De Trump a Putin: Por que as pessoas são atraídas por tiranos?
O fascínio de líderes populistas não é um fenômeno isolado, mas algo ligado à forma como as pessoas pensam sobre seus líderes. O sucesso dos tiranos em todo o mundo sugere que devemos levá-los mais a sério
O fascínio de líderes populistas não é um fenômeno isolado, mas algo ligado à forma como as pessoas pensam sobre seus líderes. O sucesso dos tiranos em todo o mundo sugere que devemos levá-los mais a sério
Por Agata Mirowska, Raymond B. Chiu e Rick Hackett*
O testemunho ao comitê do 6 de Janeiro da Câmara dos Deputados sobre a insurreição no Capitólio dos Estados Unidos em 2021 nos permitiu entender mais profundamente a humanidade dos apoiadores de Donald Trump.
Como as audiências revelam, o ex-presidente cessante e seus apoiadores pareciam estar na mesma onda, pois ele hesitou em parar a violência enquanto seus seguidores estavam empenhados em cumprir suas ordens.
Dada sua influência, parece claro que Trump sabe o que motiva seus seguidores. O fascínio do populismo de Trump não é um fenômeno isolado, mas algo ligado à forma como as pessoas pensam sobre seus líderes.
O populismo de Trump agora se tornou maior do que o próprio Trump. O sucesso dos tiranos em todo o mundo sugere que devemos levá-los mais a sério quando são elogiados como inteligentes, pelo menos quando se trata de manipular nossas mentes.
O novo autoritarismo
Embora os movimentos populistas existam há muito tempo, tem havido um interesse considerável em explicar por que o populismo é diferente agora –por que está ligado ao autoritarismo e tingido de nacionalismo e xenofobia.
As emoções subjacentes às paixões das massas desprivilegiadas estão enraizadas hoje em um medo polarizado da morte nacional –que a crescente imigração, liberalização e globalização são sinais contundentes de que instituições outrora confiáveis não podem mais proteger nosso bem-estar coletivo.
Em muitos países onde o autoritarismo ganhou força –Rússia, Belarus, Hungria, Turquia e Polônia, para citar alguns– esse populismo também é acompanhado por uma pressão dos líderes para suprimir a liberdade de imprensa ou espalhar desinformação desenfreada auxiliada pelas mídias sociais.
Em um aceno para a esperteza de tais autocratas, a ganhadora do Nobel Maria Ressa descreve o uso político de tal desinformação como “diabolicamente brilhante”.
Ressa, jornalista, foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão.
Examinando as raízes da tirania
Anos antes da ascensão de Trump ao poder, começamos a investigar esses elementos para entender como eles impulsionam a tolerância das pessoas à tirania. Começamos com uma premissa simples: que o apelo dos tiranos não é uma aberração, mas um fenômeno ligado ao funcionamento de nossas mentes.
A tirania, no entanto, é distinta do autoritarismo, que fala de crenças ou ações políticas. As características definidoras da liderança tirânica –características descritas como dominadoras, agressivas, manipuladoras, barulhentas, vaidosas e egoístas– são características prototípicas que chamam a atenção dos seguidores na ausência de informações mais substanciais sobre quem o líder realmente é.
À medida que Trump subiu ao poder, elementos de nossa pesquisa estavam se desenrolando na realidade: medo de um mundo ameaçador, moralidade tradicional –o tipo comumente expresso na América do Norte por meio de políticas e religiões conservadoras– e dependência de informações escassas sobre o líder.
O medo está enraizado no sentido de precisar de proteção contra os perigos do mundo, e muitas de nossas instituições locais e seus líderes estão de fato voltados para garantir uma sensação de segurança.
A moralidade pertence àquelas convicções viscerais que informam muitas de nossas decisões diárias –por exemplo, se o dano é injusto ou se as regras devem ser obedecidas.
A informação está associada ao fato básico de que fazemos escolhas rápidas de liderança com base em dados limitados –não nos preocupamos em buscar mais informações e confiamos em atalhos mentais ao julgar a eficácia de um líder.
