04 dezembro 2025

Trump e o fim da hegemonia americana, segundo Joseph Stiglitz

Com o declínio dos mecanismos que garantem a força econômica dos EUA, todos os outros países estão se afastando para se autopreservar. Em meio a tanta incerteza, fica cada vez mais difícil afirmar sobre o futuro da América e da economia global

Foto: Casa Branca

Por Sofia Lima*

Ao tomar posse em 2025, o presidente americano, Donald Trump, deu início a um processo que pode ter como possível consequência a perda da soberania global dos Estados Unidos. 

Com o declínio dos mecanismos que garantem a força econômica dos EUA, todos os outros países estão se afastando para se autopreservar. Em meio a tanta incerteza, fica cada vez mais difícil afirmar sobre o futuro da América e da economia global. 

Este argumento é defendido pelo ganhador do Prêmio Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz no artigo Trump and the End of the American Hegemony publicado em novembro.

Segundo Stiglitz, primeiramente, o mercado de trabalho está estagnado devido ao enfraquecimento econômico. Em segundo lugar, devido à política contra imigrantes implementada, a maior fonte de mão de obra está sendo fortemente reduzida, algo que afeta a população como um todo, já que a maior parte dos setores da indústria dependem de imigrantes. 

Os efeitos negativos dos cortes indiscriminados de Trump no governo também se espalharam pela economia. Há efeitos multiplicadores nas contrações do setor público, assim como há nas expansões e, no contexto atual, os custos foram ampliados pela natureza errática do processo.

A “abordagem incompetente e desastrosa” da administração causou ainda mais incerteza e induziu comportamentos de precaução por parte de empresas e consumidores.

De acordo com o economista, as tarifas de Trump e outras políticas intermitentes devem ser reconhecidas pelo que são: um grande choque de oferta na economia. 

Elas adicionaram, sem necessidade, incerteza aos custos de produção e aos preços pagos pelos consumidores, tornando impossível para as empresas realizarem qualquer planejamento. E esses são apenas efeitos de curto prazo. 

As perspectivas de longo prazo da economia dos EUA parecem ainda mais sombrias. Afinal, a vantagem comparativa da América sempre se baseou na tecnologia e no ensino superior sem amarras. Ao atacar a pesquisa e tentar sufocar financeiramente as universidades a menos que elas se curvem às suas exigências, Trump está dando um tiro no pé da economia americana. Naturalmente, com o tempo, os alvos de Trump para extorsão vão diminuir. Tendo reconhecido o perigo de depender dos Estados Unidos, muitos países já estão buscando novos acordos comerciais.

O futuro de uma ilusão 

Por que, então, o PIB ainda está crescendo com o mercado acionário batendo recordes e a inflação permanecendo abaixo dos níveis que os críticos previam? Para o ganhador do Nobel, há várias explicações para essa aparente força. No que diz respeito ao mercado de ações, o boom é, na verdade, muito estreito, limitado principalmente a um punhado de gigantes da tecnologia: Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla.

Ainda assim, as avaliações dessas empresas refletem expectativas de lucros monopolistas de longo prazo que talvez nunca se materializem. 

Os enormes gastos de capital em IA têm compensado a fraqueza no restante da economia. Mas, com tanto da economia dependente de um único setor, o colapso inevitavelmente será sentido de forma ampla. Pior: se a IA tiver o sucesso que seus defensores preveem, isso será um prenúncio de outros problemas sérios, porque a tecnologia provavelmente substituiria muitos trabalhadores e ampliaria ainda mais a desigualdade. 

Quanto à inflação, há uma explicação simples para o fato de ela ainda não ter subido acentuadamente, explica o artigo. 

Para começar, as tarifas de Trump geralmente não foram tão altas quanto ele inicialmente ameaçou. Além disso, os efeitos das tarifas costumam demorar a aparecer. Muitas empresas evitaram aumentar preços até ver como os concorrentes reagiriam; outras só o farão quando esgotarem os estoques comprados antes das tarifas. Mas, se as tarifas ameaçadas contra a China forem realmente implementadas, o desmonte das cadeias de suprimento poderia desencadear aumentos de preços ainda maiores que as próprias tarifas.

Isso leva à pergunta central, diz: por que algum país aceitaria se submeter aos caprichos de um líder imprevisível? Os EUA não controlam sozinhos minerais críticos nem terras raras, e existem outros mercados capazes de suprir a demanda global. A lei da oferta e da demanda funciona independentemente da presença americana.

O governo de Trump e o de Putin mostraram o risco de depender de parceiros instáveis. Além disso, os EUA perderam peso: hoje representam menos de 10% das exportações globais. As consequências em curto prazo seriam difíceis, mas a longo prazo emergiria uma nova ordem global em que os EUA já não teriam hegemonia. Tal transição já está em andamento e, apesar do impacto no crescimento mundial, o efeito pode ser menor do que muitos temem. Na Europa, por exemplo, o aumento dos investimentos em defesa deve impulsionar a economia.

Para Stiglitz, as eleições legislativas americanas de 2026 podem marcar o ponto decisivo, pois a  insatisfação com Trump pode levar a uma vitória democrata em pelo menos uma das casas do Congresso. Em qualquer cenário, o mundo ainda enfrentará ao menos dois anos de incerteza e má gestão econômica.


*Sofia Lima é estagiária do IRICE

O portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Tags:

EUA 🞌

Cadastre-se para receber nossa Newsletter