09 janeiro 2023

Democracia sob ataque no Brasil: 5 questões sobre a tomada do Congresso e o papel dos militares

Ataques golpistas em Brasília indicam que o país está em uma encruzilhada após quatro anos de retrocesso democrático sob Bolsonaro. Em entrevista, o historiador Rafael Ioris diz que houve uma tentativa de golpe no Brasil, mas que o país pode estar vivendo um ponto de virada, mas que será fundamental que Lula tenha a capacidade de lidar com os elementos antidemocráticos entre os militares

Ataques golpistas em Brasília indicam que o país está em uma encruzilhada após quatro anos de retrocesso democrático sob Bolsonaro. Em entrevista, o historiador Rafael Ioris diz que houve uma tentativa de golpe no Brasil, mas que o país pode estar vivendo um ponto de virada, mas que será fundamental que Lula tenha a capacidade de lidar com os elementos antidemocráticos entre os militares

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto (Foto: Agência Brasil)

Por Rafael R. Ioris*

Milhares de apoiadores de extrema direita do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal e o palácio presidencial do país em 8 de janeiro de 2023.

Em imagens semelhantes às do ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos, os manifestantes foram vistos atacando e espancando a polícia enquanto violavam o perímetro de segurança dos edifícios.

Isso ocorre semanas depois que Bolsonaro foi derrotado em uma eleição que viu o retorno do ex-presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. The Conversation pediu a Rafael Ioris, especialista em política brasileira da Universidade de Denver, que explicasse o significado do ataque e o que poderia acontecer a seguir.

Pergunta – Quem estava por trás do ataque ao Congresso brasileiro?

Rafael Ioris – O que vimos foram milhares de partidários hardcore de Bolsonaro – aqueles que compartilham sua agenda de extrema-direita – tentando resolver a questão política por conta própria após a recente eleição.

Embora Bolsonaro não estivesse na capital no momento do ataque – ele estava na Flórida –, acredito que ele seja o responsável final pelo ocorrido. Enquanto esteve no poder, incentivou a desconfiança nas instituições políticas, defendendo o fechamento do Congresso e atacando o Supremo Tribunal Federal – duas das instituições visadas pelos manifestantes.

Outros também estavam por trás do que aconteceu. Os protestos acontecem há semanas, e há grandes financiadores das manifestações, como grandes latifundiários e grupos empresariais que ajudaram a pagar a passagem de ônibus de milhares de apoiadores de Bolsonaro para a capital, Brasília.

E depois há o papel dos militares. Militares de destaque apoiam a agenda de extrema direita de Bolsonaro há muito tempo e, mesmo recentemente, demonstraram apoio total a várias manifestações pró-golpe que aconteceram em diferentes partes do país antes do ataque.

A falta de segurança que impedia o assalto a instituições-chave na capital também me leva a perguntar: foram negligentes ou foram cúmplices?

Pergunta – Você pode elaborar um pouco mais sobre o papel dos militares?

Rafael Ioris – A segurança nas ruas não é uma responsabilidade das Forças Armadas, mas o apoio contínuo dos militares à agenda de Bolsanaro ajudou a dar legitimidade para tais opiniões entre os membros da Polícia Militar estadual. E era a Polícia Militar a incumbida de conter as manifestações em Brasília.

Os manifestantes pró-Bolsonaro exigem uma intervenção militar para derrubar o que afirmam – sem provas – ser uma eleição fraudulenta que levou Lula ao poder.

A esperança deles é que os militares de alto escalão – muitos dos quais expressaram apoio a Bolsonaro e simpatia pelos acampamentos de protesto que foram montados perto das bases do Exército – apoiem a pressão para derrubar Lula.

O Brasil tem uma longa história de Forças Armadas que não aceitam o governo civil. O último golpe militar foi em 1964. Claro, as circunstâncias são diferentes agora – quando no calor da Guerra Fria, o golpe foi apoiado por governos externos, incluindo os EUA.

Bolsonaro cultivou laços estreitos com os militares brasileiros, transferindo militares importantes para cargos no governo. Generais de direita amigos de Bolsonaro viraram ministros da Defesa, chefe de governo e até ministro da Saúde no auge da crise de Covid-19. Além disso, estima-se que cerca de 6.000 militares da ativa receberam empregos em cargos não militares no governo nos últimos anos.

Alguns generais da Marinha e da Aeronáutica, especialmente, têm apoiado os protestos. Desde a eleição, houve generais proclamando que as manifestações exigindo intervenção militar eram legítimas.

Acho justo dizer que segmentos das Forças Armadas do Brasil estavam encorajando o que aconteceu.

Mas quando chegou a hora, as Forças Armadas ficaram quietas. Os militares podem ter alimentado o protesto, mas quando surgiu a ideia de um golpe tradicional – tanques nas ruas – isso simplesmente não aconteceu.

Pergunta – Então você caracterizaria isso como uma tentativa de golpe?

Rafael Ioris – Essa é uma questão central. À medida que os eventos se desenrolavam em 8 de janeiro, parecia mais um protesto que se tornou violento e fora de controle  – o nível de destruição dentro de alguns dos edifícios atesta isso.

Mas demorou semanas para ser feito e foi bem financiado, com centenas de ônibus pagos para levar os apoiadores de Bolsonaro à capital. E o objetivo expresso de muitos manifestantes era a intervenção militar. Então, nesse sentido, eu diria que é mais parecido com uma tentativa de golpe.

Pergunta – O que o ataque diz sobre a democracia no Brasil?

Rafael Ioris – O Brasil está em uma encruzilhada. A Presidência de Bolsonaro viu o país retroceder na democracia, pois a confiança nas instituições foi corroída sob ataque do próprio presidente e através de escândalos de corrupção. E quase metade do país votou nele, apesar de seu histórico de minar a democracia. Mas a eleição de Lula parece indicar que os eleitores querem ainda mais reconstruir as instituições democráticas do país após quatro anos de ataque de Bolsonaro.

Portanto, este pode ser um ponto de virada. A mídia no Brasil tem se manifestado fortemente na denúncia das ações dos manifestantes. Nos próximos dias e semanas haverá investigações sobre o que aconteceu e, com sorte, algum grau de responsabilização. O que será fundamental é a capacidade de Lula de lidar com os elementos antidemocráticos entre os militares.

Pergunta – As comparações com o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA são válidas?

Rafael Ioris – O trumpismo e o bolsonarismo compartilham uma narrativa de eleições roubadas, com partidários vindos da direita que apóiam questões como direitos de armas e estruturas familiares tradicionais.

Uma diferença importante é o papel dos militares. Embora ex-militares estivessem no ataque de 6 de janeiro em Washington, DC, as principais figuras militares dos EUA o condenaram. Tampouco era o objetivo nos EUA ver uma intervenção militar, ao contrário do ataque de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Mas há paralelos claros – em ambos vimos grupos e indivíduos poderosos de extrema-direita se recusam a aceitar a direção de um país e tentam invadir as instituições de poder.

Agora estou me perguntando se também haverá paralelos no que acontece após o ataque.

Nos Estados Unidos, as autoridades fizeram um bom trabalho punindo muitas pessoas envolvidas. Não tenho certeza se veremos o mesmo no Brasil, pois eles podem precisar enfrentar grupos poderosos dentro das forças militares e policiais em todo o país. Assim, os atores democráticos dentro e fora do município serão essenciais para apoiar a tarefa de defesa da democracia no Brasil.


*Rafael R. Ioris é professor de história moderna da América Latina na University of Denver


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Daniel Buarque é editor-executivo do portal Interesse Nacional. Pesquisador no pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP), doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de livros como "Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities" (Palgrave Macmillan), "Brazil, um país do presente" (Alameda Editorial), "O Brazil é um país sério?" (Pioneira) e "o Brasil voltou?" (Pioneira)

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