PRÉVIAS PARTIDÁRIAS
A expectativa era de que somente a partir do segundo semestre deste ano as articulações sobre as eleições presidenciais de 2022 estariam dominando a cena política. Na realidade, essas discussões cada vez mais deverão ocupar as atenções do meio político e da mídia distraídos em meio aos rompantes populistas bolsonaristas. A crise da saúde, gerada pela pandemia e o atraso do governo na compra das vacinas ocupam o noticiário, junto com as repercussões da aprovação do auxilio emergencial, da intervenção na Petrobras e da venda de armas.
Os partidos políticos e personalidades com perspectiva de se apresentarem como candidatos começam a se movimentar e a buscar os holofotes a fim de influir, de alguma maneira, no processo inicial das discussões.
É um lugar comum ressaltar a fragmentação do sistema partidário brasileiro, a falta de programas que sejam defendidos coerentemente por todas as legendas e o controle da máquina partidária por parte de lideranças personalistas e, em muitos casos, autoritárias. Ninguém ignora que uma reforma política, necessária para colocar um mínimo de ordem no quadro partidário, dificilmente será levada adiante, sobretudo, por falta de interesse da classe política.
No marco atual da cena brasileira, surgem nomes que certamente poderão estar presentes na eleição de 2022, por sua influência pessoal e não por força de seus partidos. Essa situação gera enormes distorções e faz com que a indicação de candidaturas dependa mais dos chefes dos partidos do que de um processo democrático que envolva militantes e afiliados. Não há unidade partidária porque os interesses pessoais e políticos determinam o comportamento dos seus membros, o que, na prática, torna os partidos verdadeiras frentes com diversas alas e grupos. Essa é uma das razões do grande número de partidos políticos no Brasil, mais de 30 com representação no Congresso Nacional. Essa situação não existe só no Brasil. O mesmo ocorre no sistema partidário nos EUA, embora, por paradoxal que pareça, haja apenas dois partidos que realmente importam no cenário politico norte-americano. O partido Democrata e o Republicano são frentes, com múltiplas alas, com interesses divergentes, tanto locais quanto nacionais, como ficou demonstrado nas últimas eleições presidenciais. À diferença do que existe no Brasil, nos EUA, há um processo democrático decisório efetivo dentro dos partidos. A escolha de candidatos em todos os níveis locais e nacionais, inclusive para os governos estaduais, para o Congresso e para presidente é feita mediante prévias partidárias que permitem que cada grupo se manifeste e busque conquistar espaços políticos. O vencedor das prévias se torna candidato e todos os que participaram da disputa cerram fileiras e o apoiam.
Caso viesse a prosperar no Brasil, as prévias poderiam ser o início de uma mini-reforma política pois poderiam abrir caminho para a fusão de partidos com afinidades ideológicas e políticas, de forma que os interesses de todos possam ser respeitados e decididos democraticamente. Seria ingênuo pensar que essa medida poderia, no momento, ser aceita por todos, visto que as fortes lideranças partidárias, “donas” de alguns partidos, dificilmente aceitariam essa mudança tranformacional.
A idéia, contudo, acaba de ser mencionada pelo presidente do PSDB ao comentar o processo de escolha do Partido para a eleição presidencial de 2022. Diz Bruno Araujo que o futuro candidato do partido deverá ser escolhido por prévia em outubro. Caso essa decisão se confirme, o PSDB estaria reforçando o processo democrático que prevaleceu em São Paulo em várias eleições para a prefeitura e para o governo do Estado. O Partido estaria fortalecendo o debate democrático e o respeito aos seus princípios programáticos. A unidade seria mantida visto que aqueles que se dispusessem a concorrer estariam implicitamente manifestando sua disposição de apoiar quem ganhasse a maioria. Do ponto de vista do Partido, o melhor talvez seria antecipar o processo e realizar a prévia em agosto ou setembro para criar um fato político diferenciado e dar mais tempo ao candidato escolhido para viajar pelo pais e tornar conhecidas suas propostas para um futuro governo. Essa decisão poderia igualmente facilitar as articulações regionais para a escolha de candidatos próprios ou para eventuais apoios a outros candidatos. O Partido estaria voltando às suas origens, daria exemplo de democracia, sairia fortalecido não só pela união interna, mas também pela vantagem de sair na frente, enquanto outros partidos estariam iniciando o processo de escolha apenas em 2022.
A eleição presidencial terá como pano de fundo os desdobramentos da pandemia, a exemplo do que ocorreu nos EUA. Pesarão na hora do voto o custo social e humano, pela forma como as decisões na área da saúde foram tomadas, pelo número de mortos e os efeitos negativos sobre o crescimento da economia e do emprego, além do aumento da desigualdade. Os futuros candidatos terão de ajustar seus discursos às novas circunstâncias políticas. Quanto mais cedo os candidatos começarem a expor suas ideias e a debater suas propostas para o Brasil, mais chances terão de focar nos interesses concretos dos eleitores.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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