Rubens Barbosa: Indústria, decifra-me ou devoro-te
Governo reconhece a necessidade de apostar na industrialização e apresenta prioridades para melhorar a situação. Para embaixador, A reindustrialização só vai acontecer se houver uma efetiva vontade política e uma ação organizada do setor privado industrial com uma pauta moderna, não protecionista e sem renovados privilégios
Governo reconhece a necessidade de apostar na industrialização e apresenta prioridades para melhorar a situação. Para embaixador, A reindustrialização só vai acontecer se houver uma efetiva vontade política e uma ação organizada do setor privado industrial com uma pauta moderna, não protecionista e sem renovados privilégios
Por Rubens Barbosa*
O Dia da Indústria, 25 de maio, foi comemorado com muito discurso e promessas de apoio, mas nenhuma medida concreta para retirar o setor que passa por um dos períodos de mais grave crise. Em artigo assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo vice Geraldo Alckmin em que se destaca a importância da neoindustrialização e se apresenta um diagnostico da questão, muitas prioridades foram apresentadas, mas outras, como melhora na educação, a digitalização, a necessidade de pesquisa e inovação, integração na economia global foram ou deixadas de lado ou mencionadas sem maior destaque.
Na década de 1980, o setor industrial representava cerca de 28% do Produto Interno Bruto nacional, em 2023, a indústria de transformação é responsável por cerca de 10% do PIB. No primeiro semestre de 2023, a situação se agravou ainda mais. Mais do que procurar explicar as razões desse declínio — que pode ser atribuído tanto ao imobilismo empresarial que durante muito tempo esperou incentivos e subsídios do Estado, quanto ao Custo Brasil, derivado da incompetência de sucessivos governos no trato da coisa pública — cabe olhar para frente e buscar novas políticas para responder aos desafios internos, somados agora aos desafios externos.
Os movimentos de reacomodação produtiva nesse cenário mundial, que refletem a disputa de poder entre Estados Unidos e China e a guerra na Ucrânia, têm impacto forte sobre as cadeias globais de valor. Para responder aos novos desafios, os governos estão implementando planos ambiciosos para apoiar a inovação, a pesquisa, a tecnologia, a transição energética e o fortalecimento de suas indústrias. Essas políticas industriais mobilizam somas significativas de recursos públicos que, em alguns países, se aproximam de 10% do PIB.
As economias mais desenvolvidas têm desenhado estratégias de fomento ao desenvolvimento produtivo e tecnológico que moldam as bases da indústria do século XXI. As preocupações com a digitalização e a descarbonização da economia se materializam na forma de subsídios e incentivos fiscais à indústria e de medidas com viés protecionista, que podem se converter em concorrência desleal ou em novas barreiras ao comércio e aos investimentos.
Entre os planos lançados nos últimos anos por diversas nações, está o Green Deal Industrial Plan, de 2023, em execução na União Europeia, que envolve investimentos de pelo menos 662 bilhões de euros na descarbonização da economia. Os Estados Unidos também estão implementando uma agressiva política industrial com programas de apoio às cadeias produtivas domésticas, como o Inflation Reduction Act e o Chip and Science Act, ambos de 2022, que somam pelo menos US$ 700 bilhões.
O Brasil não pode ignorar essa nova ação dos governos de países desenvolvidos. Falta, no entanto, vontade política do governo e união das industrias para a definição de politicas eficientes que restaure o dinamismo do setor. É urgente uma clara e consistente estratégia de desenvolvimento industrial para enfrentar esses complexos cenários global e interno, com necessidade de equilíbrio fiscal, em um ambiente de infraestrutura precária e financiamento deficiente, além dos problemas que cercam a pesquisa e o desenvolvimnto tecnológico que comprometem o aumento da produtividade e da competitividade das empresas.
A estratégia de recuperação da vitalidade da indústria, tanto da parte do governo, quanto da parte do setor privado, poderia começar por setores estratégicos como farmacêutico (equipamentos, ifas), energético, defesa, entre outros, onde poderiam ser definidas medidas de apoio para dar início ao processo de autonomia soberana que reduzisse as vulnerabilidades do Brasil, como evidenciadas depois da Covid-19 e da guerra da Ucrânia.
Além da vontade política e da seleção de setores estratégicos, a redução do Custo Brasil (o conjunto de dificuldades estruturais, tributárias, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país), que retira R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas, representando cerca de 20,5% do PIB e impede a exportação de manufaturados são as prioridades. A volta do dinamismo da indústria deve também estar associada ao comércio exterior, com o aumento das exportações e importações.
O governo federal, através do MIDCS, atribui prioridade à neoindustrialização com um programa de reformas e de políticas com o objetivo de reindustrializar o país com competitividade para dar emprego e gerar exportações. Em recente reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, foram definidas as prioridades para um plano de recuperação da indústria nacional: agroindústria, complexo de saúde, infraestrutura, digitalização e descarbonização da indústria, defesa, moradia e mobilidade.
A Confederação Nacional da Industria (CNI) divulgou o Plano de Retomada da Indústria, com propostas concretas para a reindustrialização do país. O plano apresenta medidas relacionadas à tributação, financiamento, comércio e integração internacional, infraestrutura, ambiente regulatório, segurança jurídica e eficiência do Estado, inovação e desenvolvimento produtivo, educação, relações de trabalho e desenvolvimento regional. Em paralelo, o documento sugere políticas orientadas por ações, que complementam os requisitos do desenvolvimento com o atendimento aos objetivos sociais mais relevantes. As políticas propostas buscam combinar as prioridades da sociedade brasileira com os novos paradigmas tecnológicos.
A reindustrialização só vai acontecer se houver uma efetiva vontade política do governo e uma ação organizada do setor privado industrial junto ao governo e junto ao Congresso com uma pauta moderna, não protecionista e sem renovados privilégios. O incentivo as montadoras, com iniciativa para o aumento das vendas de carros, ônibus e caminhões mais baratos não foi um bom começo. O país, em busca de crescimento e emprego, espera medidas concretas com viés estratégico para a volta do dinamismo industrial.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional