19 abril 2023

Sergio Abreu e Lima Florêncio: Taxa de juros alta, inflação à brasileira e a teoria monetária moderna

Debates sobre a economia brasileira reeditam antigas controvérsias teóricas e colocam em evidência um novo paradigma para discutir a situação do país. Para embaixador, a pergunta crucial é saber se a flexibilização das metas de inflação, o aumento da despesa pública e as taxas de juros sensíveis a pressões políticas serão capazes de colocar o país nos trilhos do crescimento sustentável

Debates sobre a economia brasileira reeditam antigas controvérsias teóricas e colocam em evidência um novo paradigma para discutir a situação do país. Para embaixador, a pergunta crucial é saber se a flexibilização das metas de inflação, o aumento da despesa pública e as taxas de juros sensíveis a pressões políticas serão capazes de colocar o país nos trilhos do crescimento sustentável

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante posse de Fernando Haddad como ministro da Fazenda (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Sergio Abreu e Lima Florêncio

Os atuais debates no Brasil entre taxa de juros e inflação, examinados lato sensu, traduzem a reedição de antigas controvérsias sobre política econômica que marcaram o país desde os anos 1940. Mas refletem também um fenômeno novo, ligado à baixa correlação entre aumento da base monetária e elevação da taxa de inflação nas economias avançadas, que deu origem à teoria monetária moderna (TMM). Devemos ser fiéis às lições do passado ou aceitar as novas ideias e rumar parao futuro? Devemos nos guiar por nossa própria história econômica ou aceitar os novos ventos que impulsionam as economias avançadas? Que caminho devemos seguir?

A controvérsia em torno da relação entre taxa de juros e inflação não deixa de guardar semelhanças com o antigo dilema entre obedecer à tradicional teoria das vantagens comparativas (TVC) ou promover a industrialização por substituição de importações (ISI). Na década de 1960, essa divergência passou a dividir monetaristas versus estruturalistas. Com a redemocratização, a política econômica colocou, em campos opostos, desenvolvimentistas e fiscalistas, como conhecidos até hoje.  

A descrição acima revelou o debate tradicional. O que surgiu de novo na controvérsia atual? A resposta é a teoria monetária moderna.

A TMM, aqui apresentada na visão de André Lara Resende, aparece num momento de crise da teoria econômica. Essa não consegue explicar alguns fenômenos da economia real, sobretudo pós crise financeira de 2008-9, quando certas variáveis econômicas passaram a ter comportamento diferente do tradicional. Por isso, alguns economistas traçam um paralelo entre o surgimento da Teoria Keynesiana –que trouxe explicação mais adequada para a grande depressão dos anos 1930 do que a da Teoria Clássica– e o recente aparecimento  da TMM –que também procura explicações mais plausíveis para a atual realidade em substituição à visão ortodoxa.

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Para recuperar a economia internacional da crise de 2008-9, os bancos centrais (BCs) de países como EUA e Japão passaram a praticar o chamado afrouxamento monetário (quantitative easing), que levou à expansão de dez vezes da base monetária. Ora, a teoria ortodoxa prevê que, quando se expande muito essa base (M1, ou quantidade de moeda), há sempre aumento da taxa de inflação. Mas isso não ocorreu, desfazendo, assim, aquela relação estabelecida pela ortodoxia. Ao mesmo tempo, os BCs do mundo desenvolvido abandonaram a base monetária como variável para elaborar suas políticas, e passaram a usar a taxa de juros.

Aquela observação empírica e a utilização não mais da base monetária, mas sim da taxa de juros, alimentaram questionamentos sobre a teoria convencional, que perdia poder explicativo, e a busca de novos modelos.

A explicação tradicional para o comportamento dos preços se baseava na teoria quantitativa da moeda (TQM), que determina elevação de preços sempre que ocorre aumento da quantidade de moeda. Outra base da explicação tradicional era a Curva de Phillips, que estabelece uma relação inversa entre inflação e desemprego. Essa base explicativa começou a ser abandonada nos anos 1970, quando a quadruplicação dos preços do petróleo provocou, ao mesmo tempo, aumento da inflação e da recessão (desemprego), fenômeno conhecido como estagflação. Ou seja, a Curva de Phillips deixou de funcionar.

‘Em política não há espaço vazio de poder, porque é imediatamente ocupado por outro dirigente ou partido político. Em economia também, quando uma teoria perde poder explicativo, surge um novo modelo’

Em política não há espaço vazio de poder, porque é imediatamente ocupado por outro dirigente ou partido político. Em economia também, quando uma teoria perde poder explicativo, surge um novo modelo. Esse apareceu sob a forma de metas de inflação, que os bancos centrais passaram a adotar para orientar suas políticas monetárias. Como vimos antes, tanto a TQM quanto a Curva de Phillips foram abandonadas, por não mais explicarem o comportamento dos preços, e substituídas por nova variável –taxa de juros. Assim, quando a taxa de inflação dá sinais de ficar acima da meta fixada pelo BC, esse eleva a taxa de  juros, o que provoca (segundo essa nova ortodoxia ) redução das taxas de crescimento econômico e de inflação, recolocando essa de novo dentro da meta.

Assim como o primeiro choque do petróleo no início dos anos 1970 provocou a estagflação e deslegitimou a Curva de Phillips, a crise de 2008-9 começou a invalidar a ortodoxia das metas de inflação. A razão para tal foi que as taxas de juros nominais baixam, as taxas reais ficam até negativas, mas a economia não cresce, e continua patinando perto da estagnação.

É nesse novo contexto que a TMM surge, com o diagnóstico de que é preciso abandonar a hegemonia atribuída à inflação (taxas de juros elevadas) e priorizar o crescimento econômico (despesas governamentais). A TMM rompe com dois pressupostos da visão ortodoxa, ao sustentar que: (i) a taxa de juros não depende do equilíbrio entre poupança e investimento, nem da oferta e demanda de fundos para empréstimo; e (ii) é determinada apenas pelo Banco Central. Essas mudanças de paradigmas levaram alguns renomados  macroeconomistas a reavaliarem o papel e a sustentabilidade do endividamento público.

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Essa reavaliação acima levou à seguinte constatação: o aumento das despesas públicas não vai gerar inflação, desde que a taxa básica de juros (determinada pelo BC) seja inferior à taxa de crescimento da economia. Essa condição implica queda da relação dívida-PIB, o que reduz o risco fiscal. Com a moeda fiduciária (e não mais metálica, desde o abandono do padrão ouro), a dívida pode expandir-se, desde que sirva a atividades produtivas. Isso é mais verdade ainda em  países, como o Brasil, sem dívida externa e com dívida interna denominada em moeda nacional.

A visão convencional sustenta que o risco fiscal determina as expectativas de alta da inflação e que a elevação da taxa de juros irá reverter esse quadro. Mas a TMM alega o contrário, ou seja, que a alta da taxa de juros aumenta o serviço da dívida e, assim, agrava o risco fiscal. Além disso, juros altos premiam os rentistas, inviabilizam investimentos produtivos, desestimulam o crescimento do PIB e, assim, provocam aumento da relação dívida-PIB.

É possível que a TMM abra caminho para o mundo desenvolvido retomar o crescimento tão esperado. Mas, com base nessa nova teoria, a pergunta crucial para o Brasil de hoje é se a flexibilização das metas de inflação, o aumento da despesa pública e as taxas de juros sensíveis a pressões políticas serão capazes de colocar nossa economia nos trilhos do crescimento sustentável. Minha resposta a essa pergunta é negativa. Mas a justificativa é longa e exige um novo artigo.


*Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco, economista e foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra. 

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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