03 janeiro 2025

A nova Argentina e o Brasil

Balanço do primeiro ano do governo de Javier Milei apontou avanços e desafios para o governo do país vizinho, e resultados positivos podem representar um desafio para o Brasil na comparação entre os dois, na atração de investimentos, e sobretudo do ponto de vista político

Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Argentina, Javier Milei, durante cumprimentos aos líderes do G20 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Em pronunciamento de fim de ano, o presidente argentino, Javier Milei, fez um balanço dos avanços na economia e na política de seu país e anunciou as novas políticas para 2025. São mudanças realmente impressionantes, levando em conta a oposição peronista e a pouca representatividade de seu partido no parlamento.

Dentre os resultados anunciados, Milei ressaltou a transformação ocorrida na economia e na política: Fim da recessão, volta do crescimento econômico, queda da inflação (1,2% em outubro), eliminação significativa do déficit fiscal e a emergência de superávit. Além disso, eliminação das emissões e saneamento da dívida pública; eliminação do déficit comercial e a obtenção de superávit. 

Na política monetária, estabilização do dólar e a redução da taxa de juros; redução do risco país de mais de 1.300 para cerca de 700; grande ênfase na liberdade econômica, com 3.800 reformas institucionais; sensível redução dos 8.000 piquetes de greve; reforma do Estado, com a redução de 38 para 8 ministérios e eliminação de cem secretarias, de 34 mil cargos de funcionários públicos e redução das normas regulatórias, privilégios e subsídios.

‘Milei anunciou também um ambicioso programa de reformas para 2025’

Milei anunciou também um ambicioso programa de reformas para 2025. Medidas para manter a redução da inflação e o crescimento sustentável com a recuperação cíclica da economia; aumentar a poupança privada e continuar a reduzir o risco país; reduzir em 90% os impostos, facilitar a competição fiscal entre as províncias. Na política monetária, estabilizar a taxa de câmbio e eliminar as restrições de compra de moeda estrangeira (cepo cambiario), aumentar as reservas do Banco Central e buscar novo acordo com o FMI, liberalizar o uso de qualquer moeda para transações financeiras e comerciais, com exceção do pagamento de impostos que continuará a ser feito em peso. 

No tocante ao comércio exterior, pretende aumentar as exportações e negociar com os parceiros do Mercosul a redução das tarifas, a flexibilização das regras quanto às negociações com outros parceiros para permitir entendimentos de acordo de livre comércio com os EUA. Atrair investimentos em mineração, petróleo e gás, com a redução do custo argentino; estimular avanços em tecnologia, transformando a Argentina em um hub em inteligência artificial. 

Na área de energia, quer desenvolver um forte programa nuclear com novos reatores de pequeno porte; melhorar a educação; no tocante a reforma do Estado, continuar a redução de organismos e empresas estatais; descentralização e redução dos gastos públicos; medidas contra o narco-terrorismo e redução da violência com políticas anti-mafia.

‘Neste ano vai haver eleição para o parlamento argentino, e Milei espera aumentar o peso de seu partido para facilitar a aprovação dessas medidas’

Neste ano vai haver eleição para o parlamento argentino, e Milei espera aumentar o peso de seu partido para facilitar a aprovação dessas medidas. O ambiente político é complexo com as dificuldades de relacionamento entre o presidente Milei e a vice-presidente Victoria Villarruel, que ocupa a presidência do Senado.

A popularidade de Milei continua alta, apesar das dificuldades econômicas nesse primeiro ano com o alto custo dos produtos de primeira necessidade para a população.

‘Caso os resultados anunciados por Milei se mantenham e se ampliem em 2025, a situação relativa da Argentina na América do Sul pode representar um grande desafio para o Brasil’

Caso os resultados anunciados por Milei se mantenham e se ampliem em 2025, a situação relativa da Argentina na América do Sul pode representar um grande desafio para o Brasil. Não só na comparação que será feita, levando em conta as dificuldades econômicas e fiscais no Brasil, com impacto na atração de investimentos, mas sobretudo do ponto de vista político. 

Com a presidência argentina do Mercosul no primeiro semestre de 2025, o anúncio de Milei de buscar a redução da Tarifa Externa Comum, a flexibilização do artigo 1 do Tratado de Assunção que prevê a negociação coletiva, e não individual, com terceiros países, colocará um grande desafio ao Brasil para manter as regras e as negociações externas, sobretudo se os EUA – o que parece difícil – aceitarem negociar um acordo de livre comércio com Argentina. O Brasil vai aceitar negociações no âmbito do Mercosul? Como se dará o desenvolvimento do programa de expansão da capacidade nuclear argentina? 

‘Como o Brasil reagirá em relação a novas sanções contra a Venezuela, apoiadas pela Argentina? O quadro fica ainda mais complicado quando se sabe que os dois presidentes não se falam’

Representando os interesses da Argentina na Venezuela, não se conseguiu qualquer resultado para a obtenção de salvo conduto dos cinco venezuelanos exilados na embaixada em Caracas. Como o Brasil reagirá em relação a novas sanções contra a Venezuela, apoiadas pela Argentina? O quadro fica ainda mais complicado quando se sabe que os dois presidentes não se falam.

Por outro lado, o protagonismo de Milei, como um dos lideres do movimento conservador de direita e sua proximidade com Donald Trump podem criar dificuldades para o governo Lula, caso se crie uma coalizão conservadora, liderada pelos EUA, com medidas contra os governos de esquerda do continente, em especial em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua, com possíveis repercussões sobre o governo petista no Brasil e sobre os entendimentos relacionados com a COP 30 e o Brics.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter