22 novembro 2024

Uma coalizão conservadora contra a esquerda na América Latina

Futuro secretário de Estado dos EUA indicou interesse em formar grupo de países liderados por governos de direita, mas parcerias esbarram nas fortes relações comerciais da região com a China

Javier Milei e Donald Trump (Foto: Instagram/Javier Milei)

Marco Rubio, futuro secretário de Estado norte-americano, pode tomar a iniciativa de criar uma coalizão de presidentes conservadores na América Latina para contrabalançar a onda da esquerda na região. 

O bloco latino-americano, que se apresentaria como contrário aos regimes populistas de esquerda, seria integrado por Argentina, El Salvador, Equador, Paraguai, República Dominicana, Peru, Costa Rica e Guiana.

Rubio, que sempre defendeu a luta pela democracia em Cuba e Venezuela, escreveu artigo chamando a atenção para o aumento significativo da presença da China, Rússia e Irã na América Latina e alegando que “construir uma coalizão contra essa influência” seria “obviamente desejável”. 

“Devemos nos inspirar na nova geração de líderes no hemisfério ocidental potencialmente pró-Estados Unidos”, como Milei, na Argentina, e Santiago Peña, presidente do Paraguai, que, segundo afirmou, sentem “um desagrado pelo socialismo”. 

Milei e Peña expressaram um forte desejo de uma maior colaboração econômica com os Estados Unidos’

Quando se reuniu separadamente com Milei e Peña, informou Rubio, eles expressaram “um forte desejo de uma maior colaboração econômica com os Estados Unidos”.  

“É de nosso interesse nacional corresponder a esta disposição”. 

A ideia é a de que os EUA ofereçam mais apoio aos países conservadores que defendem a liberdade nas ditaduras de Cuba e Venezuela. Os presidentes dos países que poderiam apoiar essa iniciativa na região representam hoje mais de 120 milhões de pessoas, e a economia de seus países somam mais de US$ 1 bilhão, concluiu Rubio. 

‘Os sinais vindos de Milei indicam que a Argentina busca ser o líder do grupo de direita, conservador, mencionado por Marco Rubio’

Os sinais vindos de Milei, ao ser o primeiro presidente a conversar com Trump depois da eleição e pelo convite que recebeu para participar do jantar de gala em Mar a Lago, indicam que a Argentina busca ser o líder do grupo de direita, conservador, mencionado por Marco Rubio. 

A oposição à esquerda latino-americana, se for criada, deverá ampliar o debate ideológico na região e voltar-se basicamente para o público interno. A retórica contra a presença de  potências extra-regionais e o endurecimento em relação à Venezuela é previsível. Não será fácil conseguir apoio de todos os integrantes para o propósito de frear a influência da China e da Rússia porque todos, a começar pela Argentina, com exceção da Colômbia, dependem fortemente do comércio com a China. 

A China vem gradualmente aumentando sua presença econômica e comercial, enquanto Washington tem baixo interesse na região, relegando seus vizinhos a um distante segundo plano. 

Por outro lado, as deportações de milhões de imigrantes que Trump planeja levar adiante e o plano de aumentar tarifas de importação para todos os produtos do exterior não ajudarão a manter unidos os países potencialmente incluidos na coalizão de direita.

O encontro efusivo de Milei com Xi Jinping com vistas a aumentar o intercâmbio comercial entre os dois  países (“não farei acordo com comunistas”, disse Milei anteriormente) e a inauguração do porto de Chancay, no Peru, investimento de mais de US$400 milhões, na presença do líder chines, mostram as contradições, na prática, entre dois dos países conservadores da lista de Rubio. 

‘O fato de Rubio dar mais atenção à América Latina marcará uma diferença com todos os secretários de Estado anteriores’

O fato de Rubio dar mais atenção à América Latina, apesar do alheamento de Trump, preocupado com questões internas e a rivalidade com a China e com a Rússia, marcará uma diferença com todos os secretários de Estado anteriores. 

A criação e o êxito da eventual coalizão conservadora vão depender das medidas tomadas por Trump internamente e seus impactos sociais, econômicos e comerciais sobre os países da região. 

A forma como o presidente republicano vai governar também vai ser determinante. Se governar autoritariamente, com ódio, perseguindo seus críticos, intimidando a imprensa e se continuar próximo de autocratas com Vladimir Putin e Kim Jong Un da Coreia do Norte, a coalizão, inspirada por Marco Rubio, não terá moral para defender a democracia na América Latina.

A eventual criação da coalizão conservadora terá grande repercussão, mas tenderá a ficar limitada às críticas ideológicas para consumo interno em cada um dos países. Resta saber se a oposição ideológica de Rubio vai ampliar-se para contrapor-se à crescente presença da China na região, em especial no Brasil, em vista da nova aproximação estratégica, “baseada em interesses compartilhados e visões de mundo próximas”, materializada nos 37 acordos firmados no encontro Lula e Xi Jinping desta semana, apesar de ter sido evitada a adesão à Iniciativa Cinturão e Rota e buscada apenas sinergias em projetos de infraestrutura.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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