29 março 2024

As eleições na Venezuela e o Brasil

Após irregularidades no processo de inscrições de candidaturas de oposição para as eleições presidenciais, o governo brasileiro se posicionou de forma crítica e recebeu resposta dura da Venezuela. Para embaixador, Brasil não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções contra o país

Após irregularidades no processo de inscrições de candidaturas de oposição para as eleições presidenciais, o governo brasileiro se posicionou de forma crítica e recebeu resposta dura da Venezuela. Para embaixador, Brasil não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções contra o país

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante visita ao Palácio do Itamaraty durante reunião de presidentes dos países da América do Sul (Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil)

Por Rubens Barbosa*

No dia 23 de março encerrou-se o prazo das inscrições dos candidatos à eleição presidencial de 28 de julho na Venezuela, convocada em curto prazo para dificultar a campanha eleitoral dos oposicionistas. Declarada inelegível, Maria Corina Machado foi escolhida por todos os partidos de oposição a Maduro como a principal candidata contra o atual governo. A partir daí, fatos emblemáticos começaram a ocorrer: foram feitos prisioneiros os principais assessores de Corina e expulsos funcionários da ONU. 

Foram os principais acontecimentos que precederam o mais grave, ocorrido no dia do encerramento da inscrição dos candidatos. Desde o dia 18, quando foi aberto o registro, mais de dez candidatos oficialistas se apresentaram e registraram suas candidaturas. Na segunda, 25, último dia, Maduro, apoiado por 12 organizações que fazem parte de sua aliança, se registrou. 

‘Maria Corina seguiu o conselho de Lula e, sem chorar, indicou como sua substituta Corina Yoris’

Impossibilitada de concorrer por decisão da Justiça Eleitoral, dominada por Maduro, Maria Corina seguiu o conselho de Lula e, sem chorar, indicou como sua substituta Corina Yoris, professora universitária de 80 anos, sem militância política, mas ligada à oposição. Corina Yoris iria disputar a eleição pelos partidos PUD (Plataforma Unitária) e UNT (Um Novo Tempo). 

Para grande surpresa – ou melhor, sem grande surpresa -, a candidata não teve condições de registrar sua candidatura nem virtualmente nem presencialmente, por bloqueio do registro eleitoral. Foram feitas todas as tentativas de inserir os dados, e o sistema estava completamente fechado para poder entrar digitalmente. O órgão eleitoral, sob controle do regime chavista, não se pronunciou a respeito do assunto.

Era esperado que houvesse resistência para a inscrição da oposição, mas não dessa forma tão grosseira. Mesmo que, por alguma razão, consiga-se fazer o registro de Corina Yoris, o órgão eleitoral ainda precisa aprovar sua candidatura, por isso a lista definitiva de candidatos só deve estar disponível depois de abril. O mais curioso é que no último minuto antes do fechamento do período para inscrições, o sistema aceitou o décimo candidato para concorrer às eleições, o governador do estado petrolífero de Zulia, filiado ao UNT, Manuel Rosales, o que foi considerado uma traição por Corina Machado.

‘Diversos países expressaram grave preocupação com as irregularidades por meio de comunicado conjunto, com a omissão mais uma vez do Brasil’

Diversos países (sete) expressaram grave preocupação por meio de comunicado conjunto: Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, Costa Rica, Equador, Guatemala, com a omissão mais uma vez do Brasil.

Na terça-feira, 24, o Itamaraty emitiu nota em que, pela primeira vez, trata diretamente do assunto. Embora tímida, a nota afirma que, esgotado o prazo de registro das candidaturas para as eleições presidenciais venezuelanas, o governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral naquele pais. 

Com base nas informações disponíveis, observa que a candidata Corina Yoris, força política de oposição e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com o acordo de Barbados. O impedimento não foi até o momento objeto de qualquer explicação oficial. 

‘Declaração venezuelana é uma grave ofensa ao Itamaraty e não deveria ficar sem uma resposta dura da chancelaria brasileira’

O governo de Maduro no mesmo dia se manifestou de maneira violenta repudiando a nota do Itamaraty, considerada cinzenta e intervencionista, sugerindo que possivelmente teria sido “ditada pelo Departamento de Estado”, mas de outro lado elogiando a declaração atribuída a Lula, contra a imposição de sanções à Venezuela. Essa declaração venezuelana é uma grave ofensa ao Itamaraty e não deveria ficar sem uma resposta dura da chancelaria brasileira. Nenhuma das partes tem interesse em escalar a crise, como deixou claro o Ministério do Exterior venezuelano.

No dia 25 as autoridades eleitorais venezuelanas prorrogaram o prazo de inscrições de novos candidatos por 12 horas. O partido de oposição aproveitou para registrar Edmundo Gonzales, um nome pouco conhecido, como seu candidato, talvez com a intenção de substituí-lo, de acordo com as regras eleitorais, até o dia 18 de abril, o que abriria a possibilidade de esse candidato oposicionista ser substituído por Corina Yoris. Resta saber como o governo Maduro vai reagir, se isso acontecer.

Novos desdobramentos virão, mas o que tudo isso indica é que o governo Maduro prefere indicar os candidatos contra os quais deseja disputar as eleições, sem risco de perder. O governo brasileiro, que agora se pronunciou pela primeira vez, acompanhando os EUA, a Colômbia e a União Europeia, não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções norte-americanas, suspensas pelo acordo do Barbados na expectativa de eleições justas e transparentes, que poderão não ocorrer, se as violências praticadas até aqui continuarem até fim de junho.


*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental

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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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