O mundo em 2024: análises e predições políticas dos cenários possíveis para o ano que começa
Sem entender o rumo por que tem evoluído o mundo, não se apreende bem o sentido dos últimos movimentos. No intento de iluminar a caminhada, aqui estão dez cenários plausíveis para o ano de 2024
Sem entender o rumo por que tem evoluído o mundo, não se apreende bem o sentido dos últimos movimentos. No intento de iluminar a caminhada, aqui estão dez cenários plausíveis para o ano de 2024
Por Dawisson Belém Lopes*
Para um observador imaginário da cena internacional, cuja pele não estivesse diretamente envolvida nas disputas, o ano de 2023 foi bastante estimulante. A erupção de uma grave guerra com ramificações globais no Oriente Médio, somada àquela outra, de enorme magnitude, já em curso no Leste Europeu, abasteceu incontáveis exercícios de análise e predição política. Os dois macroconflitos, todavia, são mais a consequência do que a causa do atual desarranjo global. Sem entender o rumo por que tem evoluído o mundo, não se apreende bem o sentido dos últimos movimentos.
No intento de iluminar a caminhada, proponho, a pedido do The Conversation Brasil, alguns cenários plausíveis para o ano de 2024. Notem bem que, a rigor, não se trata de futurismo ou de adivinhação. A ideia, aqui, é reconstruir o factual recente e buscar derivar dele as consequências mais prováveis. Se os cenários prospectados não se desenvolverem, ou tomarem rumos não antecipados pelo analista, cabe, oportunamente, revisitar o mecanismo e tentar entender onde a direção se alterou. Essa é, portanto, uma técnica de natureza acadêmica, não pertinente ao campo do ocultismo.
Feita a providencial ressalva, vamos aos nossos dez cenários de 2024.
1. A mãe de todas as eleições
Com alta probabilidade, Donald Trump e Joe Biden voltarão a se enfrentar nas urnas em 2024. Biden ainda é favorito à reeleição, mas haverá muita incerteza no meio do caminho. Não se trata de prognóstico fácil: além das questões sociais e econômicas envolvidas, existe risco real de Trump ir parar atrás das grades. Seja como for, a legislação estadunidense lhe permitiria, mesmo preso, constar na cédula eleitoral.
2. Avança a integração sul-americana
Apesar de Javier Milei, novo presidente da Argentina, países da região se aproximaram em 2023 – e devem seguir por essa senda. Reativação de corpos colegiados da Unasul, entrada da Bolívia no Mercosul, projetos de infraestrutura como a Rota Bioceânica e, naturalmente, a re-emergência do Brasil contribuem para retomada da integração.
3. A guerra de Bibi
Herdeiro espiritual de Kissinger, o inescrupuloso Benjamin Netanyahu encontrou razão para seguir como primeiro-ministro de Israel. É o negociador com quem as partes – dentro e fora do seu país – tratam a respeito da “guerra contra o Hamas”. Manterá a chama da beligerância acesa, pois dela depende para sobreviver na política. Enfrentará restrições, como a recente ação proposta pela África do Sul no Tribunal Penal Internacional, mas contará com quase infinita boa vontade de EUA e União Europeia.
4. Ásia Oriental, a última fronteira
Os olhares do mundo deslocam-se, neste momento, para o extremo oriente. A ascensão da China vem suscitando uma reaproximação entre Japão e Coreia, velhos rivais. A tensão sobre uma possível invasão de Taiwan por forças de Pequim e, sobretudo, a perda de influência dos Estados Unidos na região onde Washington costumava exercer hegemonia, trouxeram multiplicação de alianças militares – QUAD (EUA, Japão, Índia e Austrália) e AUKUS (Austrália, Reino Unido e EUA). A ASEAN, com forte presença no Sudeste Asiático, torna-se campo de disputas por influência geopolítica.
5. União Africana, ator coletivo
O ingresso formal da organização no G20 reforça o panafricanismo institucional e a consolida como ator coletivo internacional. Projeção de 55 países e 1.5 bilhão de seres humanos remando na mesma direção transforma horizonte de possibilidades do continente, que além de ser o mais jovem, é também o mais economicamente dinâmico do mundo. Não há mais espaço para “Conferência de Berlim do século XXI”; nova África é soberanista e buscará desenvolver-se.
6. Sucessão presidencial mexicana
Andrés Manuel López Obrador chegará ao fim do mandato, em 2024, com ares de “kingmaker” – ou, para ser preciso, de “queenmaker”. Sua gestão é das mais bem avaliadas na América Latina, ficando apenas aquém do fenômeno Nayib Bukele. Pode suceder-lhe uma mulher: Claudia Sheinbaum, ex-governadora da Cidade do México, do partido Morena, seria a 1ª presidenta de um país marcadamente machista na política. Nesse sentido muito específico, conjuntura faz lembrar aquela do Brasil em 2010.
7. Hora e vez das potências médias
O ingresso de 5 novos membros no BRICS – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã – consolida o primeiro grande projeto geopolítico capitaneado por potências médias. A falta de coesão interna é ameaça, mas não elide o peso da novidade histórica, forçando um recentramento de narrativas e análises. O novo BRICS+ concentrará, no fim das contas, metade da população mundial e mais da metade dos recursos energéticos. O agregado econômico resultante suplanta o do G7.
8. Rússia acelera reabilitação
Depois de invadir Ucrânia e enfrentar opróbrio, Rússia de Putin logrou estabilizar a sua economia e reinventar estratégia internacional para o pós-guerra. Congelamento de cenário bélico e a maior cooperação estabelecida com China, Irã, Coreia do Norte e Síria deslocaram eixo de Moscou. Zelensky, que ainda terá boa retaguarda em 2024, já começa a se preocupar com 2025. Muito do seu sucesso futuro na reconstrução ucraniana dependerá da reeleição de Joe Biden.
9. Europa, criatório da ultradireita
Outrora percebido como “berço da civilização”, o continente europeu falha em domar a besta-fera da extrema direita. A materialização do fenômeno em Hungria, Holanda, Itália e Eslováquia assusta e mostra a resiliência do populismo ultradireitista. A significativa presença da extrema direita em Alemanha e França, ainda que minoritária, projeta cones de sombra sobre integração europeia – particularmente, em temas como migrações, democracia e direitos humanos.
10. Brasil, estrela que sobe
O ano de 2024 já começa com o Brasil na presidência do G20. Além de pautarmos atividades do grupo das maiores economias do mundo, o Rio de Janeiro receberá, em novembro, líderes dos quatro quantos. Combina-se ao G20 a preparação para outros 2 marcos de nossa diplomacia: sediar a COP30, em Belém do Pará, e exercer, nesta quadra da história, a presidência rotativa dos BRICS, em 2025.
A validade dos dez cenários acima expira dentro de 366 dias – sim, 2024 é ano bissexto.
Feliz Ano Novo!
*Dawisson Belém Lopes é professor de política internacional e comparada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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