Rubens Barbosa: O impacto da crise provocada pelos ataques terroristas do Hamas contra Israel
Conflito gerou tensão em todo o mundo e corre o risco de se expandir pela região. Para embaixador, a relação entre Israel e a Palestina só poderá sair do impasse de mais de 70 anos se for desenhada uma nova abordagem a partir da substituição das atuais lideranças em Tel Aviv e na Autoridade Palestina
Conflito gerou tensão em todo o mundo e corre o risco de se expandir pela região. Para embaixador, a relação entre Israel e a Palestina só poderá sair do impasse de mais de 70 anos se for desenhada uma nova abordagem a partir da substituição das atuais lideranças em Tel Aviv e na Autoridade Palestina
Por Rubens Barbosa*
O ataque do Hamas a cidades de Israel na fronteira com o Estreito de Gaza e com milhares de foguetes, deixando centenas de civis mortos, gerou, como era previsível, dura reação militar de Tel Aviv. A reação veio com devastador bombardeio a Gaza e com o total isolamento por terra e mar do Estreito pelo corte de suprimento alimentar, de luz e água, com agudas consequências humanitárias. O inédito número de reféns israelenses com o Hamas e a possibilidade de um ataque por terra são dois elementos que poderão complicar ainda mais o teatro de operações.
A atitude de Israel no tocante às relações com os palestinos, nos últimos anos, esteve baseada em algumas premissas: mesmo sem a implantação da politica dos dois Estados, a segurança de Israel estava assegurada; a divisão dos palestinos (Fatah e Hamas) favorecia Israel; a recém criada diplomacia regional (acordos de Abraão) significaria o apoio do mundo árabe (Emirados, Bahrein, Marrocos e Sudão e Arábia Saudita em negociação) às politicas de Israel.
Por outro lado, parecem claras as motivações do Hamas ao preparar e executar o ataque a Israel: divisão interna na sociedade israelense em virtude da composição de ultradireita do governo Netanyahu com ameaça à democracia, a declarada política de assentamentos em território palestino e a possível anexação da Cisjordania; impedir a aproximação da Arábia Saudita e outros países árabes com Israel, e o simbolismo da coincidência do início da Guerra de Yom Kippur.
A autoconfiança do governo de Israel com as referidas premissas talvez possa haver contribuído para Netanyahu ignorar a advertência do ministro da Inteligência do Egito quanto à preparação na Faixa de Gaza de possíveis ações contra Israel.
Do ponto de vista geopolítico, o risco mais importante diz respeito a eventual escalada do conflito com a possibilidade de expansão em nível regional. O ataque e a reação, até aqui, estão limitados a Israel e Hamas e, geograficamente, à Faixa de Gaza. O risco maior seria a abertura de uma outra frente no norte de Israel e no Líbano com a interveniência do Hezbollah, organização política, religiosa (shiita) e militar.
Até o momento, os atritos estão sendo limitados, mas, caso haja uma escalada, poderá haver uma intervenção do Irã, que apoia o Hezbollah. O governo do Irã nega qualquer apoio aos ataques do Hamas, mas nos EUA informações vazadas pelo governo indicam a suspeita de ação iraniana de apoio ao Hamas, inclusive com os foguetes disparados contra o território israelense.
Se houver uma escalada bélica, o Líbano e o Irã seriam alvos e ataque militares de Israel com apoio dos EUA e de países ocidentais. O deslocamento de porta-avião americano para a região pode indicar essa ameaça. Turquia e Catar poderiam atuar para reduzir os riscos dessa escalada bélica.
Internamente em Israel e na Palestina, o enfraquecimento do primeiro-ministro Netanyahu e do presidente da autoridade palestina, Mahmoud Abbas, poderá acarretar a substituição dos dois lideres, como já vem sendo discutido abertamente (editorial do jornal Haaretz) em Israel. A incerteza reside em como evoluirá a situação interna com a substituição da aliança extrema-direita e a política de anexação de territórios da Palestina. O gabinete da coalizão, com a entrada de Benny Gantz, sugere que a mudança poderá ser na direção de uma centro-direita moderada.
A paralisia das Nações Unidas e do Conselho de Segurança (em outubro, sob a presidência do Brasil), não é novidade. A morte de funcionários da ONU e a crise humanitária, forçaram, pela primeira vez, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, a se manifestar formalmente com críticas ao cerco estabelecido por Israel sobre Gaza e alerta para os ataques contra escolas hospitais, além de condenar os atos do Hamas e o corte de fornecimento de alimentos, de luz e de agua. A possibilidade de um corredor humanitário para reduzir os efeitos sobre a população civil vai ser discutida hoje em reunião de emergência do Conselho de Segurança por iniciativa do Brasil.
O total apoio a Israel pelos EUA e dos países ocidentais foi seguido por pedido de contenção e de negociação pela China. A guerra da Ucrânia saiu do noticiário e pode prejudicar o esforço do presidente ucraniano para maior apoio financeiro e militar para tentar avançar na contraofensiva, com poucos resultados até aqui.
O governo brasileiro, por nota oficial, condenou o ataque terrorista, pediu negociações entre as partes e reafirmou a política de criação de Estado Palestino e o reconhecimento de Israel, com ambas as fronteiras seguras e reconhecidas internacionalmente.
O impacto da guerra já se faz sentir na economia global pelo aumento do preço do petróleo, ouro e de produtos agrícolas. Se a crise escalar com o Irã envolvido o impacto será muito forte sobre a economia global com a forte elevação do preço do petróleo. No contexto desse quadro mais amplo, a relação entre Israel e a Palestina só poderá sair do impasse de mais de 70 anos, com sucessivas confrontações militares, se for desenhada uma nova abordagem, a partir da substituição das atuais lideranças em Tel Aviv e na Autoridade Palestina, em Ramallah.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional