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Interesse Nacional
04 novembro 2024

Armas, milícias e mídias sociais ampliam os riscos de violência política durante as eleições nos EUA

Em 2022, cerca de um em cada três adultos americanos acreditava que a violência política era sempre justificável em nome de “proteger a democracia americana”, “salvar o modo de vida americano” ou “salvar o país”

Adesivos indicam participação na eleição americana (Foto: Organization for Security and Co-operation in Europe)

Por Robert Muggah*

A violência política não é novidade nos Estados Unidos. Desde a sua criação, homens armados moldaram o cenário político do país, da Guerra Civil à Ku Klux Klan, passando por assassinatos de grande repercussão e bombardeios de prédios federais. No entanto, a ameaça e a incidência da violência política se intensificaram nos últimos anos, crescendo significativamente durante o ciclo eleitoral de 2024.

Pelo menos 400 incidentes distintos foram relatados nos dois primeiros trimestres de 2024, um salto de quase 80% em relação a 2022. Ameaças e ataques de alto perfil contra funcionários públicos, desde ex-presidentes e administradores eleitorais até líderes municipais, diretores de escolas e até mesmo socorristas, marcam uma tendência sombria.

O Departamento de Segurança Interna tem destacado repetidamente a crescente ameaça de violência política, identificando os extremistas de extrema-direita como a principal ameaça doméstica à segurança americana — uma realidade agravada pelo ambiente polarizado atual. Grupos extremistas e marginais estão se mobilizando nas ruas e online.

Só na primeira metade de 2024, quase um em cada cinco funcionários eleitos localmente relatou ter recebido ameaças. Este mês, o DHS e o FBI classificaram como “alta” a ameaça de violência associada ao ciclo eleitoral de 2024.

Motivado pela violência

A violência política é frequentemente definida como o uso de força física para ferir indivíduos com o objetivo de promover uma causa política. Em 2022, cerca de um em cada três adultos americanos acreditava que a violência política era sempre justificável em nome de “proteger a democracia americana”, “salvar o modo de vida americano” ou “salvar o país”.

É preocupante que um em cada sete americanos concordava com a afirmação de que “nos próximos anos, haverá uma guerra civil nos EUA”. Embora esses números tenham diminuído levemente até 2023, a justificação da violência política continua a ser amplamente disseminada.

Nos EUA, uma corrente persistente de teorias conspiratórias e crenças apocalípticas também eleva o risco de violência política. Um estudo de 2024, revelou que cerca de 9% dos americanos entrevistados entre 2022 e 2023 acreditavam em narrativas semelhantes às do QAnon e concordavam que as instituições dos EUA são “controladas por um grupo de pedófilos adoradores de Satanás que comandam uma operação global de tráfico sexual”.

Além disso, outros 20% relataram estar “vivendo o que a Bíblia descreve como o fim dos tempos”. À medida que ideias violentas e conspiratórias ganham força, aumenta o risco de que essas crenças sejam concretizadas em nível local.

Armado e perigoso

O risco de violência política também é amplificado pela disponibilidade de armas de fogo. Os EUA são uma exceção no que diz respeito à posse de armamento, com pelo menos 370 milhões de armas em circulação. Entre 30 e 40% dos americanos afirmam possuir pelo menos uma arma.

A posse de armas aumentou na última década, com pesquisas indicando que mais da metade dos adultos nos EUA residia em um lar com uma arma em 2023, em comparação com 42% em 2013. Curiosamente, o maior aumento entre 2020 e 2021 parece ter ocorrido entre cidadãos liberais e de tendência democrata.

Proprietários de armas geralmente expressam maior apoio à violência política em comparação com aqueles que não possuem armas, considerando muitas vezes as armas como ferramentas a serem utilizadas em defesa dos “valores americanos”. Os compradores recentes e os proprietários de rifles de assalto também tendem a ver a violência política como uma atitude justificável, demonstrando mais disposição para se envolver nela, para matar em nome de objetivos políticos e para organizar grupos violentos.

Entre os republicanos alinhados ao movimento Make America Great Again (MAGA), as crenças em um possível conflito civil e a disposição para pegar em armas nesse contexto são muito elevadas. Cerca de 30% dos republicanos do MAGA acreditam firmemente que uma guerra civil é provável nos próximos anos — uma taxa três vezes maior do que entre republicanos que não apoiam o MAGA.

Isso contrasta com a violência política durante as décadas de 1960 e 1970, quando grupos radicalizados de esquerda desempenhavam os papéis centrais. O atual potencial violento se deslocou em grande parte para a extrema-direita e está mais profundamente entrelaçado com a cultura de armas e grupos paramilitares.

A cultura de armas nos Estados Unidos, aliada à fragmentação política, torna a nação particularmente vulnerável à violência política relacionada a armas. Em 2021, quase 49.000 americanos perderam a vida devido a armas de fogo, com os homicídios representando metade desse total.

O papel das armas nos suicídios também é significativo, respondendo por cerca de metade das mortes por armas de fogo, colocando os EUA como uma exceção alarmante entre as nações desenvolvidas. Embora os tiroteios em massa representem menos de 2% do total de mortes por armas de fogo, eles exacerbam a preocupação pública.

Milícias estão marchando

Enquanto isso, as milícias privadas ganharam força, com estimativas apontando para a existência de 169 grupos ativos atualmente. Essas milícias possuem uma longa e conturbada história, alcançando destaque nas décadas de 1980 e 1990. No auge dos anos 1990, aproximadamente 859 milícias estavam em operação, mas seus números despencaram após uma repressão governamental.

