19 abril 2024

Ataque para inglês ver

Ação do Irã contra Israel deixou o mundo em alerta por medo de uma escalada da guerra no Oriente Médio. Para embaixador, tudo não passou de uma operação combinada e sem grandes efeitos práticos, com foco no convencimento do público interno

Local atingido por ataque iraniano a Israel, sem deixar vítimas (Foto: IDF)

O mundo assistiu preocupado ao desenrolar do ataque do Irã ao território de Israel como represália ao ataque e destruição do consulado iraniano em Damasco, na Síria. A ameaça de uma escalada do conflito que envolvesse toda a região é real. O que ocorreu na prática foi uma operação militar combinada antecipadamente entre os principais atores.

O ataque iraniano não foi levado a efeito para causar danos físicos a Israel. Foi uma ação do Irã para restaurar a dissuasão com Israel após o incidente em Damasco e para mostrar força para seu público interno.

‘Na realidade tudo não passou de uma encenação’

Na realidade tudo não passou de uma encenação, previamente combinada por todas as partes, cada uma defendendo com forte linguagem sua posição contra as outras e todos torcendo para que a retaliação saísse como tinha sido combinado. 

O Irã avisou aos EUA, que avisou Israel (apoio inquebrantável), os aliados árabes, a França, a Inglaterra 72 horas antes do ataque, que iria iniciar a operação e teve de fazer um desmentido que não convenceu ninguém. 

Os mecanismos de defesa de Israel, dos EUA, da França, da Inglaterra e da Jordânia, no caminho do Irã até Israel, estavam alertados e atuaram destruindo grande parte dos drones e mísseis lançados contra o território israelense. 

O resultado foi o esperado, drones abatidos, pequenos danos em base do exército de Israel no norte do país, nenhuma morte. O Irã anunciou o fim da operação, Israel, reuniu o gabinete de guerra, mas não divulgou nenhuma decisão quanto a uma reação maior além de pequenos ataques a bases militares, talvez por pressão dos EUA, que demandam moderação e já anunciaram que não participarão de qualquer ação militar contra o Irã como retaliação.

O episódio do ataque do Irã ao território de Israel vai passar para a história com um exemplo de fake News geopolítico…

Na realidade, o que todo o episódio representou?

  • Confirmação de que a ninguém interesse uma escalada militar no Oriente Médio, que saia do controle dos principais atores (Israel, Irã, EUA, países árabes)
  • O show dos drones e mísseis nos céus do Oriente Médio foi mais um exercício de pirotecnia do que de um ato de guerra do Irã, embora pela primeira vez o ataque tenha partido também do território iraniano. Os drones e mísseis saíram também do Líbano, da Síria, do Iraque, do Iêmen contra o norte de Israel, como vem ocorrendo a algum tempo
  • Todos os principais envolvidos (EUA, Israel, potências ocidentais, países árabes) estavam informados de tudo 72 horas antes do ataque
  • Os danos físicos e humanos foram mínimos, como esperado. (99% dos drones e mísseis foram destruídos) 
  • O sistema de defesa de Israel, testado, funcionou a contento
  • Do ponto de vista de Israel, o ataque ao consulado iraniano na Síria foi um golpe de mestre em termos estratégico porque tirou, por um tempo, o foco da atenção mundial sobre Gaza e colocou sobre o Irã. Além de ter demonstrado a eficiência de seu sistema defensivo e apoio incondicional do Ocidente, apesar das restrições sobre o uso da força militar em Gaza contra os civis, em especial mulheres e crianças.
  • Do ponto de vista do Irã, mostrou sua força e disposição para atacar seu maior inimigo, Israel, com uma pequena amostra de seu poderio. Mostrou que quer ser visto como uma potência regional.
  • Os EUA, informados de tudo, conseguiram operar e reduzir o grau de violência do Irã, conter o ímpeto de revanche de Israel e evitar uma escalada militar fora de controle no Oriente Médio.
  • China e Russia, não só não condenaram o ataque, mas apoiaram o Irã, contra os EUA
  • A ONU, continuou a mostrar a pouca relevância da organização para conter as ameaças à paz e à segurança globais
  • No Brasil, a manifestação oficial do Itamaraty serviu para mostrar o desequilíbrio nas suas manifestações externas: condenou o ataque de Israel ao consulado iraniano da Síria, mas evitou condenar o Irã pelo ataque a Israel

Passado o ataque para inglês ver, persistem duas dúvidas, relacionadas com a escalada ou não das hostilidades: (a) como vai ser a reação de Israel ao ataque iraniano, em função das pressões políticas internas contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sem a participação dos EUA e (b) se Israel vai levar adiante o ataque a Rafah, no sul de Gaza, como reafirmado por Netanyahu, apesar das restrições do governo dos EUA e da pressão da opinião pública mundial.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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