22 fevereiro 2024

O bônus do Brasil – Por que o primeiro ano de Lula superou as expectativas

Apesar do pessimismo gerado pela estreita margem de governabilidade com que o presidente foi eleito em 2022, o começo do novo governo teve resultados positivos. Lula se beneficiou de consenso contra ataques a Brasília, pela condenação de Bolsonaro e pela formação de uma ampla coalizão que permaneceu em grande parte unida, apesar de seus elementos díspares

Apesar do pessimismo gerado pela estreita margem de governabilidade com que o presidente foi eleito em 2022, o começo do novo governo teve resultados positivos. Lula se beneficiou de consenso contra ataques a Brasília, pela condenação de Bolsonaro e pela formação de uma ampla coalizão que permaneceu em grande parte unida, apesar de seus elementos díspares

Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, conversa com os presidentes da Câmara, Arthur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco, durante cerimônia de diplomação no TSE (foto: Fabio Rodrigues-Pozzebon/ Agência Brasil)

Por Anthony W. Pereira*

Quando Luiz Inácio Lula da Silva ganhou por uma margem estreita um terceiro mandato sem precedentes como presidente do Brasil em 30 de outubro de 2022, muitos observadores estavam pessimistas sobre suas chances de governar. Jair Bolsonaro, o presidente de extrema-direita que havia perdido para Lula por 1,8% dos votos totais, não reconheceu imediatamente sua derrota, e muitos governos estaduais, assim como o Congresso, eram dominados por seguidores de Bolsonaro. Em 28 de dezembro de 2022, Bolsonaro voou para a Flórida e recusou-se a participar da tradicional passagem da faixa para o novo presidente na cerimônia de posse de 1º de janeiro de 2023.

Os piores temores de muitos se concretizaram uma semana depois, em 8 de janeiro, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram e vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília, causando danos milionários em reais. Parecia ser uma tentativa de desencadear um estado de sítio e anular o resultado das eleições. Apesar de algum apoio dentro da polícia e do Exército a um golpe de Estado, o alto comando se recusou a participar, o que condenou a tentativa de insurreição. No entanto, o evento lembrou o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio em Washington, DC. por apoiadores do presidente Trump nos Estados Unidos, e aumentou o pessimismo sobre as perspectivas da administração Lula em 2023.

‘Um ano depois, qualquer pessimismo parece ter sido infundado’

Um ano depois, esse pessimismo parece ter sido infundado. A nova administração conseguiu reviver o principal programa social de Lula, o Bolsa Família, fornecendo a 21 milhões de famílias, ou mais de um quarto da população, uma média de R$670 reais por mês. Também aumentou o valor real do salário mínimo. No final do ano, o governo também aprovou uma reforma tributária histórica, simplificando e simplificando os impostos sobre o consumo e melhorando as finanças do governo. A economia também se saiu muito melhor do que muitos economistas esperavam, com inflação em 4,6%, crescimento do PIB em 3,0% e desemprego em 7,5%, o menor nível desde 2014.

O que explica esse resultado surpreendente? As principais razões são que houve uma forte reação contrária aos eventos de 8 de janeiro tanto entre as elites políticas quanto entre o público em geral; Lula foi capaz de manter sua ampla coalizão em grande parte intacta; e o presidente foi capaz de trabalhar com membros pragmáticos do Congresso para construir e manter uma maioria legislativa.

‘Após o ataque de 8 de janeiro, a maioria dos atores políticos condenou a destruição em Brasília’

Após o ataque de 8 de janeiro, a maioria dos atores políticos, incluindo muitos apoiadores da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro, condenou a destruição em Brasília. Em contraste com os Estados Unidos, onde a maioria dos republicanos aceitou a narrativa de “eleição roubada” de Trump, no Brasil, uma forte maioria de governadores, juízes e membros do Congresso criticou os manifestantes por suas ações antidemocráticas. 

Logo após os ataques, o governo federal fez uma intervenção temporária no governo do Distrito Federal, o ex-secretário de segurança pública do distrito foi preso e processado, vários líderes da Polícia Militar do Distrito Federal foram removidos e investigados, e o comandante do Exército foi substituído. De acordo com pesquisas, uma forte maioria do público também condenou os ataques de 8 de janeiro e aprovou essas medidas.

