13 março 2024

Estudo revela fatores que influenciam a baixa vacinação de crianças contra Covid-19 no Brasil

Resultados revelam que a escolha de vacinar crianças contra o coronavírus estava mais associada a fatores comportamentais do que sociodemográficos. A decisão foi mais influenciada pelas preferências políticas e os hábitos de exposição à mídia: adultos que consideravam o governo Bolsonaro como ‘ótimo’ tinham 20% menos chances de terem vacinado seus filhos que os que o julgavam como ‘péssimo’

Resultados revelam que a escolha de vacinar crianças contra o coronavírus estava mais associada a fatores comportamentais do que sociodemográficos. A decisão foi mais influenciada pelas preferências políticas e os hábitos de exposição à mídia: adultos que consideravam o governo Bolsonaro como ‘ótimo’ tinham 20% menos chances de terem vacinado seus filhos que os que o julgavam como ‘péssimo’

O então secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz aplica a primeira dose da vacina contra Covid-19 em crianças no Rio de Janeiro (Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil)

Por Wladimir Gramacho*

Apesar de o Brasil ser conhecido mundialmente por campanhas de vacinação de sucesso desde a década de 1970, com alta cobertura vacinal e erradicação de doenças, a jornada do país para vacinar crianças contra a Covid-19 tem sido árdua.

Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, o ciclo completo da vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade é significativamente menor do que o da população geral brasileira (56% contra 84%).

O Brasil enfrentou a pandemia durante o governo do principal líder político antivacina do país, que contribuiu para ampliar a circulação de informações incorretas e de teorias da conspiração sobre as vacinas contra a Covid, inclusive a recomendada para crianças.

Um estudo feito por integrantes do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS/UnB) e recém-publicado pela revista Vaccine, buscou entender o que leva pais, mães e responsáveis a não vacinarem crianças contra a doença em questão.

Para identificar os fatores que influenciam a decisão de imunizar crianças contra a Covid, aplicamos um questionário on-line, em maio de 2022, a 1.872 brasileiros e brasileiras. Essa amostra possui cotas de gênero, idade, região e classe social, e representa adequadamente a população do país com acesso à internet. A programação do questionário e a coleta de dados ficou a cargo do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD).

Nossos resultados revelam que a escolha de vacinar crianças contra o coronavírus estava mais associada a fatores comportamentais do que sociodemográficos. Isso quer dizer que a decisão foi mais influenciada pela atitude dos pais, mães e responsáveis do que suas características físicas ou condições sociais, como gênero, faixa etária, escolaridade e renda. Essa descoberta vai além dos achados em estudos comuns de epidemiologia sobre hesitação vacinal, que normalmente investigam fatores sociodemográficos.

Especificamente, esses fatores comportamentais dizem respeito ao status de vacinação contra Covid-19 dos próprios pais, mães e tutores, suas preferências políticas, seu consumo de mídia e sua ambivalência — isto é, o nível de sentimentos conflitantes — em relação à escolha de vacinar os filhos.

Ambivalência, política e mídia

Em nossa amostra, 68,5% dos pais, das mães e dos responsáveis questionados haviam vacinado seus filhos entre 5 e 11 anos de idade contra a Covid-19, com pelo menos uma dose. O que quer dizer que quase um terço desses adultos optaram por não iniciar o ciclo de vacinação de suas crianças.

Para entender melhor o que os levou a tomar essa decisão, uma série de perguntas foi feita. O primeiro fator decisivo que investigamos foi o nível de ambivalência em relação à escolha de vacinar ou não os filhos contra a Covid.

Observamos que pouco mais da metade de pais, mães e responsáveis, cerca de 56%, expressou baixa ambivalência, com pontuação inferior a 0,5 – numa escala que ia de 0 a 1. Em outras palavras, a maioria apresentou reduzido nível de “conflito” quanto à decisão.

Entretanto, cerca de 5% dessas pessoas se encontravam no valor mais alto da medida de ambivalência, conforme a imagem abaixo. Ao todo, 44% dos entrevistados expressaram níveis moderados ou altos de ambivalência ao tomar a decisão de vacinar seus filhos.

