13 fevereiro 2025

A campanha por segurança no Equador reduziu a criminalidade sem resolver desafios

Embora a militarização da segurança pública tenha contribuído para a redução das altíssimas taxas de homicídio, essa é apenas uma parte da história. Os casos de extorsão e sequestro, na verdade, aumentaram no último ano, sugerindo que, em vez de serem desmanteladas, várias organizações criminosas podem estar apenas adaptando suas táticas

O presidente equatoriano Daniel Noboa (Foto: Daniel Noboa/Instagram)

Por Robert Muggah e Katherine Aguirre *

A administração do presidente equatoriano Daniel Noboa agiu rapidamente para impor o estado de direito logo após sua surpreendente eleição em 2023. No curto prazo, os resultados do presidente mais jovem da história do Equador foram notáveis, incluindo uma redução de 18% nos homicídios em 2024, segundo relatos. A administração presidencial também aumentou as apreensões de drogas em mais de 30%, totalizando cerca de 250 toneladas no último ano, em comparação com 188 toneladas em 2023. Apesar do que alguns observadores descrevem como um ano caótico, essas medidas tornaram Noboa popularentre mais da metade dos equatorianos.

O principal pilar da estratégia rigorosa contra o crime do presidente é a imposição de “estados de emergência” e a centralização das instituições de segurança sob seu controle. Lançada no início de janeiro de 2024, a chamada estratégia Bloque de Seguridad integra a polícia, as forças armadas e os ministérios do Interior e da Defesa Nacional. As prisões também foram declaradas “zonas de segurança” e passaram a estar sob o controle da polícia e dos militares. O presidente promete continuar com essas medidas caso seja reeleito. (No domingo passado, dia 9 de fevereiro, Noboa venceu o primeiro turno das eleições com cerca de 45% dos votos, e vai disputar o segundo turno com a candidata opositora Luisa Gonzales, que obteve cerca de 44%.)

Os riscos da segurança militarizada

Embora a militarização da segurança pública tenha contribuído para a redução das altíssimas taxas de homicídio, essa é apenas uma parte da história. Os casos de extorsão e sequestro, na verdade, aumentaram no último ano, sugerindo que, em vez de serem desmanteladas, várias organizações criminosas podem estar apenas adaptando suas táticas. O chefe da Dinased, agência nacional responsável pelo combate ao crime violento, afirma que esses grupos estão se diversificando em novas economias ilícitas para garantir sua sobrevivência.

Uma das limitações da resposta do governo equatoriano ao crime organizado é a falta de medidas preventivas para impedir que os jovens ingressem em grupos criminosos. Embora haja amplo apoio à repressão contra criminosos, também existe interesse em iniciativas sociais, educacionais e econômicas que incentivem aqueles em situação de risco, afastando-os da criminalidade. Para enfraquecer as estruturas e redes criminosas no longo prazo, é fundamental adotar estratégias mais abrangentes.

Outra preocupação é que as respostas militarizadas à segurança possam resultar no surgimento de novos grupos armados, incluindo paramilitares. Embora ainda haja poucas evidências concretas de atividade paramilitar no Equador, o risco é real. A história da América Latina mostra uma tradição de “autodefesas” e “milícias” que surgem em resposta à violência generalizada. Enquanto isso, pesquisadores já documentaram mais de 160 “santuários criminosos”, especialmente nas províncias de Guayas e Esmeraldas, onde gangues locais oferecem proteção em troca da imposição de sua própria “ordem”.

Uma preocupação apontada pelos analistas é que a repressão severa contra grupos criminosos, embora melhore alguns aspectos da segurança pública, pode, inadvertidamente, contribuir para mudanças estruturais do cenário do crime organizado. No Equador, assim como em outras partes da América Latina, os riscos parecem ser particularmente graves dentro do próprio sistema prisional. De fato, nos últimos cinco anos, grupos criminosos instalados no sistema penitenciário expandiram suas operações por todo o país.

Assim como em países como Colômbia e México, as redes criminosas do Equador estão utilizando a violência para coagir e corromper políticos locais. Em alguns casos, grupos criminosos forçam as autoridades locais a lhes pagar em troca de “proteção”. Com o tempo, isso enfraquece a autoridade e compromete a legitimidade dessas lideranças, consolidando uma espécie de governança criminosa. O chamado Escândalo Metástasis é um exemplo revelador. No ano passado, a Procuradoria-Geral do Equador acusou 13 pessoas, incluindo políticos e promotores, de envolvimento no maior caso de corrupção e tráfico de drogas da história do país.

