É só botar um pouco mais de água no feijão? O plano Nova Indústria Brasil
Anúncio de política para fortalecer a economia é ambicioso e abrange diferentes áreas de atividades. Para professor, entretanto, ele apresenta falhas ao delinear projetos que são simplesmente uma elaboração de programas já existentes ou uma tentativa de surfar na onda de sucessos pré-existentes, sem inovar
Anúncio de política para fortalecer a economia é ambicioso e abrange diferentes áreas de atividades. Para professor, entretanto, ele apresenta falhas ao delinear projetos que são simplesmente uma elaboração de programas já existentes ou uma tentativa de surfar na onda de sucessos pré-existentes, sem inovar
Por Sean Burges*
No final de janeiro, o governo Lula lançou sua política emblemática para fortalecer a economia brasileira, Nova Indústria Brasil. Acompanhando o anúncio, havia um plano de ação de 104 páginas para os anos de 2024 a 2026, dividido em seis missões-chave que abrangiam desde o complexo agroindustrial até a indústria pesada, o investimento na produção de tecnologia da informação e sistemas avançados de defesa e equipamentos militares. Em suma, o ambicioso plano de dois anos pretende abranger tudo o que está acontecendo atualmente na economia brasileira e as atividades que o governo gostaria de ver exploradas.
Visto como um todo, não há nada particularmente problemático no Nova Indústria Brasil. De fato, o plano de ação, esperançosamente, concentrará o pensamento nos ministérios do governo e nas agências reguladoras, fornecendo aos servidores públicos um senso de direção para orientar seu trabalho. Também fornece um útil quadro de alto nível para altos funcionários, nomeados políticos e membros do Congresso para moldar iniciativas políticas específicas.
Onde o plano Nova Indústria Brasil falha significativamente é em sua falta de imaginação estratégica. Assim como a ideia de simplesmente adicionar mais água ao feijão quando os convidados inesperados chegam, muitos dos projetos delineados no plano de ação são simplesmente uma elaboração de programas já existentes ou uma tentativa de surfar na onda de sucessos pré-existentes em setores industriais já vibrantes, especialmente na agricultura.
Uma fraqueza-chave do plano de ação 2024-2026 é que o pensamento subjacente parece estar preso em uma distorção temporal conceitual que tenta conciliar o dinamismo com a inovação econômica contemporânea com uma tradição muito mais estatista, centralizada, de campeões nacionais: “Reduzir a dependência externa e adensar a produção nacional de máquinas, implementos agrícolas, fertilizantes e outros insumos e tecnologias relevantes para a produção agropecuária” (p. 27).
A mesma lógica é aplicada aos produtos farmacêuticos e também ao hardware para a tecnologia da informação: “Reduzir a dependência produtiva e tecnológica do país em produtos nano e microeletrônicos e em semicondutores” (p. 66).
Já vimos essa história antes e, julgando pelas crises econômicas das décadas de 1980 e 1990, está longe de ser um sucesso retumbante. Num mundo onde quase todo produto complexo faz parte de uma cadeia de valor transnacional, um retorno a ambições de desenvolvimento autárquico parece imprudente. Conectar-se às cadeias de valor de empresas como a Embraer pode oferecer um caminho futuro mais sustentável.
Onde as coisas parecem mais interessantes é no foco do plano em inovação. Os arquitetos da política industrial de Lula notavelmente querem “fortalecer e desenvolver empresas nacionais competitivas em tecnologias digitais disruptivas e emergentes” e “aumentar a produtividade da indústria brasileira por meio da incorporação de tecnologias digitais em segmentos estratégicos para a soberania digital e tecnológica” (p. 66). Ambos são excelentes ambições e combinam bem com um tema generalizado no plano de ajudar as empresas brasileiras a atualizarem seus equipamentos e processos de negócios. No entanto, o legado do desenvolvimento econômico dominado pelo governo ainda está muito presente com a formulação dessas políticas e aponta para um obstáculo quase psicológico que está atrapalhando os formuladores de políticas na Esplanada.
A história de muitas das maiores e mais bem-sucedidas empresas brasileiras está profundamente entrelaçada com a benevolência do governo. Um setor de engenharia civil altamente bem-sucedido e competente tem suas raízes em projetos de infraestrutura estatais massivos (e estes continuam sendo uma parte importante do Plano). Da mesma forma, petroquímica (Petrobras), mineração (Vale), aeroespacial (Embraer) e produção de carnes (JBS), para citar apenas algumas multinacionais brasileiras, todas remetem ou a empresas estatais e monopólios ou ao recebimento de grandes quantidades de apoio financeiro do governo.
Aqui é onde a lacuna de imaginação no plano Nova Indústria Brasil se torna mais aparente. Como Roberto Alvarez escreveu no Valor Econômico, a falha fundamental da Nova Indústria Brasil é que simplesmente não discute como o espaço pode ser aberto para empreendedores. Em vez disso, o subtexto do plano é que é o governo que fará as coisas acontecerem, não o setor privado. Isso é uma pena porque infantiliza a cidadania brasileira e os vê como uma dependência permanente do Estado a ser mantida sob controle através das exigências burocráticas do custo Brasil.
Embora uma atenção significativa seja dada no plano à redução de barreiras burocráticas e regulatórias à atividade econômica, a ideia de liberar a criatividade dos empreendedores brasileiros não é prontamente aparente. Alguns elementos do plano mostram grande imaginação e potencial empreendedor. Por exemplo, a proposta de integrar energia solar em novas construções para o Minha Casa, Minha Vida. Mas em vez de dar o próximo passo que abriria um enorme espaço para atividade empreendedora em todo o país, o plano se concentra em grandes projetos de infraestrutura energética em vez de ver a proposta do Minha Casa como um ponto de partida para o desenvolvimento do setor privado de uma geração distribuída de microenergia em todo o país.
A questão real com o plano Nova Indústria Brasil não é nenhum projeto específico ou a formulação das seis missões. Em vez disso, o desafio que ele destaca para o avanço na economia brasileira é um de poder político paroquial e sua ligação com as barreiras legais e éticas do custo Brasil.
Empresas baseadas em tecnologias emergentes e disruptivas, por definição, operam em espaços não previstos por planejadores governamentais (ou acadêmicos). Fomentar esse tipo de crescimento econômico não depende de apoio governamental pré-determinado específico para setores. Em vez disso, requer um investimento sério em pesquisa básica (olhe, por exemplo, as origens da internet) e a criação de um ambiente regulatório que permita que empresas inovadoras surjam e floresçam.
O plano de Lula sugere uma consciência disso, mas parece incapaz de superar as tradições de comando e controle de longa data na economia brasileira. Em última análise, isso sugere que a verdadeira inovação necessária na economia brasileira é de natureza política, para que o espírito empreendedor possa florescer sem a necessidade de um patrono político.
*Sean Burges é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos globais e internacionais na Carleton University. É autor dos livros ‘Brazil in the World’ e ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’.
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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Sean Burges é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos globais e internacionais na Carleton University. É autor dos livros ‘Brazil in the World’ e ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’.
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