parte de sua mitologia heroica conta histórias de exploradores que enriqueceram no Texas quando seus poços exploratórios atingiram o “ouro negro”.
Para o presidente Lula, a tentação deve ser avassaladora para avançar totalmente nisso, dado que ele precisa dos meios financeiros para financiar os programas críticos para sua agenda social. Na verdade, os planos de energia do Brasil não parecem estar cientes da postura pública do presidente Lula de se retratar como uma espécie de herói climático. Nem dizem muito sobre o compromisso do Brasil com o Acordo Climático de Paris de reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa, em relação a 2005, em 48% até 2025 e 53% até 2030.
Eu nunca sugeriria que o Brasil não deveria fazer o que for necessário para trazer felicidade ao seu povo. Nem mentiria ao dizer que há uma maneira fácil de fazê-lo no curto prazo sem ganhos estrangeiros com a exportação de petróleo e gás natural. O que estou sugerindo é que o presidente Lula pode ter se encurralado. Eu, pelo menos, não vejo uma explicação fácil de como ele conseguirá ser tudo para todas as pessoas, um herói ambiental para os conservacionistas, um herói do povo para os pobres e oprimidos, e um herói financeiro para aqueles bolsos profundos ansiosos para fazer fortuna investindo no setor de energia do Brasil.
Na verdade, o presidente provavelmente está lamentando o dia em que decidiu se apresentar como o candidato que defende o ambiente. Isso fazia excelente sentido como uma maneira de criar um contraste positivo com seu antecessor, que via a Amazônia como um estoque de recursos e terras a serem vendidos ao maior lance, se não dados de graça.
Os conservacionistas há muito tempo tinham nomeado Lula como uma espécie de “príncipe da Amazônia”, dado que sua administração conseguiu reduzir as taxas de desmatamento a níveis históricos depois de atingir um pico quase recorde em 2004. Em uma campanha presidencial muito difícil, esse legado dificilmente era algo que ele poderia ignorar, e certamente o ajudou a vencer.
Então, o que devemos fazer com tudo isso? Bem, isso depende de quem você é. Se você é um investidor no setor de energia, não há nada a fazer além de rir no caminho para o banco. A política nunca foi sobre uma causa moral elevada de qualquer maneira, então quem se importa com o que Lula disse ou não disse sobre desmatamento e gases de efeito estufa.
Se você é um conservacionista ou alguém que gosta de consistência na administração governamental, tudo o que você pode fazer, realmente, é esperar e ver. Lula pode muito bem tirar um coelho da cartola. Espero estar errado com o que estou implicando aqui, que Lula foi oportunista com sua política ambiental e que seu verdadeiro objetivo é se alinhar com os grandes dólares neoliberais. Não me entenda mal. Eu acredito que ele dará algumas migalhas a mais aos pobres do que Bolsonaro. Principalmente trocos.
De forma irônica, há uma saída para Lula, algo a que devemos prestar atenção no próximo ano.
Especificamente, Lula e sua ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, têm discutido sobre qual deve ser o objetivo político para a Amazônia até 2030. A ministra quer um objetivo de desmatamento zero, não de desmatamento líquido zero, que tem sido a preferência do presidente. Note que, com um objetivo de desmatamento líquido zero, a Floresta Amazônica pode continuar sendo desmatada, desde que a reflorestação em pastagens degradadas ocorra em igual medida. Além disso, se a reflorestação envolver árvores de crescimento rápido que sequestram muito carbono, árvores como o eucalipto, Lula pode cumprir os compromissos do Acordo de Paris sem causar muito impacto na indústria e no setor de energia. Para colocar a cereja no bolo, há até um mecanismo no âmbito do Acordo de Paris, especificamente no Artigo 5, parágrafo 2, para cobrir os custos de reflorestamento no âmbito do programa das Nações Unidas para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal em Países em Desenvolvimento, ou REDD.
Em outras palavras, o presidente Lula pode cumprir o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris alcançando seu objetivo de desmatamento líquido zero, com custos cobertos pela comunidade global.
Isso seria uma solução inteligente – não, uma solução brilhante – para o que poderia surgir como um problema político para Lula ao longo de seu mandato. Isso atende às suas promessas aparentemente contraditórias? Sim. Isso salva a Floresta Amazônica que queremos salvar? Não, não salva.
Há um lado positivo, no entanto, que é o Brasil enriquecer vendendo petróleo a preços baixos na ausência de limites de produção (tornando ainda mais difícil para a comunidade global fazer os ajustes necessários para evitar a magnitude total do desastre climático).
Quem disser que o presidente Lula não é esperto como uma raposa é um tolo completo.
*Robert Toovey Walker é geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
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