Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
18 abril 2024

Seis meses de guerra em Gaza: Impactos regionais e diplomáticos

O conflito não apenas reacendeu o debate sobre a questão palestina, mas também reconfigurou a paisagem geopolítica do Oriente Médio, testando alianças, expondo vulnerabilidades e desafiando as estratégias diplomáticas das grandes potências globais

A cidade de Khan Younis destruída após a saída das forças de Israel (Foto: Themba Linden/Unocha)

A seis meses do início da atual guerra na Faixa de Gaza, o panorama revela um conflito de resultados mistos, embora profundamente transformadores para o tecido político e social da região. O embate entre Israel e Hamas, desencadeado pelo ataque de 7 de outubro, transcendeu as fronteiras físicas do conflito, influenciando a geopolítica regional e as relações internacionais de maneiras que, até então, pareciam inimagináveis.

Por um lado, a capacidade de resistência do Hamas frente ao poderio militar israelense, notavelmente mais prolongada do que qualquer guerra anterior travada por Israel contra o grupo, evidenciou uma vulnerabilidade na aura de invencibilidade das Forças de Defesa de Israel (IDF). Esta percepção alterou o status quo, reforçando a imagem do Hamas como uma força a ser reconhecida, não apenas localmente, mas também no palco internacional. O sucesso aparente do Hamas em sobreviver a esta ofensiva, e em alguns casos, em alcançar objetivos táticos, como a liberação de prisioneiros palestinos, certamente fortaleceu sua posição dentro do espectro político palestino, especialmente em contraste com a liderança do Fatah e da Autoridade Palestina, percebidas por muitos como ineptas ou colaboracionistas.

‘Os custos humanos e materiais para a população de Gaza têm sido devastadores’

Entretanto, os custos humanos e materiais para a população de Gaza têm sido devastadores. A destruição da infraestrutura de Gaza e as perdas humanas civis alimentaram um debate acirrado sobre a proporcionalidade e a ética da campanha militar israelense, com críticas internacionais apontando para um possível efeito contraproducente da estratégia adotada por Israel. Em nível internacional, a crise exacerbou tensões preexistentes, desafiando alianças e testando a capacidade de liderança de potências globais como os Estados Unidos, que se viram numa posição precária ao tentar equilibrar o apoio incondicional a Israel com a pressão por uma resolução pacífica.

A dinâmica regional do Oriente Médio sempre se caracterizou por sua complexidade e volatilidade, aspectos que foram acentuados pelo recente conflito na Faixa de Gaza. A guerra não apenas desafiou a soberania e a segurança de Israel mas também reverberou através do tecido geopolítico da região, afetando alianças, realinhando poderes e destacando as fragilidades de estratégias diplomáticas previamente consideradas robustas.

‘A interrupção do processo de normalização das relações entre Israel e alguns estados árabes representa um retrocesso significativo na busca por estabilidade e paz na região’

A interrupção do processo de normalização das relações entre Israel e alguns estados árabes, um movimento simbolizado pelos Acordos de Abraão, representa um retrocesso significativo na busca por estabilidade e paz na região. Estes acordos, celebrados com grande otimismo, sinalizavam um afastamento das décadas de isolamento diplomático de Israel no Oriente Médio, promovendo a cooperação econômica e a segurança compartilhada. Contudo, o ressurgimento do conflito com o Hamas colocou um freio nessa evolução, gerando cautela entre os países árabes que consideravam seguir o exemplo de Emirados Árabes Unidos e Bahrein.

Especificamente, as relações entre a Arábia Saudita e Israel, que pareciam estar se aquecendo em direção a um acordo semelhante, sofreram um resfriamento notável. A Arábia Saudita, um líder inconteste no mundo árabe sunita, encontra-se agora em uma posição delicada, tendo que equilibrar seu desejo de contrapor a influência iraniana na região e de promover a modernização econômica interna com a necessidade de manter a legitimidade aos olhos de sua população e do “mundo árabe” em geral, que ainda vê a questão palestina como central.