Apesar das repetidas intervenções da polícia e das forças armadas para retomar o controle dos presídios do Equador, ainda há indícios de atividades ilícitas ativas dentro das prisões. Algumas dessas atividades persistem, em parte, devido ao envolvimento de policiais e agentes penitenciários corruptos. Além disso, apesar da repressão do governo Noboa contra grupos criminosos como Los Choneros, Los Lobos e Los Tiguerones, a fragmentação dessas organizações resultou em lutas internas ainda mais violentas pelo poder. Ess fragmentação também redefiniu as relações dos grupos criminosos equatorianos com cartéis transnacionais: agora, os traficantes mexicanos precisam negociar com múltiplas gangues equatorianas, intensificando a competição violenta.

Recurso aos “estados de comoção”

Embora controversas, as autoridades equatorianas decretaram cerca de meia dúzia de estados de emergência (“estado de comoção”) desde 2022. Alguns desses decretos foram restritos a províncias específicas onde a criminalidade se mantém elevada. Recentemente, a Corte Constitucional do Equador restringiu os poderes do presidente Noboa para decretar emergências, argumentando que não há justificativa legal para a declaração de “conflito armado interno”e a imposição inconstitucional de restrições a direitos. As decisões da Corte também enfatizaram a necessidade de medidas de segurança que respeitem o Estado de Direito, em vez do uso excessivo de decretos emergenciais.

O Equador esteve sob estado de emergência por mais de 250 dias em 2024. O decreto mais recente, emitido em janeiro deste ano, concedeu amplos poderes às forças de segurança, autorizando o envio da polícia nacional e das forças armadas para áreas afetadas e presídios. Além disso, a medida permite inspeções, buscas e apreensões sem mandado, reduzindo a proteção à privacidad e facilitando a vigilância arbitrária. Toques de recolher entre 22h e 5h foram impostos em mais de 22 municípios.

Como era de se esperar, grupos de direitos humanos têm soado o alarme,associando a abordagem linha-dura do governo a violações das liberdades civis, tanto nas ruas quanto dentro das prisões. Movimentos sociais em Guayaquil e outras cidades costeiras realizaram protestos, apesar da escalada da criminalidade violenta. Trabalhando em condições inseguras, ativistas e defensores de direitos humanos continuam a se mobilizar, embora o apoio popular à política de “lei e ordem” de Noboa permaneça elevado.

O apelo duradouro da mano dura nas Américas

A expansão e a crescente influência do crime organizado transnacional estão gerando desafios complexos em toda a América Latina. Por um lado, contribuem para o aumento da violência em países que historicamente apresentavam baixas taxas de homicídio, como Chile, Costa Rica, Equador e Peru. Por outro lado, intensificam a sensação de insegurança mesmo em países onde os índices de homicídio estão estáveis ou em declínio, como Brasil, Colômbia, Panamá e diversas países da América Central e do Caribe.

A resposta extremamente agressiva de certos governos ao crime organizado tem chamado atenção. A abordagem adotada por Bukele em El Salvador desde 2022 é amplamente admirada,inclusive por autoridades da nova administração Trump nos Estados Unidos. Estratégias semelhantes também foram implementadas na vizinha Hondurase, mais recentemente, por Noboa no Equador. Com o aumento da popularidade de Bukele, cresce também a atração por medidas da chamada “mano dura”em toda a região, incluindo a imposição de “estados de emergência”.

Os estados de emergência no Equador já estão gerando repercussões e sendo acompanhados de perto por autoridades políticas em toda a América do Sul, que podem adotar medidas semelhantes caso sejam, que podem adotar medidas semelhantes caso sejam considerados eficazes. Ao mesmo tempo, organizações da sociedade civil e ativistas de direitos humanos monitoram a situação com preocupação, alertando para possíveis impactos negativos sobre liberdades e direitos fundamentais.

Além do impacto político, os estados de emergência no Equador estão gerando efeitos concretos na região. A fragmentação das organizações criminosas levou algumas a se deslocarem para áreas distantes do controle estatal, incluindo zonas de fronteira e países vizinhos. Esse movimento pode resultar nos chamados efeitos de “contágio”, “deslocamento” ou “balão”, ultrapassando fronteiras internacionais. Como consequência, há o risco do fortalecimento de economias ilícitas e de outras externalidades, como deslocamentos populacionais e o crescimento da migração.

O próximo presidente do Equador precisará adotar uma abordagem abrangente para enfrentar o crime organizado. Desarticular os 22 grupos criminosos do país exigirá cooperação com parceiros internacionais para combater as redes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro colombianas, mexicanas e albanesas que os financiam. Também será essencial reverter a infiltração das redes criminosas no sistema político, que corrompem políticos, promotores, policiais e agentes penitenciários. Além disso, medidas preventivas voltadas às comunidades afetadas e à má gestão do sistema prisional serão fundamentais para que o Equador consiga reverter essa situação.


*Robert Muggah, Richard von Weizsäcker Fellow na Bosch Academy e Co-fundador, Instituto Igarapé e Katherine Aguirre, Pesquisadora sênior, Instituto Igarapé

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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