Conselho de Política Externa e o Itamaraty
É importante que o debate avance para que possa ser criado um fórum de discussão sobre a política externa brasileira, de caráter consultivo, não vinculado nem à Presidência da República nem ao Itamaraty diretamente
A sugestão para a criação, no Brasil, de um Conselho de Política Externa foi, pela primeira vez, mencionada na Conferência Nacional sobre Política Externa, realizada na Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo em 2013. Nessa oportunidade, foi formalizada a proposta ao então ministro Antônio Patriota. Segundo se informa, a proposta teria sido levada para consideração do Palácio do Planalto.
Embora não tendo sido levada adiante, a ideia continuou a ser apoiada pelo Grupo de Reflexão em Relações Internacionais e pela Rede Brasileira de Integração dos Povos, que sugerem ter chegado o momento de retomar a ideia para, agora, ampliar ainda mais o debate por um Conselho que reflita a diversidade e a experiência internacional da sociedade brasileira.
Desde o início dos governos do PT, em 2003, o governo estimulou a criação de conselhos nacionais em setores de maior relevância social. Vários conselhos nacionais foram criados com o objetivo, entre outros, de controlar ou, pelo menos, influir sobre os tomadores de decisão e a própria burocracia profissional de cada um dos setores, visando preferentemente àqueles com maior interface social.
Não se pode, contudo, ignorar a determinação legal segundo a qual esses conselhos de participação existem apenas para tratar de políticas públicas. A política externa e a política de defesa respondem a princípios constitucionais e não podem ficar na dependência de decisões tomadas sem levar em conta os objetivos nacionais de médio e longo prazos. Ambas são políticas de Estado, que não podem ficar submetidas a considerações de natureza político-partidárias ou ideológicas.
Em um governo de união e reconstrução, como o atual, não se pode aceitar e aprovar, sem ajustes dos novos tempos, propostas apresentadas há 20 anos, quando o governo foi legitimamente organizado a partir de um partido, vencedor da eleição. Os tempos são outros, e o consenso e a observância dos princípios legais devem ser respeitados por todos.
A proposta da criação de um Conselho de Política Externa, integrado por membros da Academia, de think tanks, do setor empresarial, é positiva e deveria ser discutida para ampliar o debate da sociedade civil sobre a inserção externa do Brasil, suas oportunidades e seus desafios.
Seria importante que esse debate avançasse para que possa ser criado um fórum de discussão sobre a política externa brasileira, de caráter consultivo, não vinculado nem à Presidência da República nem ao Itamaraty diretamente. As reuniões desse fórum poderiam ser apoiadas pela Fundação Alexandre de Gusmão, do Itamaraty. O fórum poderia ser integrado por think tanks especializados em política internacional, política externa, comércio exterior, meio ambiente, direitos humanos e outras áreas que tivessem interesse na área externa.
O Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil, seja no âmbito bilateral, seja nos organismos multilaterais.
Nos últimos 30 anos, o Itamaraty vem perdendo espaço no contexto dos sucessivos governos por razões de política interna e mudanças externas. Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente, a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado brasileiro, afetam a credibilidade e dificultam a atuação do Ministério das Relações Exteriores
A criação de um Conselho de Política Exterior nos moldes sugeridos adicionaria mais um fator de esvaziamento do Itamaraty, contrário ao interesse nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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