‘O cenário propiciou uma janela de oportunidade para atores como o Irã e a Rússia, que viram suas influências na região potencialmente ampliadas’

Este cenário propiciou uma janela de oportunidade para atores como o Irã e a Rússia, que viram suas influências na região potencialmente ampliadas. O Irã, em particular, aproveitou-se do conflito para solidificar sua posição como defensor dos palestinos, ao mesmo tempo que desafia a presença americana e israelense. Ao fornecer apoio militar e financeiro a grupos como o Hamas, Teerã busca expandir sua esfera de influência e projetar poder, complicando ainda mais as tentativas de estabilização regional.

Do lado russo, o interesse em se posicionar como um mediador confiável e um poder influente no Oriente Médio foi claramente evidenciado. A Rússia tem se aproveitado da percebida retração dos Estados Unidos na região para estreitar laços com países-chave, propondo-se como uma alternativa aos alinhamentos tradicionais. A crise em Gaza deu a Moscou uma nova plataforma para demonstrar sua disposição e capacidade de atuar como um ator estabilizador, embora seus interesses nem sempre coincidam com uma resolução pacífica de longo prazo.

Por outro lado, a posição da China, que tentou manter uma política de equidistância diplomática, buscando parcerias econômicas sem envolver-se profundamente nas complexidades políticas, encontrou limites claros. A crise revelou a dificuldade de manter uma abordagem puramente econômica em uma região onde política e segurança são intrinsecamente interligadas. O fracasso em mediar um acordo duradouro entre a Arábia Saudita e o Irã, exposto pela fragilidade desse pacto diante do conflito em Gaza, ilustra as limitações de uma estratégia que busca ser agradável a todos, mas que acaba por não satisfazer as exigências de segurança e soberania das nações envolvidas.

‘Repercussões do conflito serão sentidas por muito tempo, exigindo uma recalibração das políticas e uma reflexão profunda sobre o caminho a seguir para a paz e estabilidade na região’

Em suma, o conflito na Faixa de Gaza não apenas reacendeu o debate sobre a questão palestina, mas também reconfigurou a paisagem geopolítica do Oriente Médio, testando alianças, expondo vulnerabilidades e desafiando as estratégias diplomáticas das grandes potências globais. O resultado dessa complexa dinâmica regional ainda está por ser totalmente compreendido, mas é evidente que suas repercussões serão sentidas por muito tempo, exigindo uma recalibração das políticas e uma reflexão profunda sobre o caminho a seguir para a paz e estabilidade na região.

À medida que a guerra avança e não podemos vislumbrar um cessar-fogo duradouro, emergem questões cruciais sobre o futuro da região e a viabilidade de soluções de longo prazo para o conflito israelense-palestino. A guerra na Faixa de Gaza não apenas reacendeu o debate sobre a legitimidade e os direitos dos palestinos à autodeterminação, mas também expôs a fragilidade de um status quo que muitos consideravam gerenciável, se não ideal.

‘A janela para uma solução de dois Estados, vista por muitos como a resolução justa para o embate entre dois nacionalismos válidos, parece cada vez mais distante’

Olhando para a frente, a tarefa de reconstruir Gaza, de retomar as negociações de paz e de enfrentar as questões subjacentes que alimentam o conflito parece mais desafiadora do que nunca. A janela para uma solução de dois Estados, vista por muitos como a resolução justa para o embate entre dois nacionalismos válidos, parece cada vez mais distante. Sem alternativas claras no horizonte, a perspectiva de um conflito perene, corroendo ainda mais as sociedades israelense e palestina, é uma realidade sombria.

No entanto, o desespero não é uma opção política. A resiliência dos indivíduos e organizações, tanto israelenses quanto palestinos, que continuam a lutar pela paz, mesmo diante de obstáculos aparentemente insuperáveis, oferece um vislumbre de esperança. A solução para o conflito na Faixa de Gaza e suas implicações mais amplas para a região requer um compromisso renovado com o diálogo, a justiça e a humanidade. Enquanto o caminho para a paz permanece incerto, a necessidade de perseguir esse objetivo é mais clara do que nunca.

Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Tags:

Faixa de Gaza 🞌 Geopolítica 🞌 Guerra 🞌 Hamas 🞌 Irã 🞌 Israel 🞌

Cadastre-se para receber nossa Newsletter