14 julho 2025

Taxação sobre o Brasil marca avanço no uso de comércio para desestabilizar soberanias

Do ponto de vista jurídico, a medida colide frontalmente com os parâmetros do direito internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) exige que tarifas sejam implementadas com base em fundamentos econômicos legítimos, não como retaliação a julgamentos de assuntos internos pelo Poder Judicial de um país soberano

Foto: Casa Branca

Por Armando Alvares Garcia Júnior*

Donald Trump acaba de desencadear uma nova onda de pressão econômica global ao anunciar tarifas de 50% para produtos brasileiros, alegando “caça de bruxas” no julgamento de Jair Bolsonaro e supostas ameaças à liberdade de expressão em plataformas como o X e a Truth Social. Em uma carta enviada ao presidente Lula e a outros oito países, ele explicita sua ofensiva, marcando um avanço perigoso no uso de instrumentos comerciais para interferir em decisões judiciais e políticas internas de nações soberanas.

Trump invocou a Seção 301 da legislação americana para justificar possíveis sanções adicionais, sinalizando que o choque tarifário poderá ir além dos 50% anunciados. Logo após o anúncio, o real recuou cerca de 3%, refletindo o impacto imediato das ameaças.

“Inigualável interferência”

A resposta do presidente Lula foi imediata: classificou o anúncio como “inigualável interferência” e reiterou que o Brasil aplicará a Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada em abril, para responder a qualquer aumento tarifário unilateral. O ministro Haddad enfatizou que a suposta justificativa comercial é falsa, já que os EUA mantêm um superávit de cerca de US$ 410 bilhões com o Brasil nos últimos 15 anos.

Do ponto de vista jurídico, a medida colide frontalmente com os parâmetros do direito internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) exige que tarifas sejam implementadas com base em fundamentos econômicos legítimos, não como retaliação a julgamentos de assuntos internos pelo Poder Judicial de um país soberano. Já a Carta da ONU, em seu artigo 2.4, veda intervenções (incluindo as de natureza econômica) que comprometam a soberania nacional.

O momento é agravado pela paralisia do Órgão de Apelação da OMC, bloqueado pelos EUA desde 2019, enfraquecendo a capacidade dos membros de resolver disputas legalmente. Essa situação cria um ambiente propício para ações unilaterais e tarifárias, corroendo a previsibilidade do sistema de comércio internacional.

No âmbito econômico, o setor de exportações — especialmente café, laranjas, calçados, aço e carne — já projeta efeitos negativos, incluindo inflação, perda de competitividade e desorganização das cadeias globais de abastecimento. Contudo – e isso sentirão os consumidores e eleitores dos EUA-, estima-se que um terço do café e metade do suco de laranja brasileiros são exportados aos EUA.

Sanções como instrumento de coerção

No plano interno, a medida aprofunda divisões ideológicas. Eleitores bolsonaristas celebraram o apoio de Trump, enquanto analistas e empresários estrangeiros definem a tática como imperialismo econômico moderno, prejudicial à ordem comercial mundial.

Globalmente, Trump mirou também para os países do BRICS, ameaçando tarifas adicionais de 10% a governos alinhados com a política do bloco, intensificando a tensão geopolítica. Essa escalada representa uma mudança estrutural na política tarifária dos EUA, onde sanções econômicas passam a ser instrumentos de coerção política, cujo propósito é muito diferente do reequilíbrio comercial.

O Brasil dispõe hoje de três caminhos principais:

A ameaça de Trump impõe um teste agressivo à soberania brasileira e ao sistema multilateral. A resposta do Brasil não deve limitar-se a uma defesa econômica, já que a reafirmação do respeito à igualdade, à boa-fé e à cooperação internacional — princípios fundamentais para preservar uma ordem global fundada em regras — é primordial. A dinâmica do velho-oeste norteamericano não deveria aplicar-se aqui.


Armando Alvares Garcia Júnior, Professor de Direito Internacional e Relações Internacionais, UNIR – Universidad Internacional de La Rioja

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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