Desde 2016, no entanto, milícias como os Three Percenters e os Oath Keepers recuperaram força, impulsionadas pelo descontentamento político, retórica anti-imigração e apoio de figuras políticas da extrema-direita.

Várias dessas milícias estiveram presentes no comício “Unite the Right” em Charlottesville em 2017 e nas atividades “Stop the Steal” após a eleição de 2020, incluindo a invasão do Capitólio, e continuam a se mobilizar em torno de questões de segurança de fronteiras.

A lei federal proíbe atividades paramilitares em todos os 50 estados, mas a aplicação dessa lei é inconsistente. Embora alguns indivíduos associados a grupos paramilitares tenham sido processados nos últimos anos, as condenações continuam raras. Uma mistura de sentimento anti-governo, organização hiperlocal e a difusão digital de ideologias de extrema-direita complicam a aplicação da lei, especialmente em áreas politica mente carregadas ou rurais.

A administração Biden lançou a primeira estratégia nacional do país para combater o terrorismo doméstico em 2021. E, em meio a crescentes evidências da ameaça, membros do Congresso e do Senado propuseram este ano o Ato de Prevenção de Atividades Paramilitares Privadas para proibir “patrulhamento, treinamento ou engajamento em táticas paramilitares prejudiciais”, mas o projeto ainda não foi aprovado.

Violência digital

Além dos confrontos físicos, o mundo online é outra frente na disseminação da violência política. As redes sociais revolucionaram o recrutamento e a radicalização, com plataformas fomentando câmaras de eco onde ameaças, intimidações e instruções para violência circulam com quase total impunidade.

A Polícia do Capitólio dos EUA investigou mais de 8.000 ameaças contra membros do Congresso em 2023, refletindo um aumento de quase 50% desde 2018. Enquanto isso, as ameaças a juízes federais aumentaram 150% entre 2019 e 2023. Os incentivos econômicos das redes sociais para gerar engajamento impulsionam o sensacionalismo e a indignação, deixando frequentemente mulheres e minorias particularmente vulneráveis ao assédio.

O anonimato e a natureza viral dos espaços digitais introduzem novos riscos. Algumas milícias e grupos extremistas disfarçam sua propaganda com nomes inofensivos, construindo redes secretas para treinar, organizar e radicalizar usuários.

Em alguns casos, plataformas como Facebook, Telegram, YouTube, X e comunidades de jogos online estão normalizando o extremismo de direita, com milícias recrutando “patriotas ativos”, incluindo agentes da lei e militares, tanto atuais quanto aposentados, além de jovens desiludidos, incitando-os a “se levantarem” e “se prepararem” para uma guerra civil. Sentimentos anti-governo, hostilidade contra migrantes e mensagens nacionalistas brancas frequentemente servem como ferramentas de recrutamento.

Uma reposta multifacetada

As implicações mais amplas da violência política nos Estados Unidos antes, durante e após as eleições de 2024 vão muito além de suas fronteiras. A percepção de uma democracia americana enfraquecida ou violenta pode ser geopoliticamente desestabilizadora. Uma eleição marcada pela violência poderia servir como um sinal para autocratas e extremistas em todo o mundo de que os processos democráticos são vulneráveis, potencialmente encorajando facções semelhantes em outros países. Por outro lado, uma eleição pacífica e bem administrada poderia servir de modelo de resiliência democrática, crucial em um ano recorde de eleições nacionais em 2024.

As recentes medidas da administração Biden para restringir as atividades das milícias e impor penalidades para exercícios militares não autorizados são um passo positivo na direção certa. Embora ambiciosas, tais medidas enfrentam consideráveis obstáculos, incluindo preocupações constitucionais sobre os poderes estaduais versus federais e forte oposição dos defensores da Segunda Emenda. E, enquanto uma maior aplicação federal é essencial, políticas autoritárias podem sair pela culatra, levando certos grupos a uma maior radicalização.

Em última análise, a luta dos Estados Unidos contra a violência política e o extremismo doméstico destaca a necessidade de uma abordagem multifacetada, começando com uma aplicação mais clara das leis sobre milícias, leis de controle de armas responsáveis, incluindo verificações de antecedentes, leis de “bandeira vermelha” e a proibição de rifles de assalto, além de uma regulamentação mais rígida das redes sociais. No entanto, todas essas medidas exigem vontade política e apoio público, ambos escassos no polarizado cenário político dos EUA.

Talvez ainda mais importante, os líderes americanos devem reimaginar um diálogo político construtivo que supere o tribalismo. Além da aplicação da lei, enfrentar a violência política significa lidar com desigualdades estruturais e fomentar a coesão social. Medidas para superar divisões ideológicas, fortalecer o capital social e reduzir a desigualdade econômica podem promover uma narrativa nacional compartilhada que enfraqueça os elementos violentos à margem. Uma geração criada em meio à volatilidade política e à radicalização online precisa de um engajamento construtivo nas práticas democráticas e no discurso público. Com as eleições de novembro de 2024 se aproximando, as apostas são mais altas do que nunca. Os próximos meses podem ser decisivos, não apenas para os EUA, mas para as democracias em todo o mundo.


Robert Muggah, Co-founder of Igarapé Institute and Lecturer, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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