O medo alimenta a atração por ‘homens fortes’
Com base em pesquisas com 1.147 norte-americanos, nossas descobertas revelaram que a sensibilidade às ameaças, refletida na crença de que o mundo é perigoso, está ligada à moralidade tradicional ou conservadora. O psicólogo social americano Jonathan Haidt chama essa moral de “fundamentos morais obrigatórios”.
Aqueles que se concentram na proteção do grupo têm uma preferência mais forte pela tirania, conforme definido pela teoria bem estabelecida da liderança implícita, que diz que nem sempre vemos os líderes por quem eles realmente são, mas de acordo com protótipos mentais que temos em nossas cabeças.
Além disso, descobrimos que a relação significativa entre as fundações vinculantes e a liderança tirânica é mais forte para os homens do que para as mulheres. Não é de admirar, então, que os defensores fervorosos de Trump ao longo de sua presidência incluíssem grupos hipermasculinos, antifeministas e antiesquerda, como os Proud Boys.
O autor e cineasta americano Jackson Katz atribui o apoio esmagador aTrump por homens brancos da classe trabalhadora com ensino médio a um desejo profundo de respeito e um retorno ao patriarcado.
A natureza masculina da liderança hoje, especialmente em tempos de crise e incerteza, não mudou necessariamente ao longo dos séculos. Quando pessoas más aparecem para invadir nossos campos, corromper nossos filhos ou poluir nossos córregos, a reação instintiva é dar boas-vindas ao “homem forte” que demonstra suas habilidades manipulando com sucesso os outros para ganho pessoal.
Isso significa que agressão, astúcia e ganância são cobiçadas, se essas qualidades puderem ser voltadas contra estranhos.
Combatendo a tirania com psicologia
Nossa pesquisa sugere que simplesmente protestar contra os tiranos não é suficiente. Há três áreas em que é necessária mais ação.
Primeiro, os traços desagradáveis dos líderes tirânicos enviam informações de vital importância sobre a eficácia da liderança aos seguidores –paradoxalmente, mais informações do que se um líder agisse com bondade e compaixão.
A repulsa da mídia à tirania e a obsessão em relatar cada xingamento ou postagens chocante só serve para telegrafar essas características por toda parte, reforçando a fidelidade dos seguidores.
Em segundo lugar, os cidadãos preocupados precisam contar menos cada incidente desagradável em nome dos tiranos e, em vez disso, gastar muito mais tempo explicando a natureza da boa liderança e como ela se compara aos líderes de hoje.
Algumas escolas de negócios fazem um bom trabalho ao ensinar o significado de liderança sustentável e eficaz, mas o jovem típico recebe pouca educação sobre o caráter moral e os pontos fortes de líderes confiáveis e virtuosos do passado.
Terceiro, os medos das pessoas –sejam eles relacionados a perdas econômicas, adversários estrangeiros ou morte cultural– precisam ser levados a sério. A pessoa comum fica sobrecarregada com a magnitude das tentativas audaciosas de mudança social, como evidenciado pelo descontentamento com a recepção dos refugiados sírios pela líder alemã Angela Merkel.
Tais esforços nem sempre atendem à necessidade fundamental de a população conservadora se sentir segura, porque não reconhecem que as pessoas em ambos os extremos do espectro compartilham um desejo comum pelo bem coletivo, embora possam priorizar aspectos desse bem de maneira diferente e abordar esses aspectos por diferentes meios.
Elementos da psicologia humana cotidiana estão impulsionando nosso futuro global compartilhado. Para que nossas sociedades sobrevivam, o diálogo deve mudar rapidamente para lidar com essa realidade, ou então as únicas vozes que seremos forçados a ouvir serão as dos mentirosos tirânicos que promovem o medo e a guerra.
*Agata Mirowska é professora de administração de recursos humanos e comportamento organizational na Neoma Business School;
Raymond B. Chiu é professor de negócios e comportamento organizacional na Redeemer University;
Rick Hackett é diretor de pesquisas no Canadá em comportamento organizacional e performance humana na McMaster University
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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