13 junho 2024

Brasil aparece como centro do mundo no novo mapa-múndi do IBGE

Rúbia Morato e Daniel Buarque comentam o novo mapa, anunciado em evento na Casa G20, que está à venda e deve constar nos atlas escolares

Por divergir da projeção habitual, o mapa gerou discussão nas redes sociais (Imagem: Reprodução/Agência de Notícias do IBGE)

Por J. Perossi

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, anunciou um novo mapa-múndi oficial em evento na Casa G20, no Rio de Janeiro. Polêmico, o novo mapa coloca o Brasil no centro do mundo, não mais a Europa e o meridiano de Greenwich, e traz algumas outras novidades no campo geopolítico, como representar a Palestina como território independente e as Ilhas Malvinas como Argentinas. Por divergir da projeção habitual, o mapa gerou discussão nas redes sociais, com pessoas argumentando que o mapa anterior era melhor por não cortar países ou colocar o fuso horário zero no centro. Mas, conforme explica Rúbia Morato, professora de Cartografia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, não existe mapa objetivamente pior ou melhor, pois toda representação cartográfica apresenta alguma distorção: 

“A superfície da Terra é curva e, para representá-la nos mapas, que são planos, utilizamos as projeções cartográficas, que fazem a equivalência entre a superfície tridimensional do globo terrestre e a superfície bidimensional do mapa. Nesse processo, é possível preservar algumas características, mas sempre haverá algo que será distorcido”. 

A projeção mais habitual é a de Mercator, que mantém as formas dos territórios intactas, mas distorce bastante o tamanho dos países mais longe da linha do Equador. Outra projeção cartográfica muito utilizada nos mapas-múndi é a de Gall-Peters, que mantém o tamanho dos territórios intactos, mas distorce bastante os contornos dos continentes. A projeção elaborada pelos geógrafos do IBGE é mista e busca um equilíbrio entre distorção da forma, tamanho e ângulos.

A política dos mapas

A professora explica que o planeta é esférico, sua superfície não possui centro, portanto, a escolha de qual país será representado no meio e ganhará destaque e é política: “Do ponto de vista geopolítico, os mapas podem ser utilizados como instrumentos geoestratégicos de consolidação de uma visão de mundo que atenda aos interesses de um povo ou de uma nação. Nesse processo, pode inviabilizar a existência de um outro povo, reduzir o seu território e a sua importância”, expõe Rúbia.

Nesse sentido, colocar o Brasil no centro do mundo nos atlas escolares demonstra uma preocupação em ensinar as crianças a pensar o mundo na perspectiva do próprio povo e não se render a visões eurocêntricas e cair na armadilha de achar que o Brasil é um país inferior ao norte global. 

Política externa

Daniel Buarque, pesquisador do Instituto de Relações Públicas da Universidade de São Paulo, nos explica que essas novidades do mapa refletem a política internacional que o Itamaraty pratica há anos. “Especialmente em relação à Palestina, desde 2010 o Brasil já reconhece a Palestina como Estado, e desde então defende que a ONU dê espaço para uma discussão sobre o reconhecimento do território como palestino. É um aceno simbólico de algo que o Brasil já faz “, expõe Buarque.

Reconhecer as Maldivas como argentinas e o Taiwan como um território chinês demonstra um alinhamento do Brasil com os parceiros do Brics e do sul global. O pesquisador desenvolve: “O Brasil tem esse interesse, especialmente desde a chegada de Lula ao poder, em olhar para o mundo nas relações com todos os países e não só com os países do Ocidente, os Estados Unidos, Europa. Nesse sentido, reconhecer que as Malvinas são parte da Argentina é uma forma de mostrar que o Brasil não vai ficar cedendo para essa visão de mundo eurocêntrica e vai pensar a partir da relação com outros países, especialmente os países tão próximos e parceiros tão importantes como a Argentina”. 

Mas é preciso ter cuidado com essa ideia: o Brasil não busca uma oposição aos países tidos como desenvolvidos, e sim busca uma relação de igualdade e cooperação nas suas relações internacionais: “É muito importante a gente não pensar que um apoio ao sul global é uma oposição ao Ocidente. Não alinhamento não é necessariamente se colocar contrário. É claro que o Brasil não está alinhado com o pensamento puramente ocidental, mas isso quer dizer que ele só está criando conversas, entrando em contato com os países de uma forma mais equilibrada”, conclui Daniel Buarque.


*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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