14 outubro 2024

Um ano após 7 de outubro

O balanço deste último ano mostra que, apesar dos esforços militares e de segurança, Israel enfrenta desafios complexos e crescentes no campo da opinião pública, da diplomacia e da estabilidade interna

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no Gabinete do Primeiro-Ministro em Jerusalém (Foto: Divulgação/GPO)

Um ano após o ataque de 7 de outubro, que marcou o pior massacre de judeus desde o Holocausto, Israel e o mundo ainda estão lidando com as consequências devastadoras desse evento. O ataque, realizado pelo Hamas, abalou profundamente a sociedade israelense e expôs vulnerabilidades tanto no campo militar quanto no diplomático. O impacto não foi sentido apenas no número de vítimas e na destruição material, mas também no colapso da imagem de Israel no cenário internacional, especialmente no Ocidente. O balanço deste último ano mostra que, apesar dos esforços militares e de segurança, Israel enfrenta desafios complexos e crescentes no campo da opinião pública, da diplomacia e da estabilidade interna.

Militarmente, Israel lançou uma série de operações contra seus inimigos, incluindo a eliminação de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah. Este foi um golpe significativo para a organização terrorista, comemorado não só em Israel, mas em outras partes do Oriente Médio, onde a influência de Nasrallah era vista com temor. Países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos expressaram seu alívio, esperando que esse evento pudesse marcar uma mudança na ordem regional. No entanto, apesar dessas vitórias no campo de batalha, o cenário geral continua sombrio.

‘O ataque iraniano que se seguiu à morte de Nasrallah mostrou que a escalada de tensões ainda está longe de ser resolvida, e que a situação na região permanece volátil’

O ataque iraniano que se seguiu à morte de Nasrallah mostrou que a escalada de tensões ainda está longe de ser resolvida, e que a situação na região permanece volátil. Além disso, internamente, o governo israelense, liderado por Benjamin Netanyahu, não conseguiu transformar essas vitórias militares em avanços diplomáticos significativos. Ao invés disso, o governo tem sido criticado por sua falta de um plano claro para uma solução diplomática ou de um acordo que ponha fim à crise dos reféns e à instabilidade em Gaza e no Líbano.

Outro aspecto crucial no balanço deste último ano é a deterioração da imagem de Israel no Ocidente. O ataque de 7 de outubro deveria ter gerado solidariedade internacional com Israel, mas o que se viu foi uma reação morna, com críticas crescentes à condução do governo Netanyahu e à falta de uma resposta coordenada e eficaz no campo das relações públicas. 

Enquanto Israel celebrava a morte de Nasrallah como uma grande vitória contra o terrorismo, a mídia ocidental o retratava de forma quase romântica, destacando aspectos triviais de sua vida pessoal e seus feitos políticos. Artigos em grandes jornais europeus, como Le Monde e Le Parisien, descreveram Nasrallah como um “líder carismático”, minimizando suas ações violentas e seu papel no genocídio sírio e nos ataques a soldados ocidentais.

‘Em vez de ser visto como uma democracia resiliente lutando contra o terrorismo, Israel passou a ser retratado como uma potência autoritária e fundamentalista no Oriente Médio’

Esse contraste entre a percepção de Israel e a narrativa adotada no Ocidente revela uma derrota significativa no campo da opinião pública. Durante todo este ano, Israel falhou em criar uma narrativa contra a crescente simpatia por figuras como Nasrallah e a crítica generalizada à política israelense. A abordagem do governo, centrada em “vitória total” e em políticas internas polarizadoras, como a controversa reforma judicial, contribuiu para a erosão da sua imagem internacional. Em vez de ser visto como uma democracia resiliente lutando contra o terrorismo, Israel passou a ser retratado como uma potência autoritária e fundamentalista no Oriente Médio.

Essa situação se agravou ainda mais com a falta de uma estratégia diplomática clara. Netanyahu e sua coalizão não têm conseguido apresentar um plano de saída para os impasses em Gaza e no Líbano. A falta de avanços em negociações de reféns, combinada com a recusa em buscar uma solução diplomática mais ampla para os conflitos, isolou ainda mais Israel no cenário internacional. Em vez de buscar aliados e promover diálogos, a postura do governo tem sido de confrontação, o que, inevitavelmente, prejudica as relações de Israel com o Ocidente e fortalece a narrativa de seus adversários.

‘A batalha pela opinião pública e pela diplomacia é igualmente crucial, e Israel precisa reconhecer que o isolamento internacional pode ter consequências devastadoras para sua posição no mundo e para a paz regional’

Olhando para este um ano após o ataque de 7 de outubro, é evidente que Israel precisa de uma mudança de estratégia. Embora as vitórias militares sejam importantes, elas sozinhas não são suficientes para garantir a segurança e a estabilidade a longo prazo. A batalha pela opinião pública e pela diplomacia é igualmente crucial, e Israel precisa reconhecer que o isolamento internacional pode ter consequências devastadoras para sua posição no mundo e para a paz regional.

Se o governo Netanyahu continuar a ignorar a importância de uma narrativa internacional forte e de uma diplomacia eficaz, o risco é que Israel se veja cada vez mais isolado, tanto no campo militar quanto no diplomático. 

As vitórias no campo de batalha devem ser acompanhadas por uma estratégia que envolva a comunidade internacional, promova soluções diplomáticas viáveis e reforce a imagem de Israel como uma nação democrática e defensora dos direitos humanos no Oriente Médio. Caso contrário, o próximo ano pode trazer não apenas mais desafios, mas também o aprofundamento da crise que Israel enfrenta desde o trágico 7 de outubro.

Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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