04 maio 2023

As acusações criminais contra Bolsonaro e Trump pelas perspectivas jurídica e política

Ações contra os dois ex-presidentes podem parecer pequenas perto dos danos causados por eles, mas seguem os ritos necessários, são fundadas em evidências e respeitam os direitos dos investigados. Para pesquisador, os desdobramentos dessas ações são muito maiores do que parecem, podendo constituir até mesmo um óbice definitivo ao retorno dos dois ao poder

Ações contra os dois ex-presidentes podem parecer pequenas perto dos danos causados por eles, mas seguem os ritos necessários, são fundadas em evidências e respeitam os direitos dos investigados. Para pesquisador, os desdobramentos dessas ações são muito maiores do que parecem, podendo constituir até mesmo um óbice definitivo ao retorno dos dois ao poder

Os então presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump durante encontro na Casa Branca (Foto: Alan Santos/PR)

Por Felipe Tirado*

As acusações criminais de Jair Bolsonaro e Donald Trump –em investigações, processos e indiciamento– têm aspectos jurídicos e políticos complexos e, ao contrário do que foi defendido na Folha, são casos graves, que dizem respeito exatamente à forma como os ex-presidentes disputam eleições –ou seja, fundamentais para discussão do processo democrático.

Primeiramente, tratemos da perspectiva jurídica. Não há que se falar aqui em um “tom de arbítrio” ou “razões erradas”. Pelo contrário, há investigações criminais que seguem o devido processo e razões jurídicas. Em ambos os casos, os promotores apresentam uma série de evidências dos possíveis crimes. Ademais, as acusações seguem o tempo do direito. Ou seja, esses são apenas os primeiros casos sob análise que chegaram a decisões de cortes –no Brasil, rito mais ágil comum ao TSE e, nos Estados Unidos, seguindo o procedimento da corte de Nova York.

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Nesse sentido, é necessário ressaltar que esses são apenas os primeiros casos contra os ex-mandatários que foram submetidos a decisões judiciais. Além da investigação por violações à lei eleitoral em Nova York, Trump é investigado na Geórgia, também por violações à lei eleitoral, e pelo Departamento de Justiça, por suas ações no 6 de janeiro e pela forma como lidou com documentos secretos. Trump é o primeiro ex-presidente estadunidense a ser indiciado, fato que depõe contra ele, mas também diz muito sob a cultura jurídica norte-americano.

O caso de Bolsonaro é ainda mais complexo. No TSE, ele responde por alegações contra o sistema eleitoral, abuso de poder político e econômico, em processo que inclui também a “minuta golpista” encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres. Além disso, uma dezena de investigações criminais contra o ex-presidente foram remetidas à primeira instância, agora que perdeu o foro privilegiado.

No dia 3 de maio, foi possível observar o andamento dessas investigações contra Bolsonaro e aliados próximos. Em operação da Polícia Federal (PF), o ex-presidente teve seu celular apreendido, e vários de seus assessores mais próximos (como seus seguranças e o Coronel Mauro Cid) foram presos. Ao contrário do defendido por alguns comentaristas, a investigação diz respeito a uma série de crimes – incluindo fraude e corrupção de menores – que podem levar a vários anos de prisão. A recusa do ex-presidente em depor na PF, e o silencio de aliados próximos, atesta, ao menos, a surpresa com as acusações. Esse fato recente parece complicar ainda mais a situação de Bolsonaro, uma vez que seu celular agora está sob tutela judicial, e ainda há diversas investigações em andamento.

Em relação aos dois políticos, os procedimentos tomam tempo, por uma série de fatores; dentre esses, o cuidado necessário para se investigar e processar criminalmente um ex-presidente –especialmente em razão de alegações tão graves. Nesses casos, quando medidas judiciais determinantes vêm a público, é bem possível que haja evidência suficiente de que há alguma materialidade dos fatos sob investigação.

‘De uma perspectiva política, as investigações dizem respeito à continuidade dos projetos políticos representados por esses indivíduos’

De uma perspectiva política, as investigações têm desdobramentos ainda maiores –dizem respeito à continuidade dos projetos políticos representados por esses indivíduos.

Como lembrado recentemente pelo Foro de Teresina, diferenças relevantes atravessam a persecução criminal dos ex-presidentes, em uma perspectiva político-eleitoral. Enquanto Trump ainda tem chances de participar das próximas eleições presidenciais, o panorama para Bolsonaro é diverso. Caso o ex-presidente brasileiro se torne inelegível, se verá obrigado a apoiar seus herdeiros políticos enquanto enfrenta uma série de investigações criminais, sem foro privilegiado (É possível afirmar que ex-presidente se tornará um opositor ferrenho à prisão em segunda instância.)

