O avanço da direita na Europa
Embora tenha mantido a maioria no Parlamento, os partidos de centro viram conservadores, populistas, a direita radical e a extrema-direita crescer e ocupar um espaço significativo, nunca antes conseguido
As eleições de domingo passado para o Parlamento Europeu trouxeram uma tempestade política para muitos dos países da União Europeia. Da Itália à Dinamarca, da Áustria aos Países Baixos.
Embora retendo a maioria no Parlamento, os partidos de centro viram conservadores, populistas, a direita radical e a extrema-direita crescer e ocupar um espaço significativo, nunca antes conseguido.
As razões desse crescimento da direita podem estar relacionadas com uma onda anti-imigração, com a insegurança da população (ataques recentes aos premiês da Dinamarca e da Sérvia), pela queda do poder de compra, pelos excessos das medidas de meio ambiente e pela guerra da Ucrânia, entre outros, explorados pelos nacionalistas e populistas.
A direita nacionalista e radical avançou em muitos países e vai tentar unificar-se para ampliar seu poder de influência. Apesar de parte dessa direita pregar a saída da União Europeia em defesa dos interesses soberanos de seus países, dificilmente esse movimento anti-Europa vai prosperar em vista das notórias dificuldades do Reino Unido depois de sair da UE.
Haverá tentativas para mudar algumas regras e tendências, como as restrições ambientais, segundo os interesses da direita. Outro movimento que deve ser notado é a baixa votação do partido verde que perdeu espaço no Parlamento.
Na contramão do avanço da direita na Europa, nos países nórdicos, quem ganhou espaço foi a esquerda democrática.
As reverberações políticas foram mais intensas na França e na Alemanha. Na Bélgica, o primeiro-ministro renunciou. O crescimento da direita, evidenciada na eleição para o Parlamento Europeu certamente terá influência na política interna na maioria dos países do velho continente.
Na França, o presidente Macron foi humilhado pela direita de Marine Le Pen, cujo partido conseguiu o dobro dos votos do partido de Macron. O presidente francês reagiu de imediato, dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições gerais para o fim do mês. O voto plebiscitário, anti-governo, poderá ser ainda mais dramático para Macron, desgastado e com problemas na economia francesa. As pesquisas já mostram que Le Pen poderá ganhar as eleições, e Macron terá uma coabitação difícil com a direita no restante de seu governo.
Na Alemanha, o partido AIF, de extrema-direita, que alguns qualificam de simpatizantes do nazismo, tornou-se a segunda força política, depois dos socialistas, SPD, partido do chanceler Scholtz que sai afetado dessa eleição.
A atual presidente do Conselho da União Europeia, Ursula von der Leyen, celebrou a maioria centrista e disse que essa força política vai continuar defendendo no Parlamento Europeu o fortalecimento da UE e vai atuar contra os extremistas da direita e da esquerda. Candidata à reeleição, Leyen saiu fortalecida, já que seu partido, Partido Popular Europeu, de centro-direita ganhou assentos e agora precisa de apoio de líderes nacionais da UE e de uma maioria no Parlamento. Como os socialistas, liberais e verdes declararam que não apoiarão a extrema-direita, a formação de maioria demandará negociações delicadas, com os que se declaram pro-europeus, pro-Ucrânia e pro-Estado de Direita.
A eventual reeleição de Leyen poderá ter implicação positiva sobre as negociações do Mercosul com a UE. Ao contrário das análises negativas sobre a perspectiva de rejeição do acordo com o crescimento da direita, caso consiga se reeleger, Ursula van der Leyen deverá ser um fator positivo para a finalização do acordo Mercosul-UE, à luz de suas declarações públicas favoráveis à conclusão e aprovação do acordo.
A tempestade eleitoral com o crescimento da direita ocorre no momento em que se verifica uma gradual perda de peso econômico e político da Europa para os EUA e a Ásia no cenário internacional. Dependendo do resultado da eleição presidencial nos EUA em novembro, essa situação poderá ser ainda mais agravada.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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