Teorias da conspiração tendem a prosperar em tempos de crise, explica pesquisadora
Em entrevista, Karen Douglas, diretora de estudo sobre as consequências geradas por teorias conspiratórias, explica que essas teorias têm sido associadas a preconceito, genocídio, comportamento de risco à saúde, negação das mudanças climáticas e, mais recentemente, a comportamentos perturbadores relacionados à pandemia de Covid-19
Em entrevista, Karen Douglas, diretora de estudo sobre as consequências geradas por teorias conspiratórias, explica que essas teorias têm sido associadas a preconceito, genocídio, comportamento de risco à saúde, negação das mudanças climáticas e, mais recentemente, a comportamentos perturbadores relacionados à pandemia de Covid-19
Por Daniel Buarque
Situações que deixam as pessoas assustadas e incertas quanto à realidade, como aconteceu em todo o mundo nos últimos dois anos por conta da pandemia de Covid-19, tendem a aumentar a crença em teorias da conspiração. Esse processo acontece porque as pessoas passam a procurar maneiras de lidar com a incerteza, a insegurança e a perda de contato social, segundo a pesquisadora Karen Douglas.
“Qualquer pessoa pode ser vítima de teorias da conspiração se tiver necessidades psicológicas que não estão sendo atendidas em um determinado momento”, explicou Douglas em entrevista à Interesse Nacional, por email.
Isso acontece porque as pessoas são atraídas por teorias da conspiração quando suas necessidades psicológicas são frustradas. Essas necessidades são a de conhecer a verdade e ter clareza e certeza, bem como a de se sentir seguro e ter controle sobre o que acontece ao seu redor, e a de manter a autoestima e o sentimento positivos em relação aos grupos a que se pertence.
Douglas é professora de psicologia social da Universidade de Kent, no Reino Unido, e diretora do projeto CONSPIRACY_FX que estuda as consequências geradas por teorias da conspiração. Ela é autora de várioas artigos acadêmicos sobre o tema, como The Psychology of Conspiracy Theories e Understanding Conspiracy Theories
Leia abaixo a entrevista completa
Daniel Buarque – Seu artigo sobre a tentativa de compreender as teorias da conspiração argumenta que elas fazem mais mal do que bem. Quais são os principais problemas criados pelas teorias da conspiração?
Karen Douglas – As teorias da conspiração podem afetar as atitudes, intenções e comportamentos das pessoas. Historicamente, as teorias da conspiração têm sido associadas a preconceito, genocídio, comportamento de risco à saúde, negação das mudanças climáticas e, mais recentemente, a alguns comportamentos bastante perturbadores relacionados às teorias da conspiração QAnon e sobre a pandemia de Covid-19.
Daniel Buarque – Seu estudo também menciona que as teorias da conspiração resultam de uma série de fatores psicológicos, políticos e sociais. Quais são esses fatores? Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração?
Karen Douglas – Pesquisas sugerem que as pessoas são atraídas por teorias da conspiração quando uma ou mais necessidades psicológicas são frustradas. A primeira dessas necessidades é epistêmica, relacionada à necessidade de conhecer a verdade e ter clareza e certeza. As outras necessidades são existenciais, que estão relacionadas à necessidade de nos sentirmos seguros e termos algum controle sobre as coisas que estão acontecendo ao nosso redor, e sociais, que estão relacionadas à necessidade de manter nossa autoestima e nos sentirmos positivos em relação aos grupos a que nós pertencemos. As pessoas podem ser atraídas por teorias da conspiração para tentar satisfazer essas necessidades. Essa perspectiva significa essencialmente que qualquer pessoa pode ser vítima de teorias da conspiração se tiver necessidades psicológicas que não estão sendo atendidas em um determinado momento. Esta é talvez uma explicação por que parece que estamos vendo muitas teorias da conspiração sobre Covid-19. As pessoas estão assustadas e incertas com a pandemia e estão procurando maneiras de lidar com a incerteza, a insegurança e a perda de contato social. De fato, as teorias da conspiração parecem prosperar em tempos de crise.
Daniel Buarque – O professor Quassim Cassam, da Universidade de Warwick, argumenta que é importante focar não apenas nos consumidores e pessoas que acreditam em teorias da conspiração, mas também na agenda de propaganda política daqueles que criam e promovem essas teorias. O que você acha disso?
Karen Douglas – Concordo. As características dos indivíduos que acreditam em teorias da conspiração também tendem a ser bem diferentes daquelas que deliberadamente as criam e compartilham. Mais pesquisas são necessárias nesta área.
Daniel Buarque – Qual você acha que é a melhor maneira de combater as teorias da conspiração? A mídia há muito usa a verificação de fatos e outras estratégias de informação para combater as teorias da conspiração. Essa é uma estratégia útil?
Karen Douglas – Essas ferramentas são muito importantes, assim como os esforços para usar algoritmos para limitar a disseminação de desinformação nas plataformas de mídia social. Existem também alguns métodos interessantes baseados no princípio da inoculação que você pode estar interessado em pesquisar. Sander van der Linden, da Universidade de Cambridge, é pioneiro em alguns jogos realistas para combater a disseminação de notícias falsas.
Daniel Buarque – Mais recentemente, estamos testemunhando um crescimento de diferentes projetos que usam o humor e a ironia para combater as teorias da conspiração. Um exemplo é o filme “Não Olhe para Cima”, há também a série da Netflix “Inside Job” e outro é o crescimento de movimentos populares como “Birds aren’t real“, que brinca com conspirações. O que você pensa sobre isso. Isso pode funcionar como um antídoto para as teorias da conspiração?
Karen Douglas – Não tenho certeza e gostaria de saber. Em um nível interpessoal (por exemplo, conversando com amigos e familiares que acreditam em teorias da conspiração), o ridículo provavelmente sairá pela culatra porque as pessoas que acreditam fortemente em teorias da conspiração provavelmente já se sentirão marginalizadas, então esses tipos de táticas podem torná-las mais isoladas e até mesmo firmar suas crenças. Mas não sei como funcionaria em uma escala maior.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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