‘Fazer uma campanha ou eleger Trump e Bolsonaro (ou seus herdeiros políticos) sob investigação se tornaria mais difícil’

Nesse sentido, o argumento (comumente veiculado na mídia e por apoiadores dos dois políticos) de que investigações ou a inelegibilidade fortaleça uma possível candidatura parece falacioso. Ao contrário, seria possível argumentar que fazer uma campanha ou eleger Trump e Bolsonaro (ou seus herdeiros políticos), sob investigação, se tornaria mais difícil. Uma das principais bandeiras que elegeu os dois políticos foi a defesa do discurso da “lei e ordem”. Assim, por um lado, ambos poderiam ser atacados por seus opositores por esse viés; por outro lado, a inconsistência do discurso dos políticos sob investigação criminal seria ainda maior do que em suas campanhas anteriores.

Importante ressaltar também que, nos Estados Unidos, Trump tem a oposição de Ron DeSantis, governador da Flórida, ainda dentro do Partido Republicano. Ou seja, já nas eleições internas do partido, DeSantis pode fazer uso do fato de seu opositor estar sendo investigado, acabando prematuramente com qualquer pretensão eleitoral do ex-presidente. DeSantis ainda não começou a atacar diretamente Trump, visando não perder a simpatia de sua base. Entretanto, uma vez que as prévias comecem, o governador da Flórida partirá para a ofensiva e, certamente, usará os desvios –morais e políticos– de Trump a seu favor.

Assim, caso Trump seja derrotado nas prévias ou mesmo nas eleições de 2024, mesmo após um provável acordo em relação ao caso de Nova York, possivelmente terá que responder ao resultado dos inquéritos da Geórgia e do Departamento de Justiça. De tal forma, o futuro político de Trump se tornaria cada vez mais incerto.

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Bolsonaro, que atualmente é considerado uma ameaça eleitoral real (ao contrário do que ocorreu em grande parte das eleições de 2018), ao se tornar inelegível, enfrentaria um panorama ainda pior. Seu possível herdeiro, caso opte por contar com seu apoio, teria que enfrentar críticas de diversos setores –inclusive de ex-aliados que têm abandonado o barco– em decorrência de suas investigações. Esse prognóstico decorre do discurso de uma série de ex-aliados que já se distanciaram do ex-presidente, após as eleições de 2022.

Para complicar a situação do ex-presidente, uma série investigações e ações criminais contra ele foram enviadas à primeira instância. Sem foro privilegiado, Bolsonaro –possivelmente inelegível– terá que justificar diversas investigações e ações contra ele, enquanto tenta emplacar seus herdeiros políticos. Isso pode se tornar uma grande desvantagem para seus herdeiros, bem maior do que possíveis vantagens eleitorais decorrentes do apoio do ex-presidente, levando a um número cada vez maior de deserções.

Indícios desses abandonos já podem ser observados nos discursos (e no silêncio) de pessoas próximas ao ex-presidente após as ações de 3 de maio. Obviamente, indivíduos que veem vantagens no apoio a Bolsonaro e bolsonaristas extremistas continuarão apoiando-o. Esses irão alegar que Bolsonaro sofre perseguição política, minimizarão as acusações e até a responsabilidade do líder. Assim, no caso do avanço das investigações, é possível que esses atribuam a culpa de crimes sob análise a algum dos assessores do ex-mandatário – por exemplo, e a depender do fato, Anderson Torres ou o Coronel Cid.

De tal forma, no caso de Bolsonaro, em decorrência de sua possível inelegibilidade e sucessivas investigações, o panorama é bem mais complexo do que o de Trump. Sem foro privilegiado, com diversas investigações contra ele em primeira instância e no STF, e com possíveis dificuldades de emplacar herdeiros políticos, as chances são de que tenha um papel cada vez menor na política nacional. Privadamente, antigos aliados celebrarão suas derrotas, ao vislumbrarem uma possibilidade de se lançar à presidência. Assim, em um futuro próximo, é possível que os seguidores do bolsonarismo tenham que procurar um outro “ismo” para chamar de seu.

Em conclusão, à primeira vista, pode parecer que as ações que alcançaram as cortes e atualmente veiculam na mídia são pequenas perto dos danos causados pelos ex-mandatários. Entretanto, de uma perspectiva jurídica, são exatamente como deveriam ser; seguem os ritos necessários, são fundadas em evidências e respeitam os direitos dos investigados –por isso mesmo são as primeiras a chegarem à fase de decisão. Por outro lado, de uma perspectiva política, como exposto acima, os desdobramentos dessas ações são muito maiores do que parecem, podendo constituir até mesmo um óbice definitivo ao retorno de Bolsonaro e Trump ao poder.


*Felipe Tirado é colunista da Interesse Nacional, doutorando em direito e política e professor substituto de jurisprudência no King’s College London.

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Felipe Tirado é colunista da Interesse Nacional e do Jota, teaching assistant, tutor e doutorando em direito no King’s College London (KCL). Mestre em direito pelo KCL e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador associado ao Constituições, Crisp/UFMG e ao King’s Brazil Institute

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