Presidente do Brasil visita a Casa Branca enquanto tenta conter ameaças crescentes à democracia
Biden e Lula lideram países muito diferentes, mas enfrentam desafios violentos desde que foram eleitos, o que aproxima as batalhas que precisam travar. Para antropóloga, o presidente brasileiro entende o poder dos símbolos e está tentando mudar a forma como os brasileiros se sentem em relação à sua nação enquanto pede que a população abrace a diversidade e a democracia
Biden e Lula lideram países muito diferentes, mas enfrentam desafios violentos desde que foram eleitos, o que aproxima as batalhas que precisam travar. Para antropóloga, o presidente brasileiro entende o poder dos símbolos e está tentando mudar a forma como os brasileiros se sentem em relação à sua nação enquanto pede que a população abrace a diversidade e a democracia
Por Carmen Alvaro Jarrin*
Quando o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com o presidente Joe Biden em 10 de fevereiro de 2023, mudanças climáticas, desenvolvimento econômico e segurança estavam na agenda. Mas, se Lula não conseguir estabilizar a democracia em seu país, ele não conseguirá atingir nenhum desses outros objetivos.
Biden e Lula lideram países muito diferentes. No entanto, os violentos desafios que cada um enfrentou em suas eleições deram a eles batalhas semelhantes para travar.
O ataque de 8 de janeiro de 2023 à capital do Brasil ecoou elementos da insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA. Em ambos os países, os então presidentes que perderam a reeleição começaram a encorajar a violência semanas antes de seus seguidores agirem.
Como antropóloga que estuda a política brasileira, vejo conexões entre a forma como os dois distúrbios foram organizados e a raiva coletiva que eles transmitiram. E vejo os países tomando medidas semelhantes para fortalecer suas democracias. Os EUA estão há dois anos no processo. Mas o Brasil, onde a insurreição foi ainda mais complicada pela cumplicidade militar, está apenas começando a empreitada.
Ação com base em uma mentira
Em ambos os casos, os manifestantes estavam convencidos de que a eleição havia sido roubada deles e dos candidatos que eles apoiavam – o ex-presidente Donald Trump nos EUA e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro – apesar de não haver evidências de fraude eleitoral. Em ambos os casos, os manifestantes se organizaram pela internet e influenciadores de extrema direita, como Steve Bannon, que tem laços estreitos com Bolsonaro desde 2018, atiçaram as chamas.
Os manifestantes atacaram símbolos físicos da democracia, como o Capitólio nos Estados Unidos e os prédios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal no Brasil. Nos Estados Unidos, os desordeiros chegaram a pedir abertamente o enforcamento e a morte de funcionários eleitos. No Brasil, uma nação outrora governada por uma ditadura militar brutal, os manifestantes pressionaram por uma tomada militar do governo.
O fato de tantas pessoas terem passado da raiva visceral para a violência mostra como as pessoas podem ser facilmente seduzidas por ideologias extremas. Isso é uma ameaça à democracia.
O livro Democracia Precária, que coeditei com os colegas antropólogos Lucia Cantero, Benjamin Junge e Sean Mitchell, demonstra que o afeto político – os aspectos não racionais e emocionais da política – pode moldar os eventos nas democracias modernas.
Bolsonaro, por exemplo, baseou-se em retratar as minorias LGBT como moralmente repugnantes e uma ameaça à nação para reunir apoio. Essa caracterização foi fundamental para sua vitória eleitoral em 2018. Da mesma forma, Trump – como candidato e presidente – pintou os imigrantes como uma ameaça para os Estados Unidos. Embora Trump tenha uma abordagem incomum para a presidência americana moderna, seus seguidores se deleitaram com sua violação de normas. E Bolsonaro validou a mudança emocional dos conservadores da esperança para o ódio com o fomento da divisão racial e outras táticas.
Como argumenta a antropóloga Patrícia de Santana Pinho, Bolsonaro fomentou um crescente ressentimento racial entre os brasileiros brancos acostumados a estar no topo da hierarquia racial do país, mas que sentiam ter perdido esse privilégio sob o Partido dos Trabalhadores de Lula. Bolsonaro prometeu voltar a um passado mítico em que “havia decência e respeito à família”, usando a violência, se necessário, para atingir esse objetivo. Ele até incentivou o porte de armas como forma de restabelecer a ordem social e moral.
Os desafios adiante
É muito difícil combater a raiva, o ressentimento e a nostalgia com apelos à racionalidade e à civilidade. E o desafio de Lula é ainda mais complicado pelo apelo dos apoiadores de Bolsonaro pelo retorno do regime militar.
De 1964 a 1985, cidadãos brasileiros foram torturados, estuprados e submetidos a desaparecimentos forçados durante a ditadura militar do país. E, nas décadas seguintes, a maioria dos elementos da democracia do país foram restaurados, mas o governo civil ainda não recuperou o controle total das agências de segurança do Brasil.
Além do mais, enquanto estava no cargo, Bolsonaro trabalhou para garantir que os civis não recuperassem esse controle, nomeando milhares de militares – da ativa e da reserva – para cargos civis que controlavam setores significativos do governo e do orçamento federal. Ele celebrou o golpe de 1964 que levou ao poder militar e ao próprio regime militar. E garantiu que as forças militares e policiais fossem amplamente financiadas, dando às agências um total de cerca de US$ 5 bilhões até o final de seu mandato. O orçamento anual do país é de cerca de US$ 19 bilhões.
O caminho para a democracia
Restaurar a democracia no Brasil e livrar o governo da influência militar pode ser o maior desafio de Lula. Mas ele está tomando medidas práticas para fazer isso, como demitir um general militar que supostamente impediu que os manifestantes de 8 de janeiro fossem presos. Ele também assinou uma carta com os governadores de todos os estados do Brasil, que explicava que a democracia não é negociável.
Em outra frente, Lula combate a raiva com outra emoção poderosa: a esperança. O historiador John French descreve sua abordagem como uma “política da astúcia”, caracterizada por uma disposição de compromisso e uma visão da nação que parece mais inclusiva e equitativa para todos os brasileiros.
Quando Lula foi empossado, ele subiu a rampa do Palácio do Planalto com oito representantes de sua diversificada coalizão política, entre eles um metalúrgico, uma liderança indígena, um ativista negro e um influenciador gay com deficiência.
Este é um homem que entende o poder dos símbolos e está tentando mudar a forma como os brasileiros se sentem em relação à sua nação. Ele está pedindo que eles reivindiquem uma participação abraçando a diversidade – e a democracia.
*Carmen Alvaro Jarrin é professora de antropologia no College of the Holy Cross
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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