Aproximadamente 2.000 pessoas foram detidas após 8 de janeiro. Até o final de 2023, 25 delas foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal por crimes que variam de associação criminosa, tentativa de derrubada do governo e danos ao patrimônio do governo federal, com penas de 10 a 17 anos de prisão. Mas os casos legais não se limitaram aos participantes da base dos ataques de 8 de janeiro.

Em 30 de junho de 2023, Jair Bolsonaro, que havia retornado ao Brasil em 30 de março, foi condenado no Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Isso ocorreu por uma reunião que ele organizou enquanto presidente, em 18 de julho de 2022, na qual informou embaixadores estrangeiros que o sistema de votação eletrônica do Brasil estava sujeito a fraudes e que o Supremo Tribunal Federal estava trabalhando para favorecer Lula na próxima eleição. 

A condenação significava que Bolsonaro não poderia concorrer a cargos públicos por oito anos. Em 31 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral condenou Bolsonaro novamente, desta vez por abuso de poder econômico e político ao transformar um evento em 7 de setembro de 2022 para comemorar o bicentenário da independência brasileira em um evento de campanha. Assim como na decisão do Tribunal Superior Eleitoral de 30 de junho, o resultado foi uma proibição de sua candidatura política por oito anos e uma multa de R$425.640.

‘Outra razão para a resiliência do governo Lula é sua natureza. A coalizão eleitoral de centro-esquerda de dez partidos foi ampliada assim que o governo assumiu o cargo’

Outra razão para a resiliência do governo Lula é sua natureza. A coalizão eleitoral de centro-esquerda de dez partidos foi ampliada assim que o governo assumiu o cargo, com um cargo de ministro sendo ocupado por um político de um partido que apoiou Bolsonaro em 2022. Dos 31 cargos ministeriais, apenas seis são ocupados por membros do partido do presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores ou PT. O mais importante deles é o Ministério da Fazenda, chefiado por Fernando Haddad, político próximo a Lula. Enquanto muitos membros comuns do PT acham que as políticas de Haddad são muito ortodoxas e limitadas por um Banco Central cauteloso que pretende usar altas taxas de juros para conter a inflação, Lula usou sua influência dentro do partido para mantê-los na coalizão.

Um terceiro fator no desempenho do governo em seu primeiro ano é a capacidade de Lula de trabalhar com o Congresso. Em 1º de fevereiro de 2023, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, foram reeleitos. Lula escolheu apoiar suas candidaturas mesmo que tivessem trabalhado com o ex-presidente Bolsonaro e se aliado a ele na campanha eleitoral de 2022. 

Uma vez iniciado o mandato do Congresso, Lula foi capaz de usar sua experiência e contatos pessoais com membros do Congresso para elaborar coalizões majoritárias, questão por questão. Embora especialistas em relações executivo-legislativas tenham criticado a gestão de Lula dessas coalizões e seu custo, poucos observadores negariam que o governo foi capaz de trabalhar com pragmáticos em ambas as casas e alcançar os principais aspectos de sua agenda legislativa.

No geral, o primeiro ano do governo Lula foi melhor do que muitas pessoas esperavam. Um forte consenso surgiu contra as depredações dos bolsonaristas em Brasília em 8 de janeiro de 2023, e o ex-presidente foi excluído da competição eleitoral por oito anos. A ampla coalizão do governo permaneceu em grande parte unida, apesar de seus elementos díspares. E Lula foi capaz de trabalhar com os elementos pragmáticos do Congresso para alcançar reformas legislativas significativas, elementos importantes de um compromisso com o crescimento inclusivo.

Na política, o desempenho passado não garante retornos futuros, mas talvez o governo Lula possa se basear em suas conquistas em 2023 e entregar mais do mesmo este ano.


*Anthony W. Pereira é colunista da Interesse Nacional, diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center na Florida International University e professor visitante na Escola de Assuntos Globais do King’s College London, onde dirigiu o King’s Brazil Institute.

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

É diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center da Florida International University, professor visitante na School of Global Affairs do King’s College London e membro sênior da Canning House

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