O próximo determinante de comportamento que analisamos diz respeito às preferências políticas de pais, mães e responsáveis. Solicitamos aos entrevistados que julgassem o desempenho do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e descobrimos que essa avaliação foi o fator mais fortemente associado à ambivalência.

Aqueles que julgavam o governo de Bolsonaro como “ótimo”, em comparação com aqueles que o viam como “péssimo”, por exemplo, tinham uma ambivalência 0,15 maior na escala de 0 a 1. Ou seja, quem avaliava positivamente o governo de Bolsonaro possuía maior nível de sentimentos conflitantes quanto à escolha de vacinar os filhos.

Nosso modelo também mediu a associação entre ambivalência vacinal e a exposição a diferentes plataformas de mídia social (YouTube, Facebook e Instagram), a aplicativos de mensagens (WhatsApp e Telegram) e à mídia tradicional. Aqui, tivemos duas descobertas importantes. Em primeiro lugar, a maior exposição a mídias sociais e aplicativos de mensagens não se mostrou associada à maior ambivalência. Entretanto, a exposição à mídia tradicional, sim, registrou efeitos, mas divergentes segundo o veículo.

Telespectadores assíduos do Jornal da Record (TV Record) tinham uma ambivalência 0,08 maior que as pessoas que nunca viam esse programa, enquanto a audiência assídua do Jornal Nacional (TV Globo) registrava uma ambivalência vacinal 0,05 menor em comparação com os que nunca assistiam a esse programa. Em outro estudo, publicado na revista Opinião Pública há dois anos, já tínhamos mostrado como a cobertura desses dois telejornais divergiu em relação ao governo – o Jornal da Record mais favorável ao governo Bolsonaro que o Jornal Nacional.

Além da ambivalência em relação à decisão de vacinar as crianças, perguntamos a pais, mães e responsáveis se – efetivamente – tinham vacinado seus filhos. E descobrimos os fatores mais fortemente associados a essa decisão. Em primeiro lugar, o próprio histórico de vacinação de pais, mães e responsáveis está muito associado à vacinação das crianças. Adultos totalmente vacinados tinham 42% mais chances de vacinar filhos e filhas.

Isso mostra como a vacinação dos adultos pode ser uma chave importante para aumentar a vacinação de crianças. Já crianças vacinadas contra a gripe tiveram uma chance apenas 5% maior de também serem vacinadas contra o coronavírus, o que sugere uma baixa correlação entre o histórico de vacinação geral das crianças e a vacinação específica contra a Covid-19.

Novamente, as preferências políticas e os hábitos de exposição à mídia se mostraram também associados à decisão de vacinar as crianças. Mais especificamente, adultos que consideravam o governo Bolsonaro como “ótimo” tinham 20% menos chances de terem vacinado seus filhos que os que o julgavam como “péssimo”.

Em relação à mídia, a única variável estatisticamente significativa foi a exposição ao Jornal Nacional. Telespectadores assíduos desse programa tinham 10% mais chances de terem vacinado seus filhos e suas filhas em relação às pessoas que nunca viam o JN.

Por fim, a pesquisa ainda aponta que pais, mães e responsáveis evangélicos eram mais ambivalentes em relação à decisão de vacinar suas crianças. E pais, mães e responsáveis jovens (18 a 29 anos) e/ou pertencentes às classes econômicas D ou E também tinham menor chance de terem imunizado seus filhos e suas filhas. Em contrapartida, gênero, educação e variáveis contextuais, como conhecer alguém que morreu de Covid ou que teve a doença do coronavírus, não foram associados à decisão de vacinar.

Em países como o Brasil, onde os líderes políticos adotaram uma postura antivacinação, pais, mães e responsáveis tiveram incentivos não apenas para se recusar a vacinar seus filhos contra a Covid, mas também a fazê-lo com altos níveis de ambivalência.

Mesmo nesses contextos, os meios de comunicação tradicionais, alinhados às evidências científicas, podem ter um papel positivo na promoção de vacinas e de comportamentos adequados à saúde, como observado entre telespectadores do Jornal Nacional. Acreditamos que estes achados sejam insumos relevantes para o desenho de campanhas de vacinação promovidas por agentes públicos e que novos estudos são necessários para a definição de mensagens eficazes.


*Wladimir Gramacho, Pesquisador visitante na Universidade Laval (Canadá), Coordenador do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS), Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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