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Interesse Nacional
27 março 2023

A Amazônia não está segura sob o novo presidente do Brasil – plano de construir estradas pode levá-la além de seu ponto de ruptura

Apesar do otimismo de conservacionistas após a vitória de Lula, governos de direita e esquerda do país promovem a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA), que se concentra em novas estradas, represas e indústrias que podem ameaçar o frágil ecossistema de floresta tropical da região – e prejudicar o clima mundial no processo

Apesar do otimismo de conservacionistas após a vitória de Lula, governos de direita e esquerda do país promovem a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA), que se concentra em novas estradas, represas e indústrias que podem ameaçar o frágil ecossistema de floresta tropical da região – e prejudicar o clima mundial no processo

Por Robert T. Walker*

Os conservacionistas suspiraram aliviados quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu a eleição presidencial do Brasil em 2022. Seu antecessor, Jair Bolsonaro, abriu grandes partes da região amazônica para os negócios, prejudicando a aplicação das leis ambientais e fechando os olhos para grilagem de terras. Não deveria ser surpresa que o desmatamento mostrasse um aumento acentuado.

No entanto, apesar de Lula ter supervisionado uma queda de mais de 70% no desmatamento durante sua primeira gestão como presidente no início dos anos 2000, o futuro da floresta tropical permanece profundamente incerto.

Isso ocorre em parte porque os governos brasileiros, seja de direita ou de esquerda, promoveram um projeto ambicioso para impulsionar as exportações e a economia chamado Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana, ou IIRSA.

A iniciativa se concentra em novas estradas, represas e indústrias que podem ameaçar o frágil ecossistema de floresta tropical da região – e prejudicar o clima mundial no processo.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-vitoria-de-lula-no-brasil-chega-bem-a-tempo-de-salvar-a-amazonia-sera-que-ele-conseguira-fazer-isso/

O problema da infraestrutura na floresta

À primeira vista, a IIRSA pode soar como progresso. Seu objetivo é melhorar a economia da Amazônia, desenvolvendo seus recursos e estabelecendo um melhor acesso aos mercados globais. Para isso, a iniciativa planeja reabilitar e ampliar o sistema rodoviário existente e construir barragens, portos, hidrovias industriais e ferrovias.

No entanto, evidências de minha pesquisa na Amazônia nos últimos 30 anos e de outros cientistas mostram que novas estradas levam a mais desmatamento, exercendo extrema pressão sobre a floresta tropical. Fora das áreas protegidas, quase 95% de todo o desmatamento ocorre a 5,5 quilômetros de uma estrada ou a menos de 1 km de um rio.

‘Novas estradas levam a mais desmatamento, exercendo extrema pressão sobre a floresta tropical. Fora das áreas protegidas, quase 95% de todo o desmatamento ocorre a 5,5 quilômetros de uma estrada ou a menos de 1 km de um rio’

As taxas de desmatamento caíram durante a primeira presidência de Lula, principalmente porque o Brasil expandiu seu programa de áreas protegidas e fez cumprir as leis ambientais. No entanto, o desmatamento voltou a crescer durante o governo de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff.

Tanto Lula quanto Dilma promoveram a agenda da IIRSA construindo barragens no rio Madeira e no rio Xingu, onde a barragem de Belo Monte desviou a vazão vital para a sobrevivência das comunidades indígenas.

Eles também reduziram áreas protegidas para dar lugar a seus projetos. Dilma chegou a reduzir o tamanho do Parque Nacional da Amazônia, o primeiro parque desse tipo na Amazônia. Ao todo, foram removidos 469 km², cerca de 5% da área total. A paisagem mais cênica do parque ao longo da costa do rio Tapajós foi tomada para dar lugar à construção de uma barragem.

Agora de volta ao poder, Lula sinalizou a aprovação de um projeto-chave da IIRSA: a revitalização da BR-319, uma rodovia federal entre Porto Velho e Manaus.

An animation shows primarily the highway in 2000 but deforestation quickly expanding off of it over the following years.
Satellite images from 2000 to 2019 show how deforestation spread out from Highway BR-163 over 10 years. Lauren Dauphin/NASA Earth Observatory

Se este projeto for concluído, abrirá a bacia amazônica central para ainda mais desmatamento.

‘O desmatamento excessivo pode levar a floresta a um ponto crítico do qual ela não pode se recuperar’

Eu acredito que isso deve causar alarme. A pesquisa mostra que o desmatamento excessivo pode levar a floresta a um ponto crítico do qual ela não pode se recuperar. Ninguém sabe exatamente onde está a linha, mas a vasta Amazônia que as pessoas imaginam hoje com sua extraordinária biodiversidade e densas florestas não existiria mais. Tal catástrofe já pareceu o pesadelo dos pessimistas, mas há evidências crescentes de que a floresta está em apuros.

O ponto de inflexão amazônico

A floresta tropical se sustenta reciclando a chuva para a atmosfera por meio da evapotranspiração, que disponibiliza mais umidade. A reciclagem da chuva é responsável por cerca de 50% da precipitação da bacia hoje.

Muito desmatamento pode deixar pouca reciclagem de chuva para sustentar a floresta.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/desmatamento-zero-na-amazonia-agora-e-possivel-eis-o-que-precisa-acontecer/

Os cientistas inicialmente estimaram que o ponto de inflexão ocorreria quando cerca de 40% da Amazônia fosse desmatada. Essa estimativa caiu ao longo do tempo, dada a intensificação dos incêndios e o início da mudança climática observável na própria bacia. Além disso, a floresta mostra resiliência decrescente, o que significa que é menos capaz de se recuperar dos extremos climáticos. Os cientistas já observaram mudanças generalizadas para espécies de árvores mais tolerantes à seca.

Dada a evidência, os cientistas revisaram o ponto de inflexão para o desmatamento tão baixo quanto 20% a 25%. Mesmo que apenas um quinto da floresta seja perdido, o restante pode se degradar rapidamente em um ecossistema de gramíneas e arbustos adaptados ao fogo que não se parecem em nada com os maciços nativos da floresta tropical.

O desmatamento em todas as nações amazônicas agora está em pouco mais de 16%. Na minha opinião, isso é muito próximo para tranquilizar, especialmente com o ímpeto do programa IIRSA.

Mais de um ponto de inflexão?

O problema do desmatamento não é a única pressão sobre a floresta – a Amazônia também está lidando com o calor e a seca do aquecimento global.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/fundo-para-a-amazonia-o-retorno-de-uma-iniciativa-enterrada-ha-dez-anos/

Evidências sugerem que a mudança climática global pode ser suficiente para levar grandes partes da floresta tropical ao limite. Uma preocupação é que a estação seca está ficando mais longa, uma mudança que parece ser impulsionada pelo aquecimento global. Isso afeta a precipitação anual, reduzindo o número de dias chuvosos, e torna o fogo mais prejudicial ao estender a estação em que as árvores podem queimar facilmente.

Atualmente, o prolongamento da estação seca é mais pronunciado na Bacia Sul. No entanto, mudanças no padrão de precipitação do sul podem reduzir a precipitação nas partes mais úmidas da bacia a oeste. Uma estimativa sugere que o prolongamento da estação seca pode causar uma transição de ponto crítico até 2064.

O que pode ser feito?

Evitar a iminente catástrofe do ponto de inflexão na Amazônia exigirá esforço da comunidade global. No passado, o Brasil controlou o desmatamento por meio de seu código florestal e pela designação de áreas protegidas.

Para voltar a isso, Lula teria que começar a aplicar novamente o código florestal, que limita o desmatamento em propriedades privadas. Ele também teria que persuadir o Congresso brasileiro a parar de criar incentivos para grilagem – a tomada de terras públicas para uso privado.

Embora Lula tenha dificuldade em recuperar terras já tomadas, a expansão das áreas protegidas poderia reduzir o desmatamento. Obviamente, a redução do tamanho das áreas protegidas existentes na Amazônia teria que parar.

Finalmente, Lula precisaria revisitar o programa IIRSA e perseguir apenas aqueles projetos que trazem desenvolvimento econômico sem desmatamento excessivo.

A pesquisa na qual estou trabalhando atualmente com colegas na Amazônia equatoriana se concentra em um tipo particular de área protegida, o território indígena. Argumentamos que salvaguardar os direitos territoriais indígenas fornece aos governos nacionais da Amazônia aliados eficazes para a conservação. Isso porque os povos indígenas querem defender suas pátrias. Infelizmente, os governos nacionais nem sempre apoiam os direitos indígenas, especialmente quando seus territórios contêm riquezas minerais.

A desaceleração da mudança climática global, no entanto, exigirá uma colaboração internacional em uma escala sem precedentes. Felizmente, já existe um fórum para isso com o Acordo de Paris.

Map showing the states and how hot spots show up along highways
Áreas com maior desmatamento em 2021 estão alinhadas com grandes estradas (Finer M, Mamani N, Spore J (2020) Amazon Deforestation Hotspots 2021. MAAP: 147, CC BY)

O povo da Amazônia

A Bacia Amazônica abriga 35 milhões de pessoas, muitas das quais vivem na pobreza. Elas têm todo o direito de desejar uma vida melhor, e esse é um dos motivos pelos quais a IIRSA conta com um grande apoio local.

No entanto, embora a iniciativa possa trazer benefícios de curto prazo, ela também corre o risco de destruir os próprios recursos que pretendia desenvolver. E isso poderia deixar a região em um estado de pobreza que não poderá ser aliviado.


Robert T. Walker é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida

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