Mais um teste de estresse para a democracia: a iminente crise eleitoral no Brasil
Após a indecisão no primeiro turno, não está claro quem vencerá a eleição no país, mas uma coisa é óbvia: o conservadorismo de direita de Bolsonaro está crescendo, assim como sua ameaça à democracia
Após a indecisão no primeiro turno, não está claro quem vencerá a eleição no país, mas uma coisa é óbvia: o conservadorismo de direita de Bolsonaro está crescendo, assim como sua ameaça à democracia
Por Gerson Scheidweiler e Tyler Valiquette *_
Os brasileiros foram às urnas para votar no primeiro turno da eleição presidencial do país. Nenhum vencedor claro surgiu sob os requisitos eleitorais brasileiros, então haverá outra rodada de votação em 30 de outubro.
Os candidatos precisam de mais de 50% do voto popular para se tornar presidente no Brasil. As pesquisas previam que Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente conhecido amplamente como Lula, ultrapassaria o atual presidente de direita Jair Bolsonaro. Mas as pesquisas estavam erradas e nenhum dos candidatos atingiu o limite de 50%.
Não está claro quem vencerá no segundo turno, mas uma coisa é óbvia: o conservadorismo de direita de Bolsonaro está crescendo, assim como sua ameaça à democracia.
O primeiro turno viu um aumento da força do nacionalismo de direita no Brasil. A maioria dos candidatos apoiados por Bolsonaro venceu suas disputas nas duas casas do Congresso. O segundo turno de votação colocará as ideologias concorrentes dos dois candidatos uma contra a outra: uma depende de esperança e otimismo, e a outra depende de violência e ameaças.
Mais feliz sob Lula?
“Quando eu era presidente, até você era mais feliz”, disse Lula a um apresentador de televisão de direita que questionou seus motivos para tentar a reeleição.
Essa singela mensagem busca deixar os brasileiros nostálgicos por uma época de crescimento, quando o país era a quinta maior economia do mundo. Lula ajudou a tirar milhões da pobreza, fez crescer a classe média brasileira e defendeu as minorias. Durante o mandato de Lula, campos de petróleo gigantes foram descobertos no Brasil, o que trouxe uma bonança econômica.
Alegria e nostalgia são os principais argumentos de Lula na oposição a Bolsonaro. No entanto, confiar apenas nas emoções não vai ganhar o segundo turno, então Lula girou e ampliou sua tenda política.
Ele continua a se aproximar do centro para capturar votos suficientes para vencer. Bolsonaro continua a dobrar sua abordagem nacionalista, espalhar desinformação e lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral.
Em 2018, Bolsonaro concorreu em uma campanha anti-Lula. Ele foi eleito para combater a crescente corrupção e levantar uma economia em dificuldades. Ele impulsionou a retórica nacionalista e promoveu a ideologia antigênero e anti-LGBTQ, com o objetivo de se concentrar em valores familiares supostamente tradicionais.
Ele mobilizou uma grande base de seguidores devotos e conquistou eleitores céticos devido à suposta corrupção em partidos de esquerda. Ele também capitalizou notícias falsas, espalhou desinformação online e lançou dúvidas sobre a mídia tradicional. Ele foi bem sucedido em polarizar o país.
Decepção
No entanto, Bolsonaro não correspondeu às expectativas durante seu primeiro mandato. A economia continuou a sofrer; ele não conseguiu formar uma coalizão forte no Congresso e sua família estava cheia de escândalos.
Pior de tudo, ele falhou em sua resposta à pandemia de Covid-19, contribuindo para a morte de mais de 680 mil brasileiros. Esta é uma parte importante de seu legado, e não ter vencido no primeiro turno mostra que muitos eleitores não o perdoam.
No Brasil, especialistas dizem que no primeiro turno o eleitorado escolhe o candidato que quer e, no segundo turno, rejeita aquele que não quer.
Isso preocupa os estrategistas de Bolsonaro, pois as pesquisas indicaram que 52% da população rejeita Bolsonaro, enquanto Lula é rejeitado por apenas 39% do eleitorado.
Rejeição dos resultados da eleição
Mesmo que perca, Bolsonaro deixou claro que não tem intenção de sair tranquilamente. Bolsonaro lançou uma estratégia para contestar e negar os resultados das eleições, influenciado por sua suposta crença de que Donald Trump venceu a eleição de 2020 nos Estados Unidos e inspirado nas táticas do ex-presidente americano.
O presidente vê apenas três cenários futuros possíveis: “Prisão, ser morto ou vitória”.
Ele usa isso como um apelo e afirma que a vitória é o único resultado possível. Ele espalha conspirações e coloca em dúvida a integridade do sistema de votação eletrônica do Brasil. Ele alimenta o medo pintando seu oponente como um criminoso ilegítimo que só poderia ganhar uma eleição fraudulenta.
Dias antes do primeiro turno, a Justiça Eleitoral interveio e rotulou uma conspiração alimentada por Bolsonaro sobre aparentes conexões de Lula com a maior quadrilha criminosa do Brasil como notícia falsa.
Bolsonaro usou a intervenção do tribunal para fortalecer uma narrativa de que há um interesse institucional subjacente em negar-lhe a vitória eleitoral.
Indo além de Trump?
A polarização está aumentando no Brasil e a democracia está ameaçada. Mesmo que Bolsonaro perca a eleição, ele ainda tem o apoio de uma grande parcela da população que não vai a lugar nenhum. Ele também tem crescente apoio de políticos no Congresso que compartilham da sua ideologia.
Ele parece inclinado até a ir aonde Trump não ousou ir, e simplesmente se recusar a sair e se declarar líder com o apoio de seus aliados militares e do Congresso.
A retórica e as ações de Bolsonaro nesta eleição serão mais um teste para as instituições democráticas do Brasil, que acreditamos que vão superá-lo.
Sua presidência foi marcada por desorganização e coalizões fracas. Mas os danos que ele causará ao país podem ter um impacto duradouro e encorajar outros líderes mundiais a seguir uma abordagem antidemocrática semelhante para a transição de poder, ameaçando outras nações democráticas.
*Gerson Scheidweiler é pesquisador no pós-doutorado em estudos de igualdade na York University, Canada
Tyler Valiquette é doutorando em geografia humana na